A metodologia ITN parte do princípio de que os problemas mais urgentes tendem a ter uma boa combinação das seguintes qualidades:

  1. Impacto: Procure algo de grande impacto, grande escala. Qual a magnitude desse problema? Quanto isso afeta a vida das pessoas hoje? Quanto efeito a solução terá a longo prazo?
  2. Negligenciadas: Quantas pessoas e recursos já estão dedicados a resolver este problema? Quão bem alocados são os recursos que estão sendo dedicados atualmente ao problema? Existem boas razões pelas quais os mercados ou os governos ainda não estão progredindo nesse problema?
  3. Solucionáveis: Quão fácil seria progredir neste problema? As intervenções já existem para resolver esse problema de forma eficaz, e quão forte é a evidência por trás deles?

1 Este problema é grande em escala?

Nós tendemos a avaliar a importância de diferentes problemas sociais usando nossa intuição, ou seja, o que parece importante em um nível intuitivo.

Por exemplo, em 2005, a BBC escreveu:

As centrais nucleares serão todas desligadas dentro de alguns anos. Como podemos manter as luzes da Grã-Bretanha? … Desconecte o carregador do seu celular quando ele não estiver em uso.

Isso irritou David MacKay, um professor de física em Cambridge, que decidiu descobrir exatamente o quão ruim é deixar o celular conectado na tomada. Veja a história de sua tentativa em descobrir isso.

O resultado é que, mesmo que nenhum carregador de celular seja ligado novamente, a Grã-Bretanha economizaria no máximo 0,01% de seu uso pessoal de energia (e isso deixaria de lado o uso industrial e afins). Portanto, mesmo que seja totalmente bem-sucedido, uma estimativa rápida mostra que essa campanha da BBC não pode ter nenhum efeito perceptível. MacKay disse que isso é como “tentar salvar o Titanic com um coador de café”.

Em vez disso, esse esforço poderia ter sido usado para mudar o comportamento de uma maneira que poderia facilmente ter um impacto 100 vezes maior sobre a mudança climática, como a instalação de isolamento térmico nas residências. 1

Décadas de pesquisa mostraram que nossa intuição é ruim em avaliar as diferenças de escala. Por exemplo, um estudo descobriu que as pessoas estavam dispostas a pagar aproximadamente a mesma quantia para salvar 2 mil aves de derramamentos de óleo do que para salvar 200 mil aves, embora esta última seja objetivamente cem vezes melhor. Este é um exemplo de um erro comum chamado negligência de alcance.

Em vez disso, precisamos usar números para fazer comparações, mesmo que sejam muito difíceis.

No artigo “Como ter um impacto em qualquer trabalho”, dissemos que o impacto social depende da medida em que você ajuda os outros a viver melhor. Então, com base nessa definição, um problema tem maior escala:

  1. Quanto maior o número de pessoas afetadas
  2. Quanto maior o tamanho dos efeitos por pessoa e,
  3. Quanto maiores os benefícios a longo prazo de resolver o problema.

A escala é importante porque o efeito das atividades em um problema é geralmente proporcional ao tamanho do problema. Lançar uma campanha que termine 10% do problema do carregador de telefone e você conseguir muito pouco. Lançar uma campanha que convença 10% das pessoas a instalar isolamento de casas, e é um negócio muito maior.

Quadrinho onde um homem está numa cozinha pegando fogo. Seu avental também está pegando fogo. Ele olha para dentro da geladeira e diz "Puta merda Susie! Estamos sem COENTRO!"
Assim seriam nossas vidas se nos importamos tão pouco com a importância relativa de diferentes problemas.

2 Trabalhe em um problema que é negligenciado

Neste artigo, nós explicamos como que a medicina nos EUA e no Reino Unido é um problema relativamente cheio de gente dedicada – já existem mais de 700.000 médicos nos EUA e os gastos com saúde são altos, o que torna mais difícil para uma pessoa extra trabalhando com saúde fazer um grande contribuição. 2

A saúde nos países pobres, no entanto, recebe muito menos atenção, e essa é uma razão pela qual é possível salvar uma vida por apenas cerca de 7.500 dólares.

Quanto mais esforço já estiver sendo dedicado a um problema, mais difícil será para você ter sucesso e fazer uma contribuição significativa. Isto se deve a lei dos retornos decrescentes.

