Em um momento que temos visto um profundo desprezo pela palavra dos especialistas por lideranças populistas, o antídoto para a desinformação reside na maior transparência. Contudo, especialistas e jornalistas também não são isentos de culpa na área das fake news.
Antes de prosseguirmos com essa leitura, façamos um teste rápido:
1. Em todos os países de baixa renda em todo o mundo hoje, quantas meninas terminam a escola primária?
□ A: 20 por cento □ B: 40 por cento □ C: 60 por cento2 Nos últimos 20 anos, a proporção da população mundial que vive em extrema pobreza…
□ A: quase dobrou □ B: permaneceu mais ou menos a mesma □ C: caiu pela metade3 Qual é a expectativa de vida do mundo hoje?
□ A: 50 anos □ B: 60 anos □ C: 70 anosDepois deste pontilhado lhe apresentaremos as respostas. Está pronto?
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.Respostas: A resposta correta para as 3 perguntas é C.
Esse teste foi retirado do livro “Factfulness” por Hans Rosling. Clique aqui para ler a introdução e o primeiro capítulo do livro gratuitamente.
Índice
O mundo está melhorando e provavelmente você não faz ideia disso
Quase todo indicador que você observar, social ou econômico, da pobreza às mortes por guerras ou mesmo por doenças pandêmicas. Todos esses indicadores apresentam melhoras contínuas praticamente ano após ano em quase todos os lugares do planeta.
Se você não sabia desses fatos, você não está sozinho. Como Hans escreve em Factfullness:
“Nos últimos vinte anos, a proporção da população global que vive em extrema pobreza caiu pela metade. Isso é absolutamente revolucionário. Eu considero ser a mudança mais importante que aconteceu no mundo ao longo da minha vida. Também é um fato básico para se conhecer a vida na Terra. Mas as pessoas não sabem disso. Em média, apenas 7% — menos de uma em dez! — acerta essa questão”.
“Talvez você pense que pessoas com melhor educação se sairiam melhor? Ou pessoas que estão mais interessadas nestes problemas? Eu certamente pensei isso um dia, mas eu estava errado. Eu testei audiências de todo o mundo e de todas as esferas da vida: estudantes de medicina, professores, professores universitários, cientistas eminentes, banqueiros de investimento, executivos em empresas multinacionais, jornalistas, ativistas e até mesmo tomadores de decisões políticas seniores. Estas são pessoas altamente educadas que se interessam pelo mundo. Mas a maioria deles — uma maioria impressionante deles — erra a maioria das perguntas. Alguns desses grupos até pontuam pior que o público em geral; Alguns dos resultados mais chocantes vieram de um grupo de ganhadores do Prêmio Nobel e pesquisadores médicos. Não é uma questão de inteligência. Todo mundo parece entender o mundo de um modo devastadoramente errado”.
Não se trata apenas de notar que esses dados tão básicos sobre o mundo são desconhecidos da maior parte das pessoas. O problema é mais complicado:
“os resultados desses testes não são aleatórios. Eles são piores do que aleatórios: são piores que os resultados que eu teria se as pessoas que respondessem minhas perguntas não tivessem nenhum conhecimento.”
As pessoas estão sistematicamente enviesadas para uma visão negativa do mundo.
Nota: Claro que há aqueles que insistirão no argumento de que o mundo não está melhorando, questionando desde os dados, às métricas, pressupostos e tendências desta evolução. Nesta reportagem da Vox, a qual traduzimos, você poderá se aprofundar no debate em torno desta questão, sendo inclusive apresentado aos principais argumentos e contra-argumentos especificamente a respeito da redução da pobreza. Recomendamos que leia também: O mundo está melhorando — ainda que você não acredite
O futuro sombrio e o passado idílico
Qual seria a razão de tamanha desinformação e viés negativo sobre o estado de coisas do mundo?
Parte disso pode residir na própria mente humana, que sofre dos mais diversos vieses cognitivos. Um viés cognitivo é toda predisposição que nos leva interpretar erroneamente dados, acontecimentos e demais elementos da nossa realidade.
Por exemplo, sofremos do “viés de negatividade” a tendência humana de, diante de fatos considerados negativos ou positivos, se atentar mais facilmente aos primeiros.
