Resumo: As exigências morais e o futuro distante

Este é um resumo do documento de trabalho do GPI “Moral demands and the far future” de Andreas Mogensen. O resumo foi escrito por Rhys Southan.

Tradução: Alphatrad                      Revisão: Ramiro Peres

O consequencialismo consiste em considerar que o bem e o correto coincidem: as ações corretas são aquelas que maximizam o bem e minimizam o mal. A forma mais conhecida de consequencialismo é o utilitarismo. Ao convocar a moralidade para sobrepor-se a todo o resto de nossas vidas, o utilitarismo inspira assim o que é conhecido como a objeção de exigência: que o utilitarismo exige demasiado de nós e por isso é inaceitável como teoria moral. 

Em “Moral demands and the far future”, Mogensen argumenta que as discussões sobre a exigência em filosofia moral ou não compreenderam o problema ou não conseguiram reconhecer dimensões importantes do mesmo. O potencial valor do futuro distante coloca estes aspectos em foco. Se isto for devidamente tido em conta, vários aspectos do debate sobre a exigência moral poderão ter de ser revistos. Alguns dos argumentos que desmoronam sob esta consideração incluem: permissão para a consideração do auto-interesse, a suposta redução da exigência do utilitarismo em “mundos moralmente normais”, argumentos de “partilha justa”, e os ônus passivos sobre aqueles que sofrem na ausência de ajuda. 

O valor do futuro

Pelo menos desde o artigo de Singer de 1972 “Famine, Affluence, and Morality”, pensava-se que as alegadas exigências mais excessivas da moralidade referiam-se ao poder dos relativamente privilegiados de melhorar as vidas das pessoas mais pobres em todo o mundo. Recentemente, porém, os filósofos morais começaram a pensar que o enorme número de possíveis futuras pessoas nos impõe um fardo moral ainda maior (Beckstead 2013, Ord 2020, Greaves & MacAskill 2021). Em suma, há tantos seres possíveis que poderiam existir no futuro que os seus interesses superam os nossos devido ao seu número esmagador. 

Exigências morais e o futuro distante na filosofia e economia

A ideia de que qualquer geração pode precisar de dar prioridade às gerações futuras acima de tudo é nova para a filosofia, mas os economistas têm debatido isto há cerca de um século. Os economistas enquadram a questão como o quanto cada geração deve poupar para otimizar a produção económica. Os seus modelos sugerem que se não descontarmos em nada o valor das gerações futuras, cada geração deverá poupar entre 50% a 97,5% do seu rendimento líquido para um crescimento económico intergeracional ótimo. Isto parece excessivo. 

Alguns economistas sugerem, por conseguinte, o “desconto temporal puro” – tratando as coisas boas e as más na vida das pessoas futuras como menos significativas apenas porque as pessoas futuras nascem mais tarde. Contudo, é difícil pensar numa justificação fundamentada para isto, e mesmo que houvesse, não ajudaria realmente, uma vez que estes bens e males futuros devem ser descontados até níveis incrivelmente baixos para evitar exigências de poupanças excessivas. 

Uma segunda abordagem poderia ser a de rejeitar mais fortemente a desigualdade. Isto poderia permitir favorecer-nos em relação às gerações futuras, se pensarmos que as gerações futuras são geralmente mais ricas do que as anteriores. No entanto, esta rejeição ultra forte da desigualdade deve ser extremamente desproporcionada para cancelar as exigências de melhoria do futuro distante, o que apenas transfere as exigências excessivas para o nosso próprio tempo. Todos seriam agora obrigados a abdicar da maior parte dos seus recursos para ajudar as pessoas em pior situação no presente, mesmo com melhorias minúsculas – assim exigindo ainda mais do que o utilitarismo global centrado na pobreza foi originalmente acusado de fazer. 

Será isto apenas uma exigência excessiva da Economia, visando a otimização em vez de resultados suficientemente decentes? Pode-se esperar que a filosofia nos ajudasse aqui. Infelizmente, muito do que os filósofos têm feito para lidar com a exigência moral desmorona-se quando reconhecemos o futuro distante da vida senciente como a fonte das nossas exigências morais.

Permitir a consideração do auto-interesse

Uma sugestão bem conhecida para reduzir a exigência moral é abandonar a imparcialidade do utilitarismo e permitir a cada um pesar mais os seus próprios interesses pessoais. Isto implica, por exemplo, que se alguém tem uma fome moderada, não é moralmente errado comer mesmo que haja outra pessoa com mais fome. 

Isto parece reduzir a exigência de que pessoas ricas ajudem seus contemporâneos mais pobres. Mas é paralelo ao problema do desconto temporal puro, na medida em que não pode colocar uma restrição nas exigências do futuro distante, a menos que enviesemos a ponderação a nosso favor obscenamente. Teríamos de pensar que é aceitável pesar a nossa própria vida cem milhões de vezes mais que a vida futura, a fim de favorecer os nossos próprios interesses em detrimento dos das pessoas do futuro. Se presumirmos que os seres do futuro são muito parecidos connosco, apenas com culturas diferentes e tecnologias mais avançadas, isso é muito difícil de justificar.

