De Benjamin Todd
Recomendamos que antes assista a este vídeo:
Se você quer fazer a diferença com sua carreira, um ponto de partida é perguntar quais problemas globais mais precisam de atenção. Você deveria trabalhar em educação, mudanças climáticas, pobreza ou alguma outra coisa?
O conselho-padrão é fazer o que mais lhe interessa, e a maioria das pessoas parece acabar trabalhando no primeiro problema social que lhes chame a atenção.
É exatamente o que nosso cofundador, Ben, fez. Aos 19 anos, o que mais lhe interessava era o problema das mudanças climáticas. Aqui está ele em um comício, muito fotogênico:
No entanto, seu foco nas mudanças climáticas não foi o resultado de uma comparação cuidadosa dos prós e contras de trabalhar em diferentes áreas. Em vez disso, como ele próprio admite, ele tinha lido sobre o assunto e o achou interessante porque era ciência e ele era nerd.
O problema com essa abordagem é que você pode se deparar com uma área que não é tão grande ou importante, ou na qual não é tão fácil fazer progresso. Também é muito mais provável que você encontre os problemas que já recebem mais atenção, o que os torna menos impactantes.
Então, como evitar esses erros e fazer mais bem?
Desenvolvemos três perguntas para você fazer a si mesmo para descobrir quais problemas sociais são mais urgentes — onde um ano extra de trabalho terá o maior impacto.
Elas se baseiam-se num trabalho da Open Philanthropy,1 uma fundação com bilhões de dólares em fundos autorizados, e do (modestamente batizado) Global Priorities Institute (Instituto Prioridades Globais), um grupo de pesquisa de Oxford.
Você pode usar essas etapas para comparar as áreas em que você poderia entrar (p. ex., prevenção de pandemias, risco da IA ou saúde global), ou se você já está envolvido em uma área, pode comparar projetos dentro dessa área (p. ex., pesquisas sobre malária ou HIV).
Tempo de leitura: 12 minutos, ou assista ao nosso breve vídeo acima, em vez disso. Se você só quiser ver quais problemas achamos mais urgentes, pule para o próximo artigo. Você também pode ler o detalhamento técnico por trás desta estrutura.
Os pontos principais Os problemas mais urgentes tendem a ter uma boa combinação das seguintes qualidades: 1. Grandes em escala: qual a magnitude deste problema? Quanto ele afeta a vida das pessoas hoje? Mais importante, quanto efeito a solução terá a longo prazo (inlcluindo o muito longo prazo, se houver tais efeitos)? 2. Negligenciados: quantas pessoas e recursos já estão dedicados à resolução deste problema? Quão bem alocados estão os recursos que estão sendo dedicados atualmente ao problema? Existem boas razões pelas quais os mercados ou os governos ainda não estão progredindo neste problema? 3. Solucionáveis: Quão fácil seria progredir neste problema? Já existem intervenções para resolver este problema de forma eficaz, e quão fortes são as evidências por trás deles? Para encontrar o problema em que você deve trabalhar, considere também sua adequação pessoal. Você poderia se tornar motivado a trabalhar neste problema? Se está no estágio mais avançado da sua carreira, você tem a expertise relevante? Veja como aplicamos esta estrutura no próximo artigo. |
1. Este problema é grande em escala?
Tendemos a avaliar a importância de diferentes problemas sociais usando nossa intuição, ou seja, o que parece importante num nível visceral.
Por exemplo, em 2005 a BBC escreveu:
As usinas nucleares serão todas desligadas dentro de alguns anos. Como podemos manter acesas as luzes da Grã-Bretanha? (…) Desconecte o carregador do seu celular quando ele não estiver em uso.
Isso irritou tanto David MacKay, um professor de física em Cambridge, que ele decidiu descobrir quão ruim realmente é deixar o celular conectado na tomada. Veja a reportagem da sua tentativa de descobrir isso.
O resultado é que, mesmo que nenhum carregador de celular fosse ligado novamente, a Grã-Bretanha economizaria no máximo 0,01% de seu uso pessoal de energia (e isso deixando de lado o uso industrial e afins). Portanto, mesmo que seja totalmente bem-sucedida, uma estimativa rápida mostra que essa campanha da BBC não pode ter nenhum efeito perceptível. MacKay disse que isso é como “tentar salvar o Titanic com um coador de café”.