Outro viés é a tendência humana de lembrarmos o passado sob uma luz muito mais positiva do que ele realmente era, enviesando nossa percepção de como o mundo era antigamente. A seguir temos uma explicação psicológica disso:
Por que geralmente focamos nas lembranças positivas, e não nas negativas? Esta questão foi explorada em um artigo na edição de novembro de 2012 da Psychological Science por Benjamin Storm e Tara Jobe. Eles apontam que muitas pessoas têm uma auto-imagem razoavelmente positiva. Para manter essa auto-imagem, é útil focar em memórias positivas. No entanto, para se concentrar nas memórias positivas, é importante promover sua capacidade de recuperar informações positivas e diminuir ou inibir as memórias negativas.
De um modo geral, as pesquisas sobre memória mostram que recuperar informações da memória envolve aprimorar as informações que você deseja recuperar e também inibir as memórias concorrentes. Storm e Jobe sugerem que quanto mais as pessoas são eficazes em inibir as memórias, mais elas se inclinam para memórias positivas do passado e afastam-se das memórias negativas. (Fonte).
Deste modo, o passado, mesmo aquele vivido diretamente pela pessoa, adquire uma coloração rosada, onde o homem vivia em harmonia com a natureza e com seu semelhante. Isso mesmo quando a própria pessoa tenha eventualmente passado fome ou necessidade ou sofrido de doenças que hoje são raras ou estão eliminadas. O futuro, por sua vez, é sombrio, numa combinação entre o viés de negatividade e as notícias na TV a transmitir continuamente o último escândalo político ou o último assassinato chocante de repercussão nacional. E isso nos leva a segunda parte da explicação.
O erro de acadêmicos e jornalistas
Se por um lado os vieses estão em menor ou maior grau na mente de todas pessoas por outro, acadêmicos, especialistas, jornalistas, enfim os mais diversos intelectuais — aqueles que constituem o importante e indefinido grupo dos “formadores de opinião” — deveriam, de modo geral, estar mais vacinados contra os vieses cognitivos, certo? Não é o caso.
O problema tem diversas facetas. Comecemos pelo jornalismo e pela natureza intrínseca de uma notícia:
Independentemente de o mundo estar ou não piorando de verdade, a natureza das notícias interage com a natureza da cognição para nos fazer pensar que está piorando. O noticiário fala de coisas que acontecem, não de coisas que não acontecem. Nunca vemos um jornalista dizer para a câmera “Falamos ao vivo de um país onde não eclodiu uma guerra” — ou de uma cidade que não foi bombardeada, ou de uma escola onde não aconteceu um ataque a tiros. Enquanto as coisas ruins não tiverem desaparecido da face da Terra, sempre haverá incidentes o bastante para preencher o noticiário, ainda mais quando bilhões de celulares transformam a maior parte da população mundial em repórteres policiais e correspondentes de guerra. Pinker, Steven. O novo Iluminismo.
Contudo, se notícias possuem um viés negativo intrínseco, tal parece ampliado por uma cultura intelectual na qual jornalistas estão submersos. Trata-se, mais especificamente, de um vício comum encontrado na academia e principalmente nas humanidades:
Pelo menos desde a época dos profetas hebreus, que mesclavam críticas sociais com advertências sobre desastres, o pessimismo é igualado à seriedade moral. Os jornalistas acreditam que, ao acentuarem o negativo, estão cumprindo seu dever de vigiar, investigar, informar e afligir os acomodados. E os intelectuais sabem que podem alcançar a importância instantânea apontando um problema não resolvido e teorizando que se trata de um sintoma de uma sociedade doente. Pinker, Steven. O novo Iluminismo.
Devemos apontar também o problema de um certo “jornalismo militante” que parte do pressuposto de que, ao colocar lentes sombrias sobre o mundo, causará em seu leitor ou telespectador indignação e uma consequente motivação para a ação. Será o caso? Na verdade…
Os consumidores de notícias negativas ficam deprimidos, como seria de esperar: um levantamento recente da literatura especializada citou “percepção errônea de risco, ansiedade, níveis de humor mais baixos, desamparo aprendido, desprezo e hostilidade pelos outros, dessensibilização e, em alguns casos, […] recusa total a ver o noticiário”. E se tornam fatalistas, dizem coisas como “Para que votar? Não ajuda nada”, ou “Eu poderia doar dinheiro, mas na semana que vem vai haver outra criança morrendo de fome”. Pinker, Steven. O novo Iluminismo.