Quando você colhe frutas de uma árvore, você começa com aquelas que são mais fáceis de alcançar. Quando elas acabam, as outras são mais difíceis de pegar. – há uma expressão bastante usada em inglês para esses “ frutos mais fáceis de colher”: the low hanging fruit.

É o mesmo com impacto social. Quando poucas pessoas trabalham em um problema, geralmente há muitas oportunidades excelentes para progredir. À medida que mais e mais trabalho é feito, torna-se cada vez mais difícil ser original e ter um grande impacto. Parece um pouco assim:

metodologia ITN
Retornos decrescentes proporcionais ao esforço gasto – Encontramos esse conceito nas aulas de introdução à economia.

Os problemas que seus amigos estão falando a respeito e que você vê nas notícias são aqueles onde todo mundo já está focando seus esforços. Sendo assim, eles não são os problemas negligenciados e provavelmente não são os mais urgentes.

Em vez disso, os problemas mais urgentes – aqueles em que você poderá ter maior impacto – são provavelmente áreas em que você nunca pensou em trabalhar.

Todos nós sabemos sobre a luta contra o câncer, mas e quanto aos vermes parasitários? Eles vermes não são material tão bom para propaganda de uma ONG mas essas criaturas minúsculas infectaram um bilhão de pessoas em todo o mundo, sendo conhecidas como “doenças tropicais negligenciadas”.3 Essas condições são muito mais fáceis de tratar do que o câncer, mas nunca ouvimos falar delas porque elas raramente afetam as pessoas ricas.

Então, em vez de seguir as últimas tendências, procure problemas em que outras pessoas estejam sistematicamente ausentes. Por exemplo:

  1. O problema afeta grupos negligenciados, como aqueles muito distantes de nós, os animais ou nossos netos, em vez de nós?
  2. O problema é um evento de baixa probabilidade de ocorrer e que por isso pode estar sendo negligenciado?
  3. Poucas pessoas sequer sabem do problema?

Seguir este conselho é mais difícil do que parece, pois implica se destacar da multidão e até pode significar parecer um pouco estranho.

metodologia ITN
Ok, esse definitivamente é um problema negligenciado, mas a negligência não é a única coisa que você precisa levar em conta.

3 Trabalhar em problemas que são solucionáveis

Muitos programas de assistencia social não funcionam. Aqui está um exemplo no campo da redução do crime juvenil:

Scared Straight é um programa que leva as crianças que cometeram contravenções a visitar as prisões e a encontrar criminosos condenados, confrontando-os com o seu provável futuro, se não mudarem de rumo. Esse programa se mostrou popular não apenas como um programa social, mas como entretenimento; foi adaptado e virou um aclamado documentário e um programa de TV da A&E, quebrando recordes de audiência em sua estréia.

Há apenas um problema com o Scared Straight: provavelmente ele faz com que os jovens cometam mais crimes.

De fato, os jovens que fizeram parte do programa cometeram menos crimes do que estavam cometendo antes de participarem do programa. Isso parecia demonstrar que o programa funcionava. Mas essa é uma conclusão incorreta: ao comparar com grupo de jovens com problemas semelhantes de criminalidade juvenil e que nunca passaram pelo programa, estes cometeram muito menos crimes nos anos seguintes do que aqueles que fizeram parte do programa.

O efeito é tão significativo que o Instituto Estadual de Políticas Públicas de Washington estimou que cada 1 dólar gasto no programa Scared Straight causa mais de 200 dólares em danos sociais. 4 Essa estimativa nos pareceu um pouco pessimista, mas, mesmo assim, parece claro que esse programa foi um grande erro.

Ninguém sabe ao certo por que isso acontece, mas pode ser porque os jovens perceberam que a vida na cadeia não era tão ruim quanto pensavam, ou passaram a admirar os criminosos.

Algumas tentativas de fazer o bem, como o Scared Straight, acabam tornando as coisas piores. Muitas mais simplesmente tem impacto significativo. David Anderson, da Coalizão para Políticas Baseadas em Evidência estima que:

Dos [programas sociais] que foram rigorosamente avaliados, a maioria (talvez 75% ou mais), incluindo aqueles apoiados pela opinião de especialistas e estudos menos rigorosos, acabam produzindo efeitos pequenos, nenhum efeito e, em alguns casos, efeitos negativos.

Isso sugere que, se você escolher uma ONG ou projeto social para se envolver sem antes olhar para as evidências, provavelmente você não terá nenhum impacto.