Em vez disso, esse esforço poderia ter sido usado para mudar o comportamento de uma maneira que poderia facilmente ter um impacto 100 vezes maior sobre as mudanças climáticas, como a instalação de isolamento térmico nas residências. 2
Décadas de pesquisa mostraram que nossa intuição é ruim em avaliar diferenças de escala. Por exemplo, um estudo descobriu que as pessoas se dispunham a pagar aproximadamente a mesma quantia para salvar 2 mil aves de derramamentos de óleo e para salvar 200 mil aves, embora esta última seja objetivamente cem vezes melhor. Esse é um exemplo de um erro comum chamado negligência ao escopo.
Para evitar a negligência ao escopo, precisamos usar números para fazer comparações, mesmo que sejam muito aproximados.
No artigo anterior, dissemos que o impacto social depende de quanto você ajuda os outros a viver melhor. Então, com base nessa definição, um problema tem maior escala:
- quanto maior o número de pessoas afetadas,
- quanto maior o tamanho dos efeitos por pessoa e
- quanto maiores os benefícios a longo prazo de resolver o problema.
A escala é importante porque o efeito das atividades em um problema é geralmente proporcional ao tamanho do problema. Lance uma campanha que termine 10% do problema do carregador de telefone, e você consegue muito pouco. Lance uma campanha que convença 10% das pessoas a instalar isolamento térmico em suas casas, e o negócio é muito maior.
2. Este problema é negligenciado?
No artigo anterior, vimos que a medicina nos EUA e no Reino Unido é um problema relativamente abarrotado: já existem mais de 850.000 médicos nos EUA e os gastos com saúde são altos, o que torna mais difícil para uma pessoa extra trabalhando com saúde fazer uma grande contribuição.3
A saúde nos países pobres, no entanto, recebe muito menos atenção, e essa é uma razão pela qual é possível salvar uma vida por apenas cerca de 5.000 dólares.
Quanto mais esforço já estiver sendo dedicado a um problema, mais difícil será para você ter sucesso e fazer uma contribuição significativa. Isso se deve aos rendimentos decrescentes.
Quando você colhe frutas de uma árvore, você começa com aquelas que são mais fáceis de alcançar: as frutas baixas. Quando elas acabam, fica cada vez mais difícil conseguir comida.
O mesmo se aplica ao impacto social. Quando poucas pessoas trabalharam em um problema, geralmente há muitas oportunidades excelentes para progredir. Conforme mais e mais trabalho é feito, torna-se cada vez mais difícil ser original e ter um grande impacto. Parece um pouco assim:
Os problemas de que seus amigos estão falando e nos quais eles estão interessados em trabalhar são exatamente aqueles em que todo o mundo já está focando. Sendo assim, eles não são os problemas negligenciados e provavelmente não são os mais urgentes.
Em vez disso, os problemas mais urgentes – aqueles em que você poderá ter maior impacto – são provavelmente áreas em que você nunca pensou em trabalhar.
Todos sabemos sobre a luta contra o câncer, mas e quanto aos vermes parasitários? Não contribuem para um vídeo musical de caridade tão bom, mas essas criaturas minúsculas infectaram um bilhão de pessoas em todo o mundo com doenças tropicais negligenciadas.4 Essas condições são muito mais fáceis de tratar do que o câncer, mas nunca ouvimos falar delas porque elas raramente afetam gente rica.
Então, em vez de seguir as últimas tendências, procure problemas que as outras pessoas estejam sistematicamente perdendo de vista. Por exemplo:
- O problema afeta grupos negligenciados, como aqueles muito distantes de nós, os animais não humanos ou gerações futuras, em vez de nós?
- O problema é um evento de baixa probabilidade, o qual pode estar sendo ignorado?
- São poucas as pessoas que sabem do problema?
Seguir este conselho é mais difícil do que parece, pois implica destacar-se da multidão e até pode significar parecer um pouco estranho.5
Scared Straight é um programa que leva jovens que cometeram contravenções para visitar prisões e encontrar criminosos condenados, confrontando-os com o seu provável futuro, se não mudarem de rumo. O conceito se mostrou popular não apenas como um programa social, mas como entretenimento; foi adaptado e virou um aclamado documentário e um programa de TV da A&E, quebrando recordes de audiência no canal em sua estréia.
Há apenas um problema com o Scared Straight: provavelmente ele faz com que os jovens cometam mais crimes.
Ou mais precisamente, os jovens que passaram pelo programa de fato cometeram menos crimes que antes, de modo que parecia superficialmente que funcionava. Mas a diminuição foi menor se comparada com jovens similares que jamais passaram pelo programa.
