Minhas impressões atuais sobre a escolha de carreira para longotermistas

Índice

1. Introdução

Este post resume a forma como penso atualmente sobre as escolhas de carreira para longotermistas. Dediquei bem menos tempo pensando sobre isso do que quanto ao projeto 80.000 Horas, mas acho que é válido ver várias perspectivas sobre esse tópico também.

Editado: veja nos comentários do post original no Fórum do Altruísmo Eficaz (AE) o porquê de eu ter escolhido focar no longotermismo para este post.

Embora os trabalhos que listo se sobreponham muito aos trabalhos que o 80.000 horas lista, eu os organizo e os concebo de maneira diferente. O 80.000 Horas tende a enfatizar “caminhos” para papéis específicos que trabalham em causas específicas; em contraste, eu enfatizo as “aptidões” que podem ser construídas em uma série de papéis e causas (incluindo em organizações não ligadas ao altruísmo eficaz) e, em seguida, aplicadas a uma grande variedade de empregos longotermistas relevantes (geralmente com opções que trabalham em mais de uma causa). Exemplos de aptidões: “ajudar as organizações a atingirem seus objetivos por meio de boas práticas de negócios”, “avaliar argumentos uns contra os outros”, “comunicar ideias já existentes a audiências ainda não abordadas” etc.

(Outro método para escolha de carreira incluem começar com causas (segurança de Inteligência Artificial(IA), risco biológico etc.) ou heurísticas (“Faça um trabalho no qual você pode ser ótimo”, “Faça um trabalho que construa o capital de sua carreira e lhe dê mais opções.»). Costumo achar que as pessoas devem pensar em vários métodos ao fazer escolhas de carreira, uma vez que qualquer método pode conter informações úteis, mas correm o risco de serem muito dogmáticos e específicos para determinados casos).

Para cada aptidão listada, incluo ideias de como explorá-la e dizer se a pessoa está no caminho certo. Algo de que gosto no método baseado em aptidão é que, em geral, é bem fácil ter uma noção do potencial e do progresso em determinada “aptidão”, se a pessoa optar por seguir o método. Isso contrasta com as abordagens baseadas em causas e caminhos, em que a pessoa está sujeita às circunstâncias, tal como haver um emprego disponível naquela determinada causa ou caminho, tornando difícil para muitas pessoas terem uma noção clara de sua adequação para sua causa/caminho que primeiro escolheu e, assim, tornando difícil saber o que fazer em seguida. Esse método (baseado em aptidão) não tornará mais fácil para as pessoas conseguirem os empregos que desejam, mas poderá tornar mais fácil que elas aprendam sobre que tipo de trabalho é ou não é mais adequado a elas.

Tentei listar as aptidões que parecem ter um potencial relativamente alto para contribuir diretamente com os objetivos de longo prazo. Tenho certeza de que eu deveria ter incluído algumas aptidões que não incluí, inclusive aptidões que não parecem muito promissoras de uma perspectiva longotermista atual, mas podem se tornar mais promissoras no futuro.

Em muitos casos, desenvolver uma aptidão já listada não é garantia de conseguir um emprego diretamente focado em objetivos longotermistas. O longtermismo é um ponto de vista bastante jovem no mundo, e há (pelo menos hoje) um número relativamente pequeno de empregos que se encaixam nessa descrição. No entanto, também acredito que, mesmo que uma pessoa nunca consiga um emprego específico ao longotermismo, existem muitas oportunidades de contribuir para os principais objetivos longotermistas, usando qualquer trabalho e aptidões que se tenha. Para concretizar esse ponto de vista, apresento uma visão agnóstica de aptidão (Seção 4 deste texto) para contribuir com o longotermismo.

2. Algumas aptidões relevantes para o longotermismo

2.1. Aptidões de “construção, execução e aumento da organização”

2.1.1. Perfil básico

Ajudar uma organização trazendo habilidades “geralmente úteis” para ela1. Por habilidades “geralmente úteis”, quero dizer habilidades que podem ajudar uma série de organizações a atingir uma grande variedade de objetivos diferentes. Tais habilidades podem incluir:

  • Processos empresariais e gerenciamento de projetos (incluindo definição de objetivos, métricas etc.)
  • Gestão de pessoas e treinamento de gestão (alguns cargos de gestão exigem habilidades especializadas, mas outros requerem apenas as habilidades gerais associadas à gestão)
  • Liderança executiva (estabelecer e garantir o alcance de metas em toda a organização, tomada de decisões de alto nível sobre o orçamento etc.)
  • Recrutamento
  • Captação de recursos e marketing
  • Recursos humanos
  • Gestão administrativa
  • Gestão de eventos
  • Trabalho administrativo e auxiliar
  • Comunicação Corporativa e Relações Públicas
  • Finanças e contabilidade
  • Advogado especializado em direito empresarial

2.1.2. Exemplos

Beth Jones (Diretora de Operações da Open Philanthropy); Max Dalton e Joan Gass no CEA; Malo Bourgon no MIRI. (Eu me concentrei em pessoas em funções executivas e dei apenas um pequeno número de exemplos, mas poderia ter listado uma grande porcentagem de pessoas atualmente trabalhando em organizações focadas no longotermismo, bem como pessoas que trabalham em organizações não explicitamente longotermistas, fazendo trabalho que é importante do ponto de vista longotermista. Em geral, meus exemplos serão ilustrativos e focados em casos relativamente simples/”puros” de alguém que está focada em uma única aptidão; não acho que as pessoas devam fazer alguma leitura quanto a “exclusões”).

2.1.3. Como tentar desenvolver esta aptidão

São muitas especializações diferentes aqui. Cada uma pode ser desenvolvida em praticamente qualquer organização que tenha uma necessidade correspondente.

Em muitos casos, o trabalho em início de carreira em alguma área especializada pode lhe dar exposição para outras. Muitas vezes é possível alternar entre as diferentes especializações e tentar coisas diferentes. (As últimas três especializadas listadas – comunicações, finanças/contabilidade e direito – são provavelmente as que menos oferecem essa flexibilidade).

Sou especialmente favorável a que você ingresse em organizações promissoras, pequenas-mas-em crescimento. Nesse tipo de organização, você geralmente tem a chance de experimentar muitas coisas diferentes e pode-se obter uma boa exposição  a várias facetas de como se pode contribuir para o sucesso de uma organização. Essa pode ser uma maneira especialmente boa de adquirir experiência com gestão de pessoas e de projetos, habilidades que são geralmente aplicáveis e muito procuradas em diferentes organizações. Entrar em uma empresa dessas em qualquer função disponível e, sendo flexível, simplesmente focar em ajudar a empresa a ter sucesso pode ser uma boa experiência de aprendizado e que lhe ajudará tanto na identificação quanto na qualificação de aptidões adequadas.