Pior, é muito difícil dizer quais programas serão eficazes antes do tempo. Não acredite em nós? Experimente o nosso questionário de 10 perguntas e veja se consegue adivinhar o que é eficaz e o que não é:

FAÇA O TESTE AQUI (EM INGLÊS)

O questionário pede que você adivinhe quais intervenções sociais funcionam e quais não funcionam. Nós testamos em centenas de pessoas, e elas dificilmente acertaram melhor que a pura sorte.

Então, antes de escolher um problema social para se dedicar, pergunte-se antes se:

  1. Existe uma maneira de progredir nesse problema que tenha evidências rigorosas por trás disso? Por exemplo, muitos estudos já demonstraram que as redes tratadas com inseticidas previnem a malária.
  2. Trata-se de uma tentativa de experimentar um programa novo, mas promissor, testando se ele funciona?
  3. Este é um programa com uma chance pequena, mas realista, de causar um grande impacto? Por exemplo, uma pesquisa sobre uma questão-chave ou uma campanha para mudança de uma política.

Se a resposta a tudo isso for não, provavelmente é melhor encontrar outra coisa.

(Leia mais sobre se é justo dizer que a maioria dos programas sociais não funciona).

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Scared Straight mostrava para delinquentes juvenis a vida dentro da cadeia, com o objetivo de afastá-los do crime. O problema é que isso os tornava mais propensos a cometer mais crimes.

4.Procure o melhor equilíbrio entre os três pontos debatidos acima (grande, negligenciado e solucionável)

Você provavelmente não encontrará algo que atenda bem a todas as três dimensões. Em vez disso, procure algo que tenha um bom equilíbrio entre estes pontos. Um problema pode valer a pena se for extremamente grande e negligenciado, mesmo que pareça difícil de resolver.

Notas:

1. Um britânico usa cerca de 120 kWh por dia, em média. 

Fonte: Figura 1.12, Energia sustentável sem baboseira, por David MacKay, 2008, link arquivado, recuperado em 14 de abril de 2017. 

O aquecimento térmico de uma casa sem isolamento custa cerca de 53 kWh por dia, enquanto a adição de isolamento de parede e sótão reduz o gasto em 44%, para 30 kWh/dia. Supondo que uma única casa contenha 2,5 pessoas, em comparação com o uso total de energia por pessoa, isso representa uma redução de 33 / (120 2,5) = 11%. Ao retirar da tomada carregadores de telefone quando eles não estão em uso reduzimos o uso de energia pessoal em menos de 0,01%. Sendo assim, adicionar isolamento residencial é 1.100 vezes mais importante. Fazer isso também pode reduzir sua conta de aquecimento em 44%, o que pode significar uma boa economia de dinheiro no longo prazo, dependendo do custo do isolamento. 

Fonte: Figura 21.3, * Energia sustentável sem baboseira
, por David MacKay, 2008, link arquivado, recuperado em 14 de abril de 2017.

2. Estudos apontam que os Estados Unidos têm cerca de 230 médicos para cada 100.000 pessoas. Com uma população de aproximadamente 320 milhões, isso significa que há mais de 700.000 médicos nos Estados Unidos. 

“Uma análise de Schieber et al. (1993) dos sistemas de saúde do final dos anos 80 e início dos anos 90 para os24 países industrializados membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelaram um oferta que ia de 90 médicos por 100.000 habitantes na Turquia até 380 médicos por 100.000 habitantes na Espanha. A oferta dos EUA era de 230 por 100.000 pessoas naquela época, número bem próximo da média da OCDE de 240. Mais uma vez, constatou-se que os Estados Unidos têm uma proporção de especialistas bem maior que a de generalistas do que os outros países da OCDE. Os autores concluíram que essas diferenças tornam mais complexas a utilidade destas comparações”. 

Link arquivado, recuperado em 11 de março de 2016.

3. “Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) são um grupo de doenças parasitárias e bacterianas causadoras de doenças graves para mais de um bilhão de pessoas no mundo. Afetando as pessoas mais pobres do mundo, as DTN prejudicam o desenvolvimento físico e cognitivo, contribuem para a doença e a morte de mães e crianças, dificultam o trabalho agrícola e a obtenção de rendimentos e limitam a produtividade no local de trabalho. Como resultado, as DTN prendem os pobres em um ciclo de pobreza e doença ”. 

Link arquivado, recuperado em 11 de março de 2016.