Partilha justa

O utilitarismo assume que as exigências de benevolência dependem inteiramente do bem que se pode fazer. Desta forma, fomenta o “problema do carona”: se algumas pessoas praticam o bem muito pouco, então outras, que já fizeram muito, continuam a ser moralmente obrigadas a arcar com as demandas daquelas. Seria aparentemente menos exigente, e mais justo, se as obrigações morais fossem divididas pelo quanto que cada um de nós teria de fazer se todos contribuíssem – e depois deixar essas obrigações fixas, mesmo que exista preguiça moral generalizada e, portanto, haja muito mais bem a ser feito. Mas isso “sai pela culatra” quando as demandas morais nos são remetidas a partir de um futuro distante. 

A conformidade moral plena inclui a conformidade por parte das gerações futuras. Se esperássemos que as próximas gerações deixassem o mundo implodir, não haveria muito valor no futuro, independentemente do que fizéssemos, por isso valeria mais a pena concentrarmo-nos em nós próprios. Se, em vez disso, imaginarmos que todas as gerações a partir de agora irão trabalhar devotamente para ampliar e melhorar a existência de vida senciente, é muito mais provável que este objetivo seja alcançado – o que ironicamente aumenta a pesada obrigação de ajudar a alcançá-lo. Em vez de nos libertar das obrigações, imaginar uma plena conformidade moral aumenta o valor esperado do futuro distante e, por conseguinte, as nossas obrigações em relação a ele. 

Mundos moralmente normais

Alguns filósofos argumentam que o utilitarismo só parece exigente porque estamos num mundo invulgarmente mau. Se estivéssemos num mundo “moralmente normal”, que já tivesse uma distribuição da riqueza mais equitativa, instituições menos opressivas, e não estivesse num estado de emergência constante, maximizar o bem e minimizar o mal não seria tão difícil. 

Mais uma vez, ter de pensar no futuro distante enfraquece este argumento. Um valor excessivamente elevado para melhorar o futuro distante não implica necessariamente uma disfunção moral. Talvez o futuro possa ser bom, justo e equitativo sem as nossas intervenções, mas poderia ser ainda mais glorioso e duradouro se nos dedicássemos à sua melhoria. A exigência de nos dedicarmos à sua melhoria mantém-se. 

Ônus Passivos

Outra forma de questionar a exigência do utilitarismo é salientar que embora possa parecer que coloca ônus esmagadores sobre pessoas relativamente privilegiadas para ajudar os mais desfavorecidos, estes ônus “ativos” são menores em comparação com os ônus “passivos” sobre os menos afortunados que são deixados a sofrer na pobreza. Na prática, então, o utilitarismo deveria reduzir os ônus em geral, obrigando os ricos a aliviar os ônus dos pobres. 

Este argumento obviamente tem em mente a disparidade da riqueza global. Considerar o futuro distante realça este argumento de pelo menos duas maneiras. Uma é que se espera agora que os utilitaristas ignorem o sofrimento dos seus contemporâneos mais pobres para concentrarem a sua atenção nos que ainda não existem. Uma segunda é que a melhoria do valor do futuro distante através do aumento da esperança de vida da existência senciente poderia ter também a consequência não intencional de aumentar os ônus futuros. Mesmo que o bem-estar médio aumente dramaticamente no futuro, podemos esperar que algumas vidas futuras sejam miseráveis por pura má sorte. Aumentar o número de futuros indivíduos, através da redução dos riscos existenciais, aumentaria também, por conseguinte, a quantidade absoluta de danos e de vidas globalmente más.    

Conclusão

Reexaminar a objeção de exigência ao utilitarismo à luz do vasto potencial do futuro mina alguns argumentos anteriores em defesa do utilitarismo. Por outro lado, a rejeição do utilitarismo não parece ajudar-nos. Neste momento, os filósofos acabam de começar a reconhecer alguns dos problemas que surgem quando tomamos em consideração os interesses das pessoas do futuro. Há claramente muito mais trabalho a ser feito.

Referências

Nicholas Beckstead (2013). On the Overwhelming Importance of Shaping the Far Future. PhD thesis, Rutgers University. 

Paul Christiano (2014). We can probably influence the far futureRational Altruist

Hilary Greaves & William MacAskill (2021). The case for strong longtermismGPI Working Paper (No. 5-2021). 

Andreas Mogensen (2020). Moral demands and the far futurePhilosophy and Phenomenological Research, 1–19. doi:10.1111/phpr.12729

Toby Ord (2020). The Precipice: Existential Risk and the Future of Humanity. London: Bloomsbury.

Peter Singer (1972). Famine, affluence, and moralityPhilosophy and Public Affairs, 1(3), 229–243. 

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