O efeito é tão significativo que o Instituto Estadual de Políticas Públicas de Washington estimou que cada dólar gasto em programas Scared Straight causa mais de 200 dólares em danos sociais.6 Essa estimativa nos pareceu um pouco pessimista demais, mas mesmo assim, parece que ele foi um enorme erro.
Ninguém sabe ao certo por que isso acontece, mas pode ser porque os jovens perceberam que a vida na cadeia não é tão ruim quanto pensavam, ou passaram a admirar os criminosos.
Algumas tentativas de fazer o bem, como o Scared Straight, acabam piorando as coisas. Muitas outras não têm impacto. David Anderson, da Coalizão para Políticas Baseadas em Evidências estima que:
Dos [programas sociais] que foram rigorosamente avaliados, a maioria (talvez 75% ou mais), incluindo aqueles apoiados pela opinião de especialistas e estudos menos rigorosos, acabam produzindo efeitos pequenos, nenhum efeito e, em alguns casos, efeitos negativos.
Isso sugere que, se você escolher uma instituição de caridade para com a qual se envolver sem antes examinar as evidências, provavelmente você não terá absolutamente nenhum impacto.
Pior, é muito difícil dizer quais programas serão eficazes de antemão. Não acredita em nós? Experimente o nosso questionário de 10 perguntas e veja se consegue adivinhar o que é eficaz e o que não é:
O questionário pede que você adivinhe quais intervenções sociais funcionam e quais não funcionam. Testamos em centenas de pessoas, e elas muito mal se saíram melhor que o acaso.
Então, antes de escolher um problema social para ao qual se dedicar, pergunte-se antes se:
- Há uma maneira de progredir nesse problema sustentada por evidências rigorosas? Por exemplo, muitos estudos já demonstraram que redes tratadas com inseticidas previnem a malária.
- Alternativamente, há um modo de testar programas promissores, porém não comprovados, que poderiam ajudar a resolver este problema, e descobrir se eles funcionam?
- Este é um problema no qual há uma chance pequena, porém realista, de causar um enorme impacto? Por exemplo, impedir pandemias catastróficas por meio de políticas melhores.
Se a resposta a tudo isso for não, provavelmente é melhor procurar outra coisa.
(Leia mais sobre se é justo dizer que a maioria dos programas sociais não funciona).
4. Procure o melhor equilíbrio entre os fatores
Você provavelmente não encontrará algo que se saia bem em todas as três dimensões. Em vez disso, procure algo que vá melhor no cômputo geral. Um problema pode valer a pena enfrentar se for extremamente grande e negligenciado, mesmo que pareça difícil de resolver.
Para obter todos os detalhes sobre a estrutura proposta aqui, consulte este artigo aprofundado, que também explica como fazer suas próprias comparações entre áreas.
5. Sua adequação pessoal e expertise
Não adianta tentar trabalhar em um problema se você não conseguir encontrar nenhuma função que seja bem adequada para você: você não ficará satisfeito e não terá muito impacto.
Desse modo, uma vez que você tenha identificado um problema que tem uma boa combinação das três dimensões (grande, negligenciado e solucionável), você também vai querer encontrar uma função específica que seja bem adequada para você.
Como iremos discutir, a adequação pessoal é tão importante que pode facilmente ser melhor focar numa área que você ache menos premente em geral, se ela for suficientemente bem adequada para você.
Cedo na sua carreira, você só precisa ter uma vaga ideia de em quais problemas você pode querer trabalhar no futuro. O seu principal foco deve ser explorar para descobrir no que você é bom, e construir habilidades que plausivelmente venham a ser úteis — o que abordaremos nos próximos dois artigos. Posteriormente, você pode usar essas habilidades para enfrentar os problemas mais prementes nesse momento.
Se você já é especialista em certo problema, você deveria focar em descobrir um modo melhor de usar a sua especialidade para enfrentar um problema premente. Não faria sentido, digamos, um economista que já está arrasando mudar para a biologia. Em vez disso, deve haver um modo de aplicar a economia às questões que você acha mais prementes. Você também pode usar a estrutura acima para delimitar subáreas (p. ex., economia do desenvolvimento vs. política de emprego).
6. Quais são os problemas mais urgentes do mundo?
Quais são os maiores problemas do mundo sobre os quais ninguém está falando e que é possível resolver? Isso é o que vamos abordar em seguida.
Leia em seguida
Parte 2: Quais são os maiores problemas do mundo? Ou veja uma visão geral do guia de carreiras inteiro.
