Resumo: Apostando em nosso futuro: o longotermismo deontológico e o problema da não-identidade

Este é um resumo do Working Paper do GPI Staking our future: deontic long-termism and the non-identity problem” de Andreas Mogensen. O resumo foi escrito por Rhys Southan.

Tradução: Alphatrad                      Revisão: Ramiro Peres

Em “The case for strong longtermism”, Greaves e MacAskill (2021) argumentam que os potenciais efeitos futuros são o fator determinante mais importante do valor das nossas opções. Isto é “um forte longotermismo axiológico”. Em alguns pontos de vista, podemos alcançar um valor astronómico ao tornar a futura população de vidas com valor positivo muito maior do que teria sido de outro modo. A questão de saber se é intrinsecamente bom acrescentar vidas que valham a pena viver à população é, no entanto, controversa. Greaves e MacAskill argumentam que a defesa de um longotermismo forte também pode ser feita centrando-se na possibilidade de melhorar o bem-estar futuro esperado, condicionado à existência de uma futura população de grande dimensão e de tamanho relativamente fixo, ou seja, centrando-se nas perspetivas de gerar grandes quantidades de valor esperado através de melhorias no bem-estar médio das futuras pessoas. Deste modo, diz-se que o argumento é robusto ao longo de variações plausíveis dos pressupostos de ética populacional.

Estes também defendem o “longotermismo deontológico forte” – a opinião de que aumentar o valor do futuro distante é o que somos moralmente obrigados a fazer. 

No entanto, pode ser que a obtenção dos resultados mais valiosos nem sempre seja moralmente exigida. Por esta razão, o fato de um forte longotermismo axiológico estar correto não garante que o seu análogo deontológico também esteja. Greaves e MacAskill precisam de um argumento adicional para nos conduzir do primeiro para o segundo. 

Em “Staking our future: deontic long-termism and the non-identity problem”, Mogensen defende que tal argumento não será bem-sucedido, pelo menos não na medida em que o foco seja elevar o nível médio de bem-estar das futuras pessoas a maiores alturas. Isto deve-se a uma característica essencial da melhoria do bem-estar médio do futuro longínquo: ela não aumenta o bem-estar de ninguém em particular.

O Problema da Não Identidade

Esta característica deve-se ao que Parfit (1984) chamou o “Problema da Não Identidade”. Este problema resulta da natureza da identidade pessoal e da reprodução. Para os mamíferos e muitos outros organismos vivos, a combinação de determinados gâmetas (células reprodutivas) determina as identidades dos que virão a existir. Qualquer combinação particular de gâmetas é uma coincidência temporal que muito provavelmente não poderia ter ocorrido se alguma coisa no ambiente circundante fosse diferente. Ao caminhar pela rua e fazer um estranho parar, pode-se alterar quem nascerá mesmo num futuro próximo, uma vez que é provável que isto altere o momento de muitas conceções. As intervenções para melhorar o mundo daqui a muitos séculos afetam as identidades de todos os que existirão no tempo visado. Suponhamos que consigamos tornar o futuro mais feliz. Então não somos apenas responsáveis por uma média de felicidade mais elevada, mas também pela composição individual da população que desfruta de vidas extraordinárias no futuro.

Contudo, para qualquer indivíduo, ter uma vida extraordinária não é uma melhoria de bem-estar em relação a nunca existir, uma vez que aqueles que nunca vivem carecem completamente de bem-estar. Assumindo que as ações que executamos agora levam a que as pessoas do futuro tenham vidas muito melhores do que as vidas que de outra forma teriam existido, estas pessoas do futuro não estarão em melhor situação do que se não tivéssemos feito nada. Isto porque a alternativa teria sido a sua não existência, em vez de terem uma menor quantidade de bem-estar. 

E assim, o aumento do bem-estar médio futuro não aumenta o bem-estar de nenhuma pessoa em particular. O desafio de Mogensen para um longotermismo deontológico forte é que o aumento do bem-estar desta forma impessoal não é moralmente obrigatório, embora possa ser a melhor coisa que possamos fazer. 

O exemplo de uma mulher imaginária chamada Hiroko ajuda a defender a sua opinião. 

Suponhamos que Hiroko pode ter ou uma criança moderadamente feliz ou nenhuma criança e que ela ficará igualmente satisfeita, seja qual for a sua escolha. Intuitivamente, parece ser moralmente permitido a Hiroko ter a criança moderadamente feliz, mesmo que esta criança fosse menos feliz do que a média mundial (mas ainda tivesse uma vida que valesse a pena viver). 

Mas e se a escolha de Hiroko fosse antes entre ter um filho gloriosamente feliz e não ter nenhum filho de todo, e ela estivesse mais uma vez igualmente satisfeita de qualquer maneira? Intuitivamente, parece que é permitido que Hiroko não tenha filhos, ainda que isso seja pior para o bem-estar no mundo. 