Ainda que parcela dos atingidos não fique apenas progressivamente deprimido e anestesiado com as notícias, devemos também temer que tipo de de indignação e consequentemente que tipo de ação será desencadeada por este tipo de abordagem.
A mídia e especialistas servem como modo de informar e embasar a ação em relação a realidade mais ampla. A confiança neles ajuda a criar certa estabilidade e senso de segurança. Porém em certos momentos (momentos de polarização, ou de crise e instabilidade), se essa confiança for abalada, a mídia e a própria comunidade de especialistas podem ser classificados pelas pessoas como parte de um risco externo aos seus valores.
No atual momento em que temos as redes sociais ampliando e potencializando a participação de todos no debate público, uma orientação para a indignação e para a ação poderá tomar rumos perigosos e imprevisíveis, agora sim, sem exagero jornalistico: a eleição de Trump e Bolsonaro dispensa maiores comentários.
O propósito deste texto, evidentemente, não é um ataque aos profissionais jornalistas, nem aos acadêmicos e especialistas. Pelo contrário: entendemos que a confiança nestes grupos é fundamental. Justamente por isso que se faz necessário que estes desenvolvam a devida autocrítica que buscamos aqui estimular.
Para “começo de conversa”, entendemos que essa autocrítica passa por um maior compromisso em que as narrativas com relação ao mundo de fato correspondam ao modo como o mundo é — e para onde ele está efetivamente rumando.
Para que o debate público se faça possível, há uma linha que não pode ser ultrapassada: a de que a evidência empírica não se subordine aos valores, que os dados não se dobrem para atender as crenças. Contudo, os intelectuais foram os primeiros a não zelarem por tais fronteiras.
A negação da realidade por conta de fortes compromissos ideológicos e a tentativa de elevar o niilismo epistemológico dos teóricos pós-modernos à condição de dogma universitário das ciências humanas são dois temas bastante explorados pelos mais diversos autores. Não repetiremos tais críticas aqui. Tão somente queremos destacar o quanto a própria comunidade acadêmica pode ter sido a primeira legitimadora da observada crise de confiança nos especialistas.
O ataque aos especialistas: desconfiança e “teorias alternativas”
Temos visto um profundo desprezo pela palavra dos especialistas, o qual tem sido promovido por lideranças populistas. Tal situação nos lembra as preocupações apontadas pelo filósofo analítico G. E. Moore, já na década de 40, o qual apontava as preferências das pessoas em acreditar e tomar como verdade crenças que podem ser falsas, injustificadas por evidências ou baseadas meramente em senso comum e preconceitos.
Diante de tal cenário, instrumentos e modelos de debate se veem sequestrados pela subjetividade e moralidade de atores políticos ou determinadas agendas. Essa é uma situação na qual grupos e setores da sociedade abrem mão de fatos técnicos e evidências bem embasadas para se voltarem a um fundamentalismo moral e valorativo, que representa nada mais que suas próprias crenças e valores. Um verdadeiro cenário de ignorância voluntária comumente defendida pela afirmação “eu tenho direito à minha crença”.
Cabe então um desafio às instituições e aos agentes que se propõem a promover o debate público que seja honesto e propositivo: a árdua atividade de promover o conhecimento científico sóbrio e passível de beneficiar toda a sociedade ao mesmo tempo em que tem que lidar com a distinção de valores de cada grupo social, que é legítima e deve ser respeitada (desde que comprometida a não tentar subordinar os fatos as crenças).
Em boa parte a desconfiança para com os especialistas e com a mídia tem por causa um problema antigo, que é a fraca educação formal da população em geral, e um problema novo, o da maior visibilidade de “teorias alternativas” através de redes sociais. Em grande parte essas teorias alternativas só ganham força devido a uma tensão entre o conhecimento especializado e crenças geralmente disseminadas em âmbito familiar-comunitário.