2.1.4. No caminho certo?

Em um primeiro momento, a resposta para “Quão no caminho você está de desenvolver uma aptidão relevante para o trabalho em longotermismo?” se aproxima razoavelmente da pergunta “Quão forte é o seu desempenho, genericamente falando?”. Aumentos salariais, promoções e avaliações de desempenho são, todos eles, dados importantes aqui. Eu acredito que um dos melhores indicadores de sucesso viria das pessoas com quem você trabalha mais de perto, se elas estão entusiasmadas com você e dariam uma referência positiva sobre seu trabalho – desde que essas pessoas (e a organização em que você trabalha) também sejam, elas próprias, impressionantes.

As pessoas que trabalham com essa aptidão às vezes podem ter sentimentos como “estou tendo um bom desempenho, mas não sinto que estou contribuindo para uma grande missão”. Quando pensamos nesses tipos de aptidões, acho que, nos estágios iniciais da carreira, ter um bom desempenho é mais importante do que estar em uma organização cuja missão você seja muito entusiasmado – supondo aqui que o trabalho seja agradável e “sustentável” (N.R: o autor usa a expressão sustentável algumas vezes no texto, sempre no sentido de se é sustentável para o indivíduo prosseguir naquele emprego, mais próximo do sentido de “condições de apoio para satisfação na carreira” portanto). Posteriormente, quando você tiver uma percepção relativamente estável de suas competências essenciais e não estiver crescendo rapidamente, é bom dar um peso maior à missão.

2.2. Aptidões políticas e burocráticas

2.2.1. Perfil básico

Ser promovido para algum papel de alto nível no governo (ou alguma outra instituição, tal como o Banco Mundial), a partir do qual você pode ajudar a instituição maior a tomar decisões que sejam boas para o futuro do mundo a longo prazo.

Enquanto as aptidões de apoio organizacional (Seção anterior, 2.1) dizem respeito (no longo prazo) principalmente sobre ajudar alguma organização cuja missão você esteja alinhado a atingir seus objetivos existentes, aptidões políticas e burocráticas falam mais sobre usar uma posição de influência (ou uma rede influente) para aumentar a relevância e o peso dos objetivos longotermistas dentro de uma instituição.

Basicamente, qualquer carreira que chegue a uma posição influente em algum governo (incluindo posições executivas, jurídicas e legislativas) pode se qualificar aqui (embora, é claro, algumas sejam mais relevantes do que outras).

2.2.2. Exemplos

Richard Danzig (ex-Secretário da Marinha, autor de Technology Roulette); várias pessoas que estão estudando questões relativas à segurança na Universidade de Georgetown e almejando (ou já se preparando para) cargos no governo.

2.2.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

Primeiramente, você deve ter uma ideia clara de qual instituição (ou conjunto de instituições) poderia ser uma boa opção. Uma possível pergunta a se fazer seria: “Em que instituição eu poderia me imaginar sendo relativamente feliz, produtivo e motivado por um longo período de tempo enquanto ‘jogo de acordo com as regras da instituição’?” Sugiro falar com pessoas em cargos avançados dentro da instituição para ter uma noção o mais detalhada possível de quanto tempo levará para alcançar o tipo de posição que você espera alcançar; como será o seu dia-a-dia até lá; e o que você precisará fazer para alcançar o sucesso.

Depois, você pode tentar praticamente qualquer função dentro desta instituição e se concentrar em ter um bom desempenho de acordo com os padrões da instituição. Outros que galgaram sucesso devem poder dar uma boa orientação sobre esses padrões. Em geral (embora não universalmente), eu entenderia que avançar ao longo de qualquer caminho que a instituição ofereça seja um bom começo, seja ou não esse caminho diretamente relevante para o longotermismo.

Por vezes, a melhor maneira de crescer envolve ir para algum lugar diferente da própria instituição, por um tempo (por exemplo, faculdade de direito, escola de políticas públicas, centros de pesquisa [N.R: no original, think tanks]). As escolas de pós-graduação têm o risco de você passar muito tempo lá sem aprender muito sobre a carreira em si; portanto, às vezes pode fazer mais sentido tentar uma função júnior, ver como é e ter certeza de que a sua graduação valha a pena antes de ir para a pós-graduação.

2.2.4. No caminho certo?

Como um primeiro passo, a resposta para a pergunta “Quanto que você está no caminho certo?” se aproxima razoavelmente da pergunta “Quão rápido e impressionante está sendo o avanço de sua carreira, de acordo com os padrões daquela instituição?” Pessoas com mais experiência (e progresso) na instituição frequentemente serão capazes de ajudá-lo a ter uma ideia clara de como isso está acontecendo (e eu penso que é importante ter relacionamentos bons o suficiente com algumas dessas pessoas para obter opiniões sinceras – isso é um indicador adicional para saber se você está “no caminho certo”). Se você está avançando e se saindo bem de forma geral, as chances parecem razoavelmente boas de que você será capaz de avançar em alguma área relevante para o trabalho na área de longotermismo, dentro daquela instituição, em algum momento.

Acho que uma das principais questões para esse tipo de aptidão é “Isso parece ser suficientemente sustentável?” Esta pergunta é relevante para todas as aptidões, mas especialmente aqui – para papéis políticos e burocráticos, um dos principais determinantes de quanto você progride é simplesmente quanto tempo permanece na instituição e com que consistência atende às expectativas explícitas e implícitas dela.

2.3. Aptidões de “pesquisa conceitual e empírica sobre tópicos centrais de longotermismo”

2.3.1. Perfil básico

Ajudar a chegar a conclusões corretas e substanciais sobre questões pertinentes à ação de altruístas eficazes, tais como:

  • Quais são as causas mais promissoras para se trabalhar? (Isso pode incluir coisas como os argumentos em defesa do longotermismo)
  • Qual seria uma distribuição de probabilidade razoável sobre coisas como (a) quando será desenvolvida uma IA transformadora; (b) qual o tamanho dos vários riscos existenciais?
  • O que podemos aprender com casos históricos sobre as rotas mais promissoras para o crescimento da comunidade de altruísmo eficaz?
  • Quais mudanças de política seriam mais desejáveis para reduzir o risco existencial?
  • Como o dinheiro deve ser alocado entre potenciais beneficiários de uma determinada causa (ou de forma geral)? (E como deve ser alocado ao longo do tempo, ou seja, “doar agora versus doar depois?”)
  • Que tipo de trabalho os altruístas eficazes deveriam ser mais encorajados a buscar?

Discuto esse assunto mais longamente porque o conheço razoavelmente bem. No entanto, acho que é uma das aptidões mais difíceis nas quais obter sucesso no momento, pois tende a exigir níveis muito altos de autodirecionamento.

2.3.2. Exemplos

  • Eliezer Yudkowsky, Nick Bostrom e outros que trabalharam para desenvolver o argumento a favor da priorização do risco existencial e a segurança da IA em especial.
  • A maioria das pessoas em funções de pesquisa na FHI (N.R.: Future of Humanity Institute).
  • A maioria das pessoas em funções de pesquisa na Open Philanthropy (você também pode pensar nos papéis de financiamento de projetos dessa maneira).
  • Pessoas que trabalham para determinar quais devem ser as recomendações e os conselhos relevantes da organização 80.000 Horas (diferente do trabalho sobre como comunicar tais recomendações).

Observe que algumas pessoas nesta categoria fazem principalmente trabalhos conceituais/filosóficos, enquanto outras fazem principalmente trabalhos empíricos; alguns se concentram em gerar novas hipóteses, enquanto outros se concentram em comparar diferentes opções entre si. O tema unificador é focar em chegar a conclusões corretas e importantes, não em comunicar melhor as conclusões a que outros chegaram.

2.3.3. Como tentar desenvolver esta aptidão

Um ponto de partida seria um emprego em uma organização voltada especificamente para o tipo de questão em que você está interessado. Então, se você quiser pesquisar a respeito das  considerações cruciais, pode tentar um emprego na FHI; se quiser trabalhar em questões relativas à doações, pode tentar um emprego na Open Philanthropy.

Acho que outros trabalhos também são promissores para o desenvolvimento de ferramentas, hábitos e métodos importantes:

  • Estudo acadêmico em áreas relevantes para os tipos de questões que você deseja trabalhar. É difícil generalizar aqui, mas para questões conceituais, acho que o estudo em filosofia, matemática, ciência da computação e física teórica são bastante promissores. Para questões mais empíricas, a economia parece mais promissora, uma vez que a fluência com a ciência social quantitativa parece ser importante. (Muitas outras áreas, tais como história e ciência política, também podem ser úteis.).
  • Trabalhos que exigem fazer escolhas fortes e reflexões intelectuais difíceis, de preferência em tópicos que são “macro” e/ou estão relacionados tanto quanto possível às questões nas quais você está interessado. Existem alguns trabalhos como este em finanças do lado comprador do mercado (buy-side) (que tentam prever mercados) e na política (por exemplo, BlueLabs).

Também acho que existem oportunidades para explorar e demonstrar essas aptidões por meio do auto aprendizagem e do trabalho independente – no tempo livre e/ou com bolsas de estudos destinadas a isso (como EA Long-Term Future Fund grants, Research Scholars Program e Apoio à Open Philanthropy para pessoas que trabalham em tópicos relevantes).

Acho que essas aptidões atualmente exigem muita autodireção para se sair bem, não importa onde você as esteja fazendo, então experimentá-las por conta própria parece ser um bom teste (embora, dada a dificuldade, eu sugira um quadro de escolha do tipo “veja se isso é agradável/interessante/útil” ao invés de “trabalhe ativamente por um emprego aqui”).

A fórmula básica que vejo para tentar aptidões para auto aprendizagem é algo como:

  • Escolha uma hipótese ou pergunta relacionada ao altruísmo eficaz e aprofunde-se nela, formando sua própria visão “interna” (uma visão baseada em seu próprio raciocínio e lógica, em vez de um raciocínio baseado no que os outros acreditam).
  • Escreva sua opinião com muita transparência de raciocínio, em algum lugar como o fórum do LessWrong ou o Fórum do AE.
  • Envolva-se na discussão.

Alguns exemplos de abordagens:

  • Revisão profunda e crítica de algum texto e os argumentos sobre tópicos de longotermismo. Pode ser um texto altamente influente, como Resíduos Astronômicos, Sobre a Extrema Importância de Moldar o Futuro Distante, algum capítulo do livro Superinteligência ou O Precipício, vários textos sobre linhas do tempo de IA etc. Ou, para um início mais fácil, pode ser uma postagem recente do Fórum AE, Fórum de Alinhamento de IA, LessWrong ou um blog específico que você acha que fala sobre tópicos interessantes. Explique as partes com as quais você concorda o mais claramente possível e/ou explique uma ou mais de suas principais discordâncias.
  • Escolha alguma pergunta como “Quais são as chances de ocorrer uma catástrofe existencial neste século?” (bem  ampla) ou “Quais são as chances de ocorrer um inverno nuclear neste século?” (mais limitada, provavelmente mais fácil). Escreva seu ponto de vista e considerações atuais sobre isso e/ou sobre alguma subquestão que tenha surgido enquanto você está pensando sobre isso.2
  • Pense em alguma pergunta que tenha sido explicitamente sinalizada como uma “pergunta para investigação extra” (por exemplo, aqui ou aqui). Tente identificar alguma subpergunta sobre a qual você possa lançar alguma luz e escreva o que encontrar.

Também pode ser bom começar com versões um pouco mais concretas e fáceis desse tipo de exercício, tal como:

  • Explicar/criticar argumentos interessantes feitos a respeito de qualquer tópico sobre o qual você pense ser motivador escrever a respeito.
  • Fazer apostas e/ou previsões no PredictIt, GJOpen ou Metaculus e explicar seu raciocínio.
  • Escrever posts sobre fatos.
  • Verificar e explicar e/ou criticar com cuidado as recomendações da GiveWell e as análises de custo-efetividade, ou os documentos da GPI (todos eles estão disponíveis publicamente e tendem a explicar seu raciocínio minuciosamente).
  • Rever a literatura acadêmica sobre qualquer tópico de seu interesse, e então tentar chegar a uma conclusão final, explicando-a (são muitos os exemplos desse tipo de exercício na categoria “mais do que você queria saber” do Slate Star Codex; pesquisar perguntas médicas de interesse pessoal podem ser uma maneira fácil de encontrar esses tópicos).

Em geral, acho que não é necessário ficar obcecado em ser “original” ou ter um novo ponto de vista. Na minha experiência, quando alguém tenta simplesmente escrever detalhadamente seu entendimento atual – mesmo quando esse entendimento é uma história muito “clássica” ou amplamente aceita – geralmente aparecem pontos de confusão e incerteza, e muitas vezes pode-se aprender muito e/ou observar tópicos subvalorizados dessa maneira. Acho que o ideal é escrever sobre tópicos subvalorizados quando ninguém os tem em mente, mas também valorizo muito explicações diretas e detalhadas e avaliações críticas de argumentos existentes.

2.3.4. No caminho certo?

Alguns exemplos de marcos importantes que você pode ter por meta, ao desenvolver esses tipos de aptidões:

  • Você está tendo sucesso em dedicar tempo a essas questões e criando conteúdo a respeito. (Imagino que este seja o marco mais difícil de ser alcançado para muitas pessoas – pode ser difícil simplesmente manter a motivação e a produtividade, dado o quão autodirigido esse trabalho geralmente precisa ser.)
  • No seu entendimento, você sente que fez e explicou vários pontos novos, válidos e muito importantes (ainda que não necessariamente revolucionários) sobre tópicos cruciais do longotermismo.
  • Você recebeu feedback suficiente (votos de aprovação nos Fóruns, comentários, comunicação pessoal) para sentir que pelo menos várias outras pessoas (cuja opinião você respeita e que dedicam muito tempo a esses tópicos) concordam.
  • Você está fazendo conexões significativas com outras pessoas interessadas nesses tópicos – conexões que provavelmente levarão a mais financiamento e/ou oportunidades de emprego. Elas poderão vir das organizações mais dedicadas aos tópicos de seu interesse.  Também pode haver uma dinâmica de “dissidência”, na qual algumas organizações parecerão desinteressadas e/ou defensivas enquanto outras irão lhe notar e oferecer ajuda.