Agora suponhamos que Hiroko está a escolher entre ter um filho moderadamente feliz, ou ter um outro filho gloriosamente feliz, ou não ter nenhum filho. Mais uma vez, ela estará igualmente satisfeita com qualquer escolha que fizer. Será ainda admissível que ela tenha um filho moderadamente feliz? Tendo em conta os nossos julgamentos anteriores, é difícil ver porque não. Se é admissível que ela não tenha filho algum em vez do filho gloriosamente feliz, e se é admissível que ela tenha um filho moderadamente feliz em vez de não ter nenhum filho, como poderia ser inadmissível que ela tivesse o filho moderadamente feliz em vez do filho gloriosamente feliz? 

Esse raciocínio não precisa negar que é melhor para Hiroko ter o filho gloriosamente feliz. Não implica sequer negar que ela tem uma razão moral para ter o filho gloriosamente feliz. O que lhe falta é uma obrigação de ter o filho gloriosamente feliz, em vez do filho moderadamente feliz. Talvez porque ter um filho gloriosamente feliz em vez de um filho (diferente) moderadamente feliz não é melhor para ninguém em particular, e ter um filho moderadamente feliz em vez de um filho gloriosamente feliz não é pior para ninguém em particular. Embora seja melhor criar o filho gloriosamente feliz do que o filho moderadamente feliz ou não ter nenhuma criança, contribuir para o bem-estar do mundo desta forma impessoal é moralmente bom, mas não obrigatório. 

Justificações, requisitos e a admissibilidade de um futuro moderadamente feliz 

Gert (2000, 2003) faz uma distinção relevante sobre funções e força de razões morais. As razões morais podem justificar certas respostas e podem exigir certas respostas, e ambos os papéis podem variar em força. Por exemplo, somos obrigados a cumprir uma promessa a um amigo, mas se é uma promessa menor de que o amigo nem sequer se lembra, a exigência de a cumprir pode ser fraca. Esta promessa tem uma fraca “força de exigência”. Um requisito ainda mais fraco, sem dúvida, é salvar a vida de um desconhecido com um enorme risco para si próprio. No entanto, salvar um desconhecido tem tanta “força justificadora” que é permitido quebrar uma promessa importante para salvar um desconhecido – mesmo que o cumprimento da promessa tivesse sido fortemente exigido de outra forma e salvar o desconhecido não fosse de todo necessário. 

As três opções de Hiroko quanto à procriação podem ser admissíveis porque criar uma vida gloriosamente feliz tem muita força justificadora, enquanto criar uma vida moderadamente feliz tem força justificadora menor – mas ambas não têm qualquer força de exigência. Hiroko nunca é obrigada a ter um filho, mas pode justificar fazê-lo; dependendo da força desta justificação, ela pode prevalecer sobre outras considerações, incluindo exigências morais. Se ter um filho seria um grande inconveniente para Hiroko e outros, implicando quebrar muitas promessas, mas mesmo assim ela considera ter um filho, pode ser necessário ter o filho gloriosamente feliz para justificar os custos para si própria e para os demais. No entanto, se nada pesa contra Hiroko ter um filho, poderia ser admissível que ela tivesse o filho moderadamente feliz em vez do gloriosamente feliz, pois ela não precisa de uma justificação forte.  

Como é que isto é relevante para um forte longotermismo deontológico? Imagine que Hiroko opte por ter o filho moderadamente feliz em vez do filho gloriosamente feliz, e nada pesa suficientemente para tornar proibido que ela tenha um filho. Assim, agora ela tem um filho moderadamente feliz e está novamente a decidir se quer ter ou filho nenhum, ou um filho moderadamente feliz, ou um filho gloriosamente feliz – e opta por ter outro filho moderadamente feliz. Parece que, enquanto não houver uma razão importante contra ela ter um filho, é admissível que ela continue a ter filhos moderadamente felizes em vez de filhos gloriosamente felizes para sempre. Isto é assim, mesmo que leve a um futuro moderadamente feliz, em vez de um gloriosamente feliz. Além disso, também lhe seria permitido não ter filhos, mesmo que isso levasse a um total muito inferior de bem-estar positivo no mundo. 

Conclusão

A implicação de um longotermismo deontológico forte é esta: aumentar o bem-estar num futuro distante tem uma enorme força justificadora, talvez até suficiente para negligenciarmos nossos deveres morais, tais como melhorar o bem-estar daqueles que existem agora. No entanto, como não melhora o bem-estar de ninguém em particular, não somos obrigados a ajudar a trazer o melhor futuro possível. Portanto, não há nenhum argumento sólido que nos leve de um longotermismo axiológico forte a um longotermismo deontológico forte, pelo menos não na medida em que o foco é elevar o nível médio de bem-estar de futuras pessoas a níveis mais altos.

Se, no entanto, nos dedicarmos a melhorar o futuro distante, estaremos a agir a serviço do bem mais elevado. Todavia, se optarmos por não o fazer, isso não significa que possamos ao invés disso jogar videogames. Sem o poder justificador do futuro distante, podemos não ter desculpa para negligenciar as nossