Em 2018, 405 mil pessoas morreram por malária, a maior parte crianças nos países mais pobres do mundo. O fato destas mortes ainda ocorrerem é um absurdo. Porém, avançamos enormemente no problema. No ano 2000, esse número passava de 839 mil, mais que o dobro. Não cabe portanto uma visão cínica de que nada pode ser feito. Pelo contrário, a pobreza extrema e os problemas que a acompanham tem declinado continuamente. Devemos acelerar esse processo. Um mundo menos pobre também será mais resiliente a novas pandemias.
Índice
O que isso tem a ver com o coronavírus?
Estamos abordando ao longo dos textos quais seriam as medidas de prevenção de uma futura pandemia e as de mitigação de seus impactos.
Entendemos que combater a pobreza extrema e as doenças que desproporcionalmente afetam aos mais pobres são medidas que, além de serem boas por si só, podem ajudar a mitigar o impacto de futuras pandemias. Se diminuirmos a pobreza extrema diminuiremos a desnutrição, tornando as pessoas naturalmente mais resistentes e com mais chance de sobreviverem. O mesmo ocorre se derrotarmos doenças que fragilizam a saúde das pessoas e hoje são prevalentes apenas entre os mais pobres tal como a malária, verminoses ou a tuberculose.
Pelo lado da prevenção, sabemos que doenças novas se alastram com maior rapidez em locais mais pobres, o que se dá por fatores como falta de acesso a água limpa e habitações inadequadas para o devido resguardo do familiar doente. Também podemos pensar na falta de recursos poupados para que seja possível permanecer em isolamento social. Temos visto como esse problema é particularmente importante nas favelas das grandes cidades, inclusive no Brasil.
Extrema Pobreza no mundo
Antes de mais nada, o que é a extrema pobreza ? De acordo com a ONU, significa a pessoa que vive com menos de um dólar e noventa centavos por dia. Isso já leva em conta as diferenças do que você consegue comprar com um dólar aqui, nos EUA ou no Quênia, por exemplo. Tudo isso é nivelado numa régua que os economistas chamam de paridade de poder de compra.
Produzido pela OurWorldInData (Nosso Mundo em Dados)esse gráfico destaca tendências de longo prazo nos padrões de vida humanos — o gráfico mostra a taxa de pobreza extrema, medida como a parcela da humanidade vivendo com $ 1,90 por dia ou menos, despencando de 94,4% em 1820 para 9,6% até o ano de 2015.
Os dados são de fontes oficiais com o Banco Mundial e deixam pouca margem para dúvidas. Contudo, muitas pessoas ainda demonstram ceticismo de que a humanidade esteja conseguindo resolver um problema tão antigo quanto a pobreza.
De fato, quando Bill Gates tuitou esse gráfico, pelo fim de 2019, ele gerou um debate acalorado entre diversos acadêmicos. A Vox produziu uma longa reportagem discutindo em detalhes e de modo muito ponderado todos os argumentos da controversa que se instalou na época. Nós do Altruísmo Eficaz Brasil traduzimos o artigo e recomendamos que você o leia caso ainda não esteja convencido de que a pobreza está em queda e queira se aprofundar no debate.
Não queremos aqui dizer que o problema esteja se resolvendo por si só, ou que devemos cantar vitória e nada fazermos. Ainda há uma quantidade enorme de pessoas em pobreza extrema ou adoecendo de malária, sofrimento muito palpável que deveríamos o quanto antes tratar de ajudá-las.
E esse é nosso ponto: ao destacar que a pobreza está em queda desejamos deixar claro que se trata assim de um problema tratável. Pouca gente fica naturalmente empolgada em tentar ajudar em um problema que não tem solução à vista. A pobreza é tão antiga quanto a civilização humana e por isso nos acostumamos a ideia de que ela nunca terá fim. Mas agora “há uma luz no fim do túnel”.
Como resolver o problema ? — transferências direta de dinheiro
Há muito que pode ser feito para acelerar ainda mais essas tendências de melhoria, seja combatendo diretamente a pobreza extrema, seja combatendo as doenças que afetam os mais pobres. O custo disso é menor do que você pensa, principalmente se você considerar as intervenções mais custo-eficazes possíveis, como mostraremos a seguir:
Para esse valor, usaremos de exemplo o trabalho conduzido pela GiveDirectly . A missão desta organização é realizar transferências diretas de dinheiro, incondicionais, para as pessoas mais pobres do mundo.
Por transferências diretas eles querem dizer sem intermediários. A GiveDirectly trabalha diretamente com as pessoas que receberão o dinheiro, impedindo assim que o dinheiro seja desviado por corrupção ou ineficiências administrativas, por exemplo.
Por transferências incondicionais eles querem dizer que não existe quaisquer restrições de como as pessoas usarão o dinheiro. Elas podem fazer o que julgarem melhor.
Essa talvez seja a parte que cause mais questionamentos: Será que as pessoas gastarão bem o dinheiro? Vejamos então como algumas pessoas tem usado suas transferências:
“Durante muito tempo, Gladys — uma das beneficiadas no Quênia — sonhava em melhorar seu projeto de criação de galinhas para ter uma vida melhor. Por isso, quando ela recebeu a transferências da GiveDirectly, decidiu comprar 120 filhotes. Nas últimas duas semanas, ela já coletou mais de 100 ovos. Ela espera obter bons retornos, já que um ovo é vendido a vinte centavos de dólar e a temporada de festas está chegando. Gladys obteve benefícios não apenas da venda dos ovos como também do esterco do frango, que ela pode usar como fertilizante em seu jardim. Cultivando couve, espinafre e abóbora frescos e nutritivos”.
Samson, um beneficiário do programa Urban Youth da GiveDirectly em Nairobi, investiu o dinheiro que ganhou na abertura de uma barbearia — ele trabalha por conta própria desde fevereiro e usa seus ganhos da loja para pagar suas contas.
Rose decidiu gastar sua primeira transferência na compra de chapas de ferro para um novo telhado, porque ela atualmente vive em uma casa de telhado de palha que goteja quando chove. Ela também comprou um saco de milho para alimentar sua família.
Nancy gastou sua primeira transferência de dinheiro da GiveDirectly comprando um barco de pesca e a segunda transferência comprando um motor para o barco. Agora, ao invés de ganhar 1 dólar por dia lavando roupas, ela ganha cerca de 20 a 80 dólares por dia vendendo peixes.
Esse é talvez o melhor exemplo que já vimos para refutar uma comum oposição a ideia de dar dinheiro diretamente aos pobres, a famosa frase: “Não dê o peixe, ensine a pescar”. Pois bem: dê o dinheiro e eles irão comprar a vara de pescar, o barco e o motor!
Essas histórias foram tiradas do Facebook da Give Directly. Lá você encontrará muitas outras. Para entender com mais detalhes como a GiveDirectly funciona, faz as transferências chegarem diretamente nas mãos das pessoas, etc, leia o post original que fizemos a respeito do trabalho deles. E se você faz questão de se pautar apenas pelas melhores evidências cientificas, recomendamos ler depois esse artigo que traduzimos da Vox, detalhando como a GiveDirectly tem realizado diversos estudos a fim de medir seu impacto na economia local.
Por fim, talvez você ainda esteja em dúvida se a transferência direta de dinheiro aos mais pobres seja a maneira mais eficaz de resolver o problema. Se for o caso, escrevemos recomendamos esse artigo que também escrevemos e que apresenta contrapontos a essa ideia.
Como resolver o problema ? — as doenças da pobreza
E para prevenir as “doenças de pobres”, que mencionamos acima? Tomemos por exemplo a malária que, como falamos acima, matou mais de 400 mil pessoas em 2018:
O custo de prevenir a morte é muito menor em países de baixa renda. Por exemplo, a GiveWell estima o custo por vida de uma criança salva, por meio de uma distribuição de redes mosquiteiras financiada pela Against Malaria Foundation, em cerca de 3.500 US$ (Give Well 2016). Em contraste, o Serviço Nacional de Saúde Britânico considera custo-efetivo gastar 25.000 US$-37.000 EUR para cada ano de vida saudável a mais. (Fonte). Considerando uma vida média de 60 anos, isso seriam 1,5mi a 2,2mi dólares. Vamos ilustrar isso:
Observe que esse valor extremamente baixo (3500 dólares, cerca de 18 mil reais, menos que o valor de um carro usado) só é possível quando consideramos uma intervenção extremamente custo-eficaz (no caso, a distribuição de redes contra a malária) e organizações altamente eficazes.
Como sabemos da eficácia destas medidas e destas organizações?
Temos certeza desta eficácia pois são avaliadas pela GiveWell, organização que tem promovido uma reviravolta no terceiro setor ao buscar as melhores oportunidades de doação a nível global a partir de criteriosas análises cientificas e de custo-eficácia. Milhares de horas de pesquisa foram realizadas para determinar a eficácia destas organizações.
E o que eu posso fazer para ajudar?
Considere doar para essas que são as organizações mais eficazes no combate a malária, verminoses e outras doenças tropicais negligenciadas. Também é possível hoje doar dinheiro diretamente as pessoas mais pobres do mundo em países como o Quênia e a Uganda via GiveDirectly.
No Brasil, a doebem permite a realização destas transferências diretamente, para maior conveniência. Doe via doebem, via GiveWell ou diretamente para as organizações recomendadas, o importante é ajudar.
Caso prefira ajudar ONGs brasileiras a doebem relaciona também organizações nacionais que conduzem programas de alta eficácia, tal como o Saúde Criança, organização prioritária enquanto durar a crise do COVID-19.
Não se engane com a ideias preconcebidas tal como a de que doação é “coisa de rico”, ou que “tais medidas teriam pouco impacto”. Para aqueles vivendo em extrema pobreza você que está lendo com certeza seria visto como rico. Mesmo recursos modestos podem fazer enorme diferença na vida de uma pessoa. Pouco mais de 20 reais compram um mosquiteiro antimalária. R$150 por mês são suficientes para retirar uma pessoa da pobreza extrema. Se os enormes números que citamos acima fazem com que tudo lhe pareça um desafio grande demais, pense nesta uma única pessoa: uma criança de 5 anos que não adoecerá de malária ou uma mãe que agora terá um rendimento suficiente e garantido para que seus filhos nunca mais passem fome.
Por fim, você ajuda muito mais se, além de doar, divulgar as informações aqui contidas com os demais interessados em ver, de uma vez por todas, a pobreza e as “doenças de pobre” banidas deste planeta.
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Este artigo faz parte da série: “Coronavírus: o que fazer para nunca mais acontecer”.
Autor: Fernando Moreno