Minha impressão/palpite muito aproximado é que, para as pessoas que se encaixam perfeitamente nessa aptidão, um ano de esforço independente em tempo integral deve ser suficiente para alcançar esses marcos, e que 2 a 3 anos de esforço independente de 20% do tempo (p. ex., um dia por semana) também deverá ser suficiente3. (Para esse tipo de função, acho que há muito “processamento em segundo plano” importante de ideias, então eu esperaria que um ano com 20% do tempo dedicado seja mais produtivo que 1/5 de um ano de tempo integral).Em geral, penso que este “relógio” deve começar a tocar assim que você estiver reservando seu tempo e formando sua intenção de tentar este trabalho (eu não esperaria até que você tivesse investido tempo com sucesso nisso, já que esta é uma das coisas mais desafiadoras sobre esse trabalho, como mencionado acima).

Comparar com “caminhos” de pesquisa. Em vez de tentar trabalhar em um tópico específico, como governança de IA ou priorização de causas, sugiro começar com qualquer tópico sobre o qual você tenha energia e interesse para escrever. Acho que alguém que obtém sucesso pelos critérios acima tem uma boa chance de construir uma carreira em torno da pesquisa sobre algum tópico semelhante. Por causa disso, deve ser possível experimentar/explorar essa aptidão sem precisar de uma oferta de emprego específica, em uma área específica (embora, novamente, eu ache que a taxa de sucesso aqui geralmente será baixa).

2.4. Aptidões de “comunicador”

2.4.1. Perfil básico

Ajudar a transmitir mensagens e ideias importantes e substancialmente bem fundamentadas para públicos específicos. O público pode ser muito amplo (p. ex., escrever para a imprensa) ou mais especializado (p. ex., escrever para formuladores de políticas sobre questões específicas). Alguns exemplos de mensagem podem ser sobre a importância dos riscos catastróficos globais, o desafio do alinhamento da IA, o perigo de programas estatais secretos de armas biológicas, a estrutura geral do altruísmo eficaz e muito mais.

2.4.2. Exemplos

  • Kelsey Piper e outros jornalistas trabalhando no Future Perfect.
  • Autores de livros de divulgação em massa, tais como The Alignment Problem.
  • Pessoas que fazem mídia social e/ou podcasts, p.ex. Julia Galef e Rob Wiblin.
  • Pessoas que trabalham em centros de pesquisa (N.R: no original, think tanks), cujo principal objetivo é transmitir ideias-chave em termos que sejam atraentes para a audiência específica de formuladores de políticas públicas.

2.4.3. Como tentar desenvolver esta aptidão

Primeiramente, você precisa ter alguma ideia do tipo de público-alvo com o qual gostaria de se comunicar. Uma possível pergunta a se fazer seria: “Qual é o tipo de pessoa que entendo e com a qual me comunico, de um modo melhor do que a maioria dos AEs/longotermistas se comunicam?

Em seguida, você pode tentar conseguir qualquer trabalho que envolva a comunicação com esse público e então obter feedback constante – independentemente de a comunicação ser sobre tópicos de AE/longtermismo. A principal aptidão que está sendo construída é a capacidade geral de se comunicar com o público (embora a compreensão dos tópicos de AE/longtermistas também seja importante em algum momento). Portanto, se você estiver interessado em se comunicar com públicos bem gerais/amplos, a maioria dos empregos em jornalismo e muitos em relações públicas e comunicações corporativas se qualificariam.

Também acho que existem muitas oportunidades de desenvolver esse tipo de aptidão por meio do trabalho independente, tal como blogar, tuitar, fazer um podcast etc. Espero que algumas das pessoas com maior potencial como comunicadoras sejam aquelas que acham relativamente fácil criar grandes quantidades de conteúdo e se conectar com seu público-alvo de forma natural. (Embora eu aconselhe qualquer pessoa que faça trabalho público independente a tomar algumas medidas para evitar publicar algo involuntariamente ofensivo, pois isso pode afetar suas perspectivas de carreira por um longo tempo, mesmo que a ofensa seja resultado de um mal-entendido).

2.4.4. No caminho certo?

Como primeiro passo, a resposta para “Você está no caminho certo para desenvolver uma aptidão de ‘comunicador’ relevante para o longotermismo?” parece razoavelmente próxima da resposta para “Em geral, quão bem-sucedido você está, para os padrões da carreira (focada em comunicações) em que você está?” Quanto mais bem-sucedido, melhor posicionado  você provavelmente estará para encontrar maneiras de comunicar, em algum momento , importantes ideias longotermistas para seu público-alvo.

Ter seguidores por meio da criação de conteúdo independente também seria um sinal claramente promissor.

Em ambos os casos, parece realista conseguir, em 2 ou 3 anos, uma boa leitura de como você está se saindo.

2.5. Aptidões de “Empreendedor”

2.5.1. Perfil básico

Fundar, construir e (pelo menos por algum tempo) administrar uma organização que trabalhe com algum objetivo longotermista4. Algumas pessoas fundam organizações principalmente como uma forma de ter independência para suas pesquisas ou outros trabalhos.  Em vez disso, aqui estou imaginando alguém que tenha o objetivo explícito de investir em contratação, gestão, definição de cultura e visão etc., de uma organização, tendo por objetivo construí-la de tal modo que ela possa continuar a funcionar bem se um dia o fundador resolver sair dela.

(Nem todas as organizações são fundadas por alguém explicitamente focado dessa maneira; às vezes, uma organização é fundada por uma pessoa, mas muito do trabalho do “empreendedor” acaba sendo feito por pessoas que chegam depois e assumem o cargo de alto executivo).

2.5.2. Exemplos

Alguns exemplos bastante claros (com a organização que foi fundada entre parênteses, independentemente de a pessoa ainda estar lá) seriam Ben Todd (80.000 Hours); Jason Matheny (CSET); Elie Hassenfeld e eu (GiveWell). Muitas outras organizações longotermistas tiveram muita rotatividade inicial nos cargos mais altos (deixando um tanto incerto quem fez a maior parte do trabalho “empreendedor”) e/ou são centros acadêmicos em vez de organizações tradicionais.

2.5.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

O empreendedorismo tende a exigir mais tarefas do que se pode realmente aprender a fazer “da maneira certa”. Baseia-se fundamentalmente na capacidade e na vontade de lidar com muitas coisas “apenas o suficiente” (geralmente com muito pouco treinamento ou orientação) e concentrar a energia nas poucas coisas que valem a pena fazer “razoavelmente bem”.

Com isso em mente, em geral penso que a pessoa mais adequada para fundar uma organização é aquela que tem uma convicção tão forte de que a organização deve existir (e pode ter sucesso) que dificilmente conseguiria se imaginar trabalhando em qualquer outra coisa. Este é o tipo de pessoa que tende a ter uma ideia muito clara do que está tentando fazer e como fazer os trade-offs apontados acima, e que está disposta e se sente capaz de trabalhar sem receber muita orientação.

Portanto, meu enfoque geral ao empreendedorismo seria: se não houver uma organização que você tenha um desejo ardente de criar (ou pelo menos uma forte visão), provavelmente não é hora de ser empreendedor. Em vez disso, pode fazer mais sentido tentar um emprego no qual você aprenda mais sobre aquilo que tem interesse, se torne mais consciente de como as organizações funcionam etc. – isso pode levar à identificação de alguma “lacuna no mercado” que você deseja preencher.

Eu acho que se você tem alguma ideia para uma organização que acha que pode ter sucesso, e que ficaria extremamente animado em tentar criar, dar uma chance à ideia pode ser uma ótima experiência de aprendizado e uma maneira de construir uma aptidão geral de “empreendedor”. (Editei o post original para adicionar: e potencialmente tendo impacto de outras maneiras, tal como via filantropia – veja a discussão na seção de comentários dentro do post original, publicado no Fórum do AE) Isso é verdadeiro mesmo que a organização que se tenha em mente não faça um trabalho focado no longotermismo (por exemplo, se for uma startup de tecnologia convencional). Embora seja importante ter em mente que pode levar muito tempo (vários anos, às vezes mais de 10) para formar uma organização bem-sucedida ao ponto de que alguém possa se afastar da organização de modo responsável e passar a se dedicar a outra coisa.

2.5.4. No caminho certo?

Nos primeiros dois anos, acho que a pessoa está se saindo razoavelmente bem se a organização está em uma posição financeira aceitável, não teve nenhum desastre óbvio e conseguiu atrair talentos. Ir além disso tende a ser uma grande decisão sobre o desempenho de uma organização.

2.6. Aptidões de “construção de comunidade”

2.6.1. Perfil básico

Reunir pessoas com interesses e objetivos comuns, de modo que formem um compromisso mais forte para com esses interesses e objetivos, e que obtenham mais oportunidades e melhores conexões para poderem perseguir tais interesses. Isso pode ocorrer por meio de networking direto (conhecer muitas pessoas e apresentá-las umas às outras); encontros e eventos; recrutamento explícito;5 etc. Recomendar recursos a novas pessoas e ajudá-las a aprender mais também é um componente importante.

2.6.2. Exemplos

Pessoas que organizam grupos de AE locais ou universitários, organização de encontros EAGx etc., assim como muitas das pessoas que trabalham no Centre for Effective Altruism (Centro para o Altruísmo Eficaz).

2.6.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

Provavelmente existe alguma comunidade da qual você faça parte, ou um grupo de pessoas que conheça, com quem pode começar a trabalhar imediatamente desta forma: fazendo networking e apresentações; organizando encontros e outros eventos etc. Isso pode ser feito inicialmente em seu tempo livre. Se você começar a construir uma mini comunidade próspera, sugiro procurar financiamento para fazer a transição para o trabalho em tempo integral e verificar se pode expandir a população com a qual está trabalhando.

2.6.4. No caminho certo?

Acho um pouco mais difícil articular quais as condições para saber que se está “no caminho certo” para essa aptidão do que para a maioria das outras neste artigo, mas vejamos algumas possibilidades:

  • Usando como um exemplo concreto a realização de encontros presenciais: Acho que a pessoa está indo bem se, dentro de 1 a 3 anos (seja em período integral ou meio período), ela teve uma participação importante na organização de um conjunto de pessoas que interagem constantemente; tem um bom número de pessoas altamente engajadas e que aparecem por lá frequentemente, e tem algumas pessoas que ela acha que provavelmente dedicarão grande parte de suas carreiras ao impacto longotermista e provavelmente terão sucesso nisso. (É difícil trazer números específicos, pois as comunidades variam bastante, mas dezenas de participantes regulares e um punhado de pessoas altamente promissoras são mais ou menos o que tenho em mente).
  • Outras versões de construção de comunidade podem parecer menos com “organizar uma comunidade de altruístas eficazes que se reúnem com regularidade” e mais com “criar eventos que fazem com que novas conexões aconteçam”. Acho que se pode ver quem está “endossando” seus eventos por meio da presença (especialmente presença recorrente) e/ou por meio de recomendações a outras pessoas, para ter uma noção de como a pessoa está se saindo.
  • Uma declaração um pouco mais generalizada de como é estar “no caminho certo”: você está fornecendo um espaço e/ou serviço (seja um serviço para networking, espaço social, espaço de discussão etc.) que um número razoável de pessoas valoriza e recomenda a outros; você tem um forte senso de qual é o seu público-alvo e o valor que as pessoas estão obtendo desse espaço; e algumas pessoas bastante promissoras estão fazendo uso intensivo do que você está fornecendo.

2.7. Aptidões de engenharia de software

2.7.1. Perfil básico

Acho que a engenharia de software pode ser útil para objetivos longotermistas de várias maneiras:

  • Os laboratórios de IA (principalmente na indústria, mas às vezes na academia) demandam engenheiros de software e podem estar em crescimento.
    • Em alguns casos, os engenheiros que trabalham diretamente na pesquisa de alinhamento de IA; Anthropic, DeepMind, MIRI e OpenAIF exercem tais papéis.
    • Em outros casos, eles podem trabalhar na construção de sistemas de IA grandes e competentes (p. ex., AlphaStar e GPT3) que podem ser analisados e caracterizados. Se o laboratório em que eles estão trabalhando está comprometido em reduzir o risco de IA mais do que com outros objetivos e, portanto, é cauteloso ao divulgar e implantar esses sistemas enquanto investe pesadamente em analisá-los e usá-los para ajudar na pesquisa de alinhamento, isso pode (pelo menos possivelmente) ser bom para objetivos longotermistas.
  • A engenharia de software também pode ser útil em qualquer organização que faça análises pesadas, o que pode incluir aquelas que trabalham em áreas políticas e possivelmente em biossegurança e preparação para pandemias (atualmente não conheço nenhum exemplo dessa última, mas acho que é bem provável que haja alguma no futuro).
  • A engenharia de software também tende a pagar bem, principalmente para pessoas que se juntam a startups de sucesso desde o início. (Também é provavelmente um histórico útil para quem deseja iniciar uma empresa de tecnologia). Portanto, pode ser bom para aspirantes a filantropos.

2.7.2. Exemplos

Catherine Olsson e Tom Brown fizeram engenharia de software na OpenAI, Google Brain e Anthropic.

2.7.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

A engenharia de software é uma carreira relativamente bem estabelecida. Pode-se começar com algo como a App Academy ou Lambda School. (Por exemplo, para cargos em DeepMind e OpenAI especificamente, pode ser necessário estar entre as primeiras centenas de pessoas nesses programas). Praticamente qualquer trabalho de engenharia de software é uma boa maneira de desenvolver essa aptidão; quanto mais talentosos forem os colegas, melhor.