Em sociedades modernas com frequência inédita o local/comunitário é impactado pelo “global”. Riscos, oportunidades, mudanças frequentemente são percebidas como abstratas ou de origem distante, e podem parecer ao cidadão comum como alheias a ele e sua realidade (ao menos até passar a ter impactos concretos). Esse cenário pode acabar testando sua confiança e a atual crise do COVID-19 será um ótimo estudo de caso quanto a isso.
Entendemos que o problema começa quando alguns especialistas passam a ser vistos como tendenciosos ou como ameaças a ordem comunitária tradicional. A confiança no conhecimento especializado em si não necessariamente é abalada, mas a confiança na comunidade de especialistas sim. Essa ”desconfiança pessoal” pode variar em intensidade, por exemplo, em períodos de maior polarização representantes de uma comunidade podem identificar num especialista específico, ou num conjunto de especialistas uma tendência que contrarie seus valores, e por associação estender sua desconfiança a toda comunidade de especialistas numa área.
Isso não significa que as pessoas irão desconsiderar todo o conhecimento especializado. Podem inclusive buscar novos especialistas, novas comunidades de especialistas que estejam mais de acordo com seus valores numa tentativa de nova conciliação. Conciliação que pode facilmente fortalecer um “paralelismo científico” de versões tendenciosas do conhecimento especializado, onde se unem leigos entusiastas de “teorias alternativas” e especialistas com teorias bastante questionáveis (pra dizer o mínimo) que estão à margem do consenso numa área acadêmica. Exemplos podem ser encontrados no “design inteligente”, no terraplanismo e em versões “gospel” da psicologia.
O que fazer?
Para se combater a pandemia se mostrou essencial que a população confiasse na palavra dos especialistas, sejam eles médicos, infectologistas, sanitaristas, virologistas, epidemiologistas e assim por diante.
Por sua vez, quem geralmente transmite esse conhecimento técnico para a população são os jornalistas profissionais. Portanto, é mais do que necessário que a população confie nas informações transmitidas pelos jornalistas e, vice-versa, que essa informação transmitida seja confiável.
Nos últimos anos, políticos irresponsáveis vêm minando a confiança da população na ciência e no jornalismo profissional. Como resultado, temos visto várias pessoas minimizando os problemas da pandemia, se baseando para tanto em notícias falsas (fake news).
Como podemos instigar na população a confiança na ciência e no jornalismo profissional e a rejeição às fake news e ao populismo?
- Divulgar canais e matérias que ensinam para a população conhecimento científico sólido.
- Mostrar a enorme quantidade de fake news propagada pela dita mídia alternativa e como a mídia tradicional, apesar de suas falhas, ainda é o melhor meio para se obter informação verídica.
- Pressionar os políticos para que implementem no currículo escolar, na matéria de ciências, noções de como funciona o método científico. Esse conteúdo já é ensinado, mas de maneira simplista. Precisa haver uma reformulação na maneira como ele é ensinado para que a população saiba que estudo técnico não é mera opinião baseada em achismo, mas conhecimento baseado em evidência sólida.
- Destacar nessa formação educacional como nossa mente é moldada para buscarmos informações em fontes que apenas propagam aquilo que já acreditamos previamente e que temos tendências a querer pertencer a um grupo político do qual não discordaremos nem um pouco. Essas predisposições fazem com que tenhamos uma tendência enorme a acreditar em fake news e buscar mídias que apenas digam aquilo que já acreditamos.
- Ensinar quanto aos demais vieses cognitivos, de modo aplicado, tal como fizemos no início deste texto. Escolas podem ter um papel importante nisso.
- A promoção de uma visão de mundo baseada em fatos. A proposta “Factfulness” de Hans Rosling demonstra a contínua melhoria do mundo. Jornalistas e acadêmicos podem promover esses fatos em suas reportagens e falas e assim não reforçar a tão difundida narrativa do “mundo está acabando”.
- Combater internamente a ciência e o jornalismo militante e demais compromissos ideológicos que justamente ajudaram a legitimar o uso político-populista do conhecimento. Os especialistas sofrem mais especificamente com a relativização de fatos e da verdade no reinante “niilismo” epistemológico pós-moderno que foi elevado à condição de dogma universitário nas ciências sociais e humanas.