Notas e referências
1. A Open Philanthropy é a maior doadora do 80.000 Horas.
2. Um britânico usava, em média, cerca de 120 kWh por dia em 2008, quando MacKay fez esse experimento. Hoje, um britânico, em média, usa cerca de 80 kWh por dia.
Fontes: Figura 1.12, Sustainable Energy Without the Hot Air, de David MacKay, 2008, link arquivado, recuperado em 14 de abril de 2017.
Primary energy consumption per capita (kWh/person), Our World in Data, 2022, link arquivado, recuperado em 17 de fevereiro de 2022.
O aquecimento térmico de uma casa sem isolamento custa cerca de 53 kWh por dia, enquanto a adição de isolamento de parede e sótão reduz o gasto em 44%, para 30 kWh/dia. Supondo que uma única casa contenha 2,5 pessoas, em comparação com o uso total de energia por pessoa, isso representa uma redução de 33 / (120 2,5) = 11%. Ao retirar da tomada carregadores de telefone quando eles não estão em uso reduzimos o uso de energia pessoal em menos de 0,01%. Sendo assim, adicionar isolamento residencial é 1.100 vezes mais importante. Fazer isso também pode reduzir sua conta de aquecimento em 44%, o que pode significar uma boa economia de dinheiro no longo prazo, dependendo do custo do isolamento.
Fonte: Figura 21.3, *Sustainable Energy Without the Hot Air, de David MacKay, 2008, link arquivado, recuperado em 14 de abril de 2017.
3. Dados do Banco Mundial dizem que os EUA têm cerca de 260 médicos por 100.000 pessoas. Com uma população de aproximadamente 330 milhões, isso significa mais de 850.000 médicos nos EUA.
Fonte: World Development Indicators – World Bank, 2023. Link arquivado, recuperado em 17 de fevereiro de 2023.
4.
Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) são um grupo de doenças parasitárias e bacterianas causadoras de doenças graves para mais de um bilhão de pessoas no mundo. Afetando as pessoas mais pobres do mundo, as DTNs prejudicam o desenvolvimento físico e cognitivo, contribuem para a doença e a morte de mães e crianças, dificultam o trabalho agrícola e a obtenção de rendimentos e limitam a produtividade no local de trabalho. Como resultado, as DTNs prendem os pobres em um ciclo de pobreza e doença.
Link arquivado, recuperado em 11 de março de 2017.
5. Há algumas razões para pensar sobre rendimentos crescentes, especialmente com organizações. Mas em geral, pensamos que há boas razões para pensar que rendimentos decrescentes serão a norma.
6. Uma metanálise da Campbell Collaboration, um dos principais avaliadores da eficácia das políticas sociais, concluiu:
RESULTADOS
As análises mostram que a intervenção é mais prejudicial do que não fazer nada. O efeito do programa, presumindo um modelo de efeitos sejam fixos, sejam aleatórios, era quase idêntico e negativo em direção, independentemente da estratégia metanalítica.
CONCLUSÕES DO AUTOR
Concluímos que programas como o Scared Straight são susceptíveis de ter um efeito prejudicial e aumentam a delinquência em relação a não fazer nada para os mesmos jovens. Diante desses resultados, não podemos recomendar este programa como uma estratégia de prevenção ao crime. Agências que permitem tais programas, no entanto, devem avaliá-los rigorosamente não apenas para garantir que estão fazendo o que pretendem (prevenir o crime), mas no mínimo, não causar mais mal do que bem aos próprios cidadãos que devem proteger.
Link, PDF arquivado do relatório completo, recuperado em 27 de abril de 2017.
Uma revisão dos programas sociais americanos fez uma análise de custo-benefício do programa, concluindo que havia US$ 203 de custos sociais incorridos por US$ 1 investido no programa. Veja a Tabela 1. No entanto, observe que essa estimativa é bastante antiga e pode estar desatualizada. Além disso, geralmente somos céticos com relação a diferenças muito grandes entre custos e benefícios; por isso duvidamos que a taxa real seja tão alta quanto essa. No entanto, o programa parece ter sido um uso terrível de recursos.
Link arquivado, recuperado em 31 de março de 2016.
NOTA: esta é uma tradução do Guia de Carreiras do 80,000 Hours, tendo maio de 2023 como última atualização. Ela pode não corresponder à versão mais atualizada, que pode ser acessada em: https://80000hours.org/career-guide/most-pressing-problems/