2.7.4. No caminho certo?

Consulte a seção “No caminho certo” da Seção 2.1.

2.8. Aptidões de segurança da informação

(Neste caso, não há tanta diferença entre uma “aptidão” e um “caminho”. O mesmo se aplica à próxima seção também).

2.8.1. Perfil básico

trabalhar para manter as informações protegidas contra acesso (ou modificação) não autorizado. Tais habilidades podem incluir:

  • Pesquisa sobre questões teóricas e de ponta em segurança da informação – quais ataques poderiam ser realizados, como poderiam ser teoricamente defendidos etc.
  • Trabalhar em uma empresa, ajudando-a: (a) definir seus objetivos e necessidades de segurança da informação; (b) definir os tipos de soluções possíveis; (c) implementar e dar suporte às soluções para que as informações permaneçam seguras na prática.

Este post de Claire Zabel e Luke Muehlhauser afirma:

“A experiência em segurança da informação (infosec) pode ser essencial para lidar com riscos catastróficos relacionados à IA e à biossegurança… De forma mais geral, a experiência em segurança pode ser útil para aqueles que tentam reduzir [os riscos catastróficos globais], porque esse trabalho às vezes está relacionado ao envolvimento com informações que, se mal utilizadas, podem provocar danos… É mais provável que dentro de 10 anos, dezenas de cargos estejam focados nos riscos catastróficos globais na segurança da informação, e algumas organizações já estejam procurando candidatos que atendam às suas necessidades (e os contratariam agora, se os encontrassem)… Se as pessoas que tentarem isso não conseguirem um emprego específico na área mas vierem a adquirir as habilidades relevantes, elas ainda podem chegar à uma carreira altamente lucrativa na qual seu conjunto de habilidades estaria em alta demanda.”

Concordo com esses pontos de forma geral.

2.8.2. Exemplos

Infelizmente, não existem muitos altruístas eficazes com carreiras de topo em segurança da informação até o momento, até onde eu sei.

2.8.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

Trabalhar com segurança da informação em qualquer empresa – ou trabalhar em qualquer área de pesquisa em segurança da informação – pode ser uma boa maneira de desenvolver essa aptidão. Imagino que os melhores empregos sejam aqueles em grandes empresas de tecnologia para as quais a segurança é crucial: Amazon, Apple, Microsoft, Facebook e (principalmente) Google.

2.8.4. No caminho certo?

Consulte a seção já abordada “No caminho certo” de 2.1 (Aptidões de Construção, Execução e aumento da organização).

2.9. Academia

2.9.1. Perfil básico

Seguir uma carreira acadêmica provavelmente significa escolher uma área de estudo relativamente cedo, obter um Ph.D., continuar ocupando cargos acadêmicos, tentar ter um histórico impressionante de publicações e, em última análise, provavelmente almejar uma posição como professor efetivo (embora existam alguns outros empregos que recrutem profissionais de perfil acadêmico). A carreira acadêmica é bastante independente, então este é um caso em que não há muita diferença entre uma “aptidão” e um “caminho” conforme definido na introdução deste post.

Ser um acadêmico pode ser útil para objetivos longotermistas de algumas maneiras:

  • Pode-se fazer pesquisas que se relacionem fortemente com as principais questões longotermistas, o que faria com que essa aptidão se sobrepusesse às aptidões da Seção 2.3.
  • É possível ter oportunidades para aumentar o perfil de importantes ideias longotermistas em sua área. Pode-se pensar nisso como uma espécie de papel especializado de “comunicador” (Seção 2.4). (O  Global Priorities Institute (Instituto de Prioridades Globais) geralmente visa uma combinação deste ponto com o anterior).
  • Pode-se ter oportunidades de aconselhar os formuladores de políticas e o público geral, como especialista.
  • Pode-se ter oportunidade de ajudar a apresentar aos seus alunos importantes ideias longotermistas, inclusive ministrando cursos sobre altruísmo eficaz e longotermismo (por exemplo). (Como uma observação extra, acho que também pode haver muito impacto potencial em ser um professor no ensino médio que procura oportunidades para apresentar aos alunos ideias importantes sobre altruísmo eficaz e longotermismo).
  • Além disso, algumas áreas acadêmicas abrem as portas para funções não acadêmicas que são potencialmente de alto impacto. A IA talvez seja o melhor exemplo: estudar IA e obter conquistas impressionantes no início da carreira (mesmo antes de ter um doutorado) pode ser uma boa maneira de chegar a uma posição de “cientista” em um laboratório privado de IA. A economia também pode levar a importantes oportunidades não acadêmicas, inclusive na formulação de políticas.

Muitas áreas acadêmicas podem levar a esse tipo de oportunidade. Algumas que parecem bastante prováveis de serem relevantes para os longotermistas incluem:

  • IA
  • Biologia, epidemiologia, saúde pública e outras áreas relevantes para biorriscos
  • Ciência Climática
  • Economia e filosofia são as duas áreas prioritárias do Global Priorities Institute

2.9.2. Exemplos

Hilary Greaves no Global Priorities Institute; Stuart Russell no Center for Human-Compatible AI; Kevin Esvelt.

2.9.3. Como tentar desenvolver essa aptidão

O percurso acadêmico é muito bem definido. As pessoas que adentram esse caminho geralmente têm oportunidades muito boas de serem aconselhadas por pessoas da área, seja sobre como avançar nela ou como saber se estão avançando.

Em geral, encorajo as pessoas a darem grande importância a obtenção de sucesso de acordo com os padrões tradicionais – tanto ao escolher uma área quanto a escolher tópicos e projetos dentro dela – em vez de tentar otimizar demais para produzir trabalhos diretamente relevantes para metas longotermistas no início de suas carreiras.

2.9.4. No caminho certo?

Minha resposta aqui é basicamente a mesma que aquela para aptidões políticas e burocráticas (Seção 2.2.4).

2.10. Outras aptidões

É quase certo que existem aptidões com muito potencial para contribuir diretamente com objetivos longotermistas, que simplesmente não pensei em listar aqui.

3. Aptidões híbridas

Às vezes as pessoas têm duas (ou mais) das aptidões listadas acima, e podem desempenhar funções que outras não podem. Por exemplo, talvez a pessoa seja um engenheiro de software muito bom e um gerente de projetos/pessoas também muito bom, o que permite que contribua mais como gerente de engenharia de software do que como engenheiro de software ou como um gerente não técnico. Na comunidade de altruísmo eficaz, “pesquisa conceitual e empírica” costuma andar de mãos dadas com “comunicador” (tal como Nick Bostrom escrevendo Superinteligência).

Acho bom estar aberto para construir aptidões híbridas, mas também é bom ter em mente que a especialização é algo poderoso. Acho que a maneira ideal de buscar uma aptidão híbrida é começar com uma aptidão e depois perceber uma oportunidade de desenvolver outra que a complemente e melhore suas opções de carreira. Eu não recomendo seguir várias aptidões ao mesmo tempo no início da carreira.

4. Visão agnóstica de aptidões: fortalecimento geral do longotermismo

Acho que qualquer uma das aptidões acima pode levar a oportunidades de trabalhar diretamente em objetivos longotermistas – em um laboratório de IA, organização de AE, instituição política etc. E acho que provavelmente existem muitas outras aptidões que também poderiam.

Entretanto, algumas pessoas se sentirão mais adequadas para uma aptidão que não leva a tais oportunidades. E algumas pessoas desenvolverão uma das aptidões acima, mas ainda assim não terão tais oportunidades.

Acho que essas pessoas também têm grandes oportunidades de contribuir para objetivos longotermistas, muito além de tão somente “ganhar para doar” (embora ganhar para doar esteja incluído nelas). Elas têm oportunidades de fazer coisas para fortalecer o longotermismo em geral. Coisas que penso estarem nesta categoria incluem:

  • Espalhar ideias longotermistas em redes pessoais. Não acho que as pessoas devam promover o longotermismo agressivamente ou de maneira que possa irritar seus amigos. Mas acho que as pessoas conectadas e respeitadas terão oportunidades naturais de entusiasmar outras pessoas com ideias importantes e que normalmente não estariam abertas a elas. (E o sucesso em qualquer carreira provavelmente levará a redes pessoais cheias de outras pessoas de sucesso). As pessoas que são boas nisso também podem se tornar especialistas em como se comunicar sobre o longotermismo com um certo tipo de pessoa.
  • Aparecer em (e/ou criar e hospedar) espaços altruístas eficazes e duradouros, como encontros locais, Encontros do AE Globais, jantares e festas, palestras etc. É possível aumentar a qualidade desses eventos tanto com sua presença quanto com seu feedback (observando aquilo que estiver abaixo do ideal nestes eventos eles e então falar a respeito). Não acho que as pessoas devam obrigatoriamente comparecer a esses eventos apenas para benefício pessoal – há muito a ser feito ao torná-los melhores, de modo que as novas pessoas que os frequentem imediatamente tenham boas experiências e encontrem pessoas que respeitem e com quem possam aprender. E hospedar/criar eventos nesse sentido pode ser uma boa ideia.
  • Ser um modelo. Você pode almejar ser tanto um profissional longotermista profundamente informado, comprometido e expressivo, quanto uma pessoa em quem os não longotermistas tem em alta consideração e ficaram felizes em conhecer. Acho que pessoas que são exemplos a serem seguidos são importantes e impactantes, e podem fazer uma diferença real em qualquer comunidade em que estejam.
  • Ser um “cliente” expressivo das comunidades altruístas e longotermistas eficazes. Valorizo as pessoas que dizem: “Não me sinto bem-vindo na comunidade porque ___” ou “Tenho dificuldade em me envolver com pessoas longotermistas porque __” ou “Realmente valorizo eventos como __ e gostaria que houvesse mais”. Pessoas com perspectivas diferentes podem notar coisas diferentes nesse sentido e ajudar a tornar a comunidade longotermista melhor, de modo a reter outras pessoas como elas.
  • A criação das crianças. Acho um pouco estranho mencionar isso, e minha intenção certamente não é dizer a ninguém que ela “deva” ter filhos. Mas acredito que educar os filhos dá muito trabalho e provavelmente torna o futuro a longo prazo melhor em termos de expectativa, então também seria estranho não mencionar isso. Desde já, acho que os longotermistas com filhos também aumentam significativamente a demanda para que a comunidade longotermista se torne mais amigável para pais e filhos. Isso parece uma coisa boa (e não menor) para o longotermismo e para os longotermistas.
  • Doar. Listei isso ao final porque acho que “ganhar para doar” provavelmente já foi enfatizado demais no movimento, quando comparado aos itens anteriores. Mas acho que há muito impacto potencial aqui.
    • Atualmente, não há um lugar “óbvio” e arbitrariamente escalável para os longotermistas doarem, como ocorre com as principais organizações recomendadas pela GiveWell. Mas se alguém não tem doações específicas que esteja motivado a fazer, acho que faz sentido simplesmente economizar/investir – de preferência seguindo as melhores práticas de investimento, conforme os valores longotermistas (p. ex., considerando a relação ideal entre risco e dinheiro investido, destinado a beneficiar aos demais nos horizontes de longo prazo ou tendo em vista como reduzir os impostos sobre o dinheiro destinado à doações – espero que haja artigos sobre esse tipo de coisa disponíveis no futuro). Existem debates sobre se isso realmente é melhor do que doar hoje mesmo, mas acho que isso seja pelo menos algo competitivo.
    • Loterias de doadores (N.R: definição) também parecem ser uma opção bem sólida.
    • Qualquer um desses meios significa que você não precisa se preocupar anualmente em otimizar suas doações. Eu penso que isso seja algo bom, porque acho que tempo e energia podem ser mais bem utilizados buscando seu sucesso como profissional e como pessoa, e contribuindo para tudo que listei acima.
  • Estar preparado para fazer um trabalho direto de longotermismo se surgir uma necessidade/oportunidade. É difícil prever o futuro, e muitas pessoas que não veem nenhum caminho para o trabalho longotermista direto agora podem acabar com uma grande oportunidade no futuro.
    • Uma mudança de emprego no final da carreira pode ser algo difícil: pode envolver uma grande redução no salário e outros aspectos de status, reconhecimento, admiração e conforto. Qualquer pessoa que tenha se disposto a estar verdadeiramente aberta a uma mudança de emprego no final da carreira conseguiu (só por esse fato) algo impressionante e importante. Acho que suas chances de conseguir fazer isso são maiores se você tiver “reservas” significativas em termos de saúde física e mental (e financeira).
    • Acho que qualquer um que tenha sucesso no que faz e desenvolva aptidões que poucos podem igualar, enquanto está realmente preparado para mudar de emprego se a oportunidade certa aparecer, tem – em certo sentido – um impacto longotermista bastante alto (no longo prazo) via trabalho direto independente. Esse impacto esperado geralmente será maior do que o impacto esperado de alguém que está em uma carreira longotermista aparentemente de alta prioridade, mas não tem necessariamente um desempenho excelente, sustentável ou flexível.

Qualquer um que seja bem-sucedido em muitas das coisas acima – independentemente de qual seja seu trabalho – exerce um grande impacto longotermista. Acho que ser bem-sucedido e estar satisfeito em qualquer trabalho que se tenha provavelmente ajuda em todas essas frentes.

5. Como escolher uma aptidão

Imagino que algumas pessoas querem saber qual dessas aptidões tem o “maior impacto”.

Minha principal opinião sobre isso é que a variação dentro das aptidões provavelmente na maior parte das vezes sobrecarrega a variação entre elas. Qualquer um que seja um talento excepcional e único em qualquer uma das aptidões que listei provavelmente terá um enorme impacto esperado. Qualquer pessoa bem-sucedida e de alto desempenho provavelmente terá um impacto esperado muito alto.  Qualquer pessoa que mal consegue se manter no trabalho provavelmente está tendo menos impacto do que as duas primeiras categorias, mesmo que esteja em uma função teoricamente de alto impacto.

Também acredito que ter sucesso em construir uma aptidão – a ponto de ser “profissionalmente procurado” – geralmente requer mantê-la e dedicar muito tempo por muito tempo nela. Por isso, acho que as pessoas têm mais chances de sucesso quando gostam de seu trabalho e prosperam em seu ambiente de trabalho, e devem se dedicar a isso ao considerar que tipos de aptidões desejam desenvolver. (Acho que isso é especialmente verdadeiro no início da carreira.)6

Com esses pontos em mente, sugiro algumas regras práticas que acho que valem a pena enfatizar:

  1. “Minimize N, onde N é o número de pessoas que são mais procuradas por essa aptidão do que você.” Uma maneira mais informal de colocar isso é “Faça aquilo em que você terá sucesso”.
  2. “Leve suas intuições e sentimentos a sério.” Muitas pessoas saberão instintivamente que tipos de aptidões desejam tentar seguir. Acho que seguir seus instintos geralmente é uma boa ideia e não deve ser substituído por estimativas de impacto. (Isso não significa que eu ache que os instintos geralmente estejam “corretos”. Acho que a maioria das boas carreiras envolve muita experimentação, aprender que algum tipo de trabalho não é o que imaginamos e mudar de rumo. Acho que as pessoas aprendem com mais eficácia quando seguem sua curiosidade e entusiasmo. Isso não significa que essa curiosidade e entusiasmo estejam apontando para o destino final ideal).

Acredito que algumas distinções devem ser feitas, em termos de um impacto ser maior para determinado nível de sucesso em uma aptidão do que em outra. Mas quaisquer suposições que eu faça nesse momento seriam bastante loucas, bastante sensíveis aos meus pontos de vista atuais sobre priorização de causas, bem como ao estado atual do mundo (que pode mudar rapidamente). Acho que existe potencial para um enorme impacto longotermista esperado em qualquer uma das aptidões citadas – ou apenas, como vimos, por meio do fortalecimento do longotermismo que seja agnóstico de aptidão (Seção 4).

6. Algumas considerações finais sobre conselhos

Ao longo deste artigo, compartilhei várias impressões sobre como desenvolver uma aptidão, como saber se você está no caminho certo e alguns pensamentos gerais sobre quais regras práticas podem ajudá-lo a ter sucesso e causar impacto.

Fiz isso porque acho que me ajudou a tentar transmitir uma estrutura/atitude geral para a escolha de carreira que considero valer a pena e pode ajudar a complementar outras estruturas usadas pelos longotermistas.

Mas, em geral, fico reticente em dar conselhos sobre carreira a alguém, mesmo a pessoas que conheço bem, porque a escolha de carreira é um assunto muito pessoal e é muito fácil um conselheiro ignorar coisas importantes sobre a personalidade, a situação etc. de alguém. Fico ainda mais ansioso em dar conselhos na internet, que pessoas em muitas situações diferentes e sobre as quais sei muito pouco podem ler.

Portanto, concluo este artigo desencorajando as pessoas a “aceitarem conselhos”, no sentido de tomar uma decisão radicalmente diferente do que fariam por causa de sua interpretação do que uma pessoa específica pensa que você deveria fazer. Espero que este artigo seja útil para inspirá-lo, para estimular a discussão e levantar alguns pontos que você poderá ponderar quanto aos méritos e se se aplicam a sua opinião pessoal. Com sorte, esse artigo não será considerado com sendo algum tipo de instrução ou preferência sobre uma escolha específica ou um conjunto de escolhas.

Também inseri um link para esta página que contém uma série de “conselhos anti-conselhos”, incluindo citações minhas aqui (“Uma carreira é uma coisa muito pessoal”), aqui (“Quando você é ótimo em seu trabalho, nenhum conselho é muito útil”), e aqui (“Não dê ouvidos demais aos conselhos de ninguém”).


Esta obra é licenciada pela Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional

1. Parte do conteúdo desta seção se sobrepõe ao conteúdo de 80.000 Horas sobre como trabalhar em organizações altruístas eficazes, principalmente no que diz respeito a como alguém pode se preparar para uma função em tais organizações. Entretanto, esta seção exclui funções baseadas em pesquisa e outras funções “idiossincráticas” em tais organizações. Ela trata de empregos baseados em habilidades “geralmente úteis” que também podem ser usadas em muitas organizações altruístas não eficazes (algumas delas oferecem a oportunidade de provocar um impacto longotermista, apesar de não serem explicitamente altruístas eficazes). Em outras palavras, esta seção adota um quadro de “desenvolvimento de aptidões que podem ser úteis para ajudar muitas organizações, incluindo as não altruístas eficazes a fazer um trabalho importante” em vez de “ir para uma organização altruísta não eficaz para desenvolver habilidades para uma organização altruísta eficaz.”

2. Espero que a maioria das pesquisas desse tipo se “expanda”, começando com uma pergunta aparentemente direta (“Quais são as chances de um inverno nuclear neste século?”) que acaba se baseando em muitas subperguntas difíceis (“Quais são as chances de haver uma guerra nuclear? Quanta matéria particulada uma bomba nuclear comum lança no ar? Existem armas nucleares maiores que podem ser implantadas e qual é o tamanho delas?”) Pode ser muito difícil manter o foco em uma questão ampla, lidar com as subquestões de forma pragmática e dar uma profundidade sensata a cada uma. Mas permitir-se mudar para responder a uma subpergunta cada vez mais especializada pode tornar o trabalho mais fácil.

3. Isso leva em consideração o fato de que pode ser muito difícil dedicar muitas horas a esse tipo de trabalho. Espero que mesmo as pessoas que se encaixam perfeitamente nisso se empenhem em manter o foco e dediquem menos tempo do que pretendiam. No entanto, espero que essas pessoas alcancem mais ou menos o tipo de progresso que descrevi nos períodos do calendário discutidos.

4. Esta seção se assemelha à discussão de 80.000 horas sobre “empreendedor sem fins lucrativos”, sendo a principal diferença a minha ênfase de que a experiência de empreendedorismo com uma organização altruísta não eficaz (incluindo aquelas com fins lucrativos) pode ser útil.

5. Por exemplo, “organização online” – pedir às pessoas que tomem atitudes relativamente pequenas em assuntos imediatos e atraentes, que resulte em um maior engajamento e alcance em tópicos mais amplos.

6. Veja também meus comentários aqui (em “Não focar em se tornar realmente bom em algo”), que foram feitos anonimamente, mas que agora estou divulgando.


Autor: Holden Karnofsky

Publicado originalmente 4 de junho de 2021 aqui.

Tradução: Satia Marini

Revisão: Fernando Moreno.

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