- Promovermos mais políticas públicas baseadas em evidências cientificas o que nos leva ao próximo ponto.
- Melhorar a relação entre especialistas e agentes políticos: Por mais que políticos e especialistas estejam em esferas diferentes, facilitar a mediação e o trânsito entre os dois pode, além de melhorar a qualidade de políticas públicas, reduzir a influência de ideólogos anticientíficos que tem se abrigado estrategicamente no meio político.
- Melhora da educação formal em geral: podem haver falhas na mediação entre o meio de especialistas e os não-especialistas. Esta mediação a princípio é melhorada a medida que se melhore a educação geral, e através desta melhora, formaríamos “mediadores” dentro da população, representantes que fariam a ponte entre o conhecimento especializado e seus meios de convivência.
- É claro que melhorar a educação forma é a solução para 99 de cada 100 problemas do Brasil. Como toda política pública, os avanços serão obtidos apenas se reformarmos a educação tendo por base a melhor evidência cientifica do que funciona ou não. Precisamos adotar políticas públicas baseadas em evidências cientificas também para melhorar a educação. Observe que o Brasil já gasta um alto valor em educação quando proporcional ao seu PIB. Esse dinheiro precisa ser melhor empregado.
Como diretrizes de comunicação entre especialistas e a população em geral não devemos esquecer que confiança é o conceito chave. Deve-se prezar pela confiança que a comunidade de especialistas inspira, e deve-se lembrar que é mais fácil perder essa confiança que uma confiança por todo o conhecimento científico (ou pelo menos pelo o que o não-especialista entende por conhecimento científico). A objetividade dos fatos não pode ser relativizada para preservar crenças e valores comunitários, mas mesmo assim, essa relação sensível entre o conhecimento especializado e crenças subjetivas deve ser tratada com certa diplomacia.
Prezando pela confiança na ciência, o especialista deve sempre se policiar de modo a evitar ser tendencioso e assim divulgar suas meras crenças arbitrárias como se fosse conhecimento realmente cientifico. Também é comum que busque legitimar tal atitude pela “imagem de autoridade” que inspira.
O especialista deve também evitar ser hermético e fortalecer qualquer resquício pré-moderno de um caráter esotérico da posição de especialista. Falar difícil não ajuda aqui. (Hermético, esotérico e pré-moderno, numa frase só, talvez “não seja uma boa”, mas ajudou a provar nosso ponto).
Na verdade, para equilibrar tensões o especialista deve ser simpático a mediações, modos de transmitir seu conhecimento, mesmo que signifique nessa transmissão apelar para certa simplificação. Afinal, a função do especialista e do cientista é gerar conhecimento que não sirva somente a um nicho mas a toda sociedade.
Não estamos sugerindo que a autonomia do cientista deva ser comprometida em prol de seu impacto social. Cientistas não são políticos (e isso serve a todas disciplinas científicas, não só as ciências humanas). Weber em seu ensaio “Ciência como Vocação” atenta para a necessidade do cientista ater-se ao seu trabalho como especialista, e recusar-se a se enxergar como condutor da sociedade.
Uma separação entre crenças, filiações ideológicas e valores do cientista e seu trabalho é necessária. Mas isto não significa que o cientista deva se fechar numa bolha: seu trabalho deve impactar, e de fato impacta o mundo. Mas esse impacto não está numa função política da ciência, mas sim na sua função em esclarecer a realidade e fornecer meios técnicos para aprimorar a sociedade. Ater-se a estas funções por si só já podem ajudar na manutenção da confiança na comunidade de especialistas, e afastar a imagem do especialista como sujeito tendencioso.
Este artigo faz parte da série: “Coronavírus: o que fazer para nunca mais acontecer”.
Autores: Fernando Moreno, Caio Freire e Lucas Favaro.
O que não pudemos incluir no texto (mas que você pode se interessar em ler para se aprofundar):
A revolta do público e a crise de autoridade na sociedade em rede
Por qual motivo a ciência e os especialistas eram menos questionados no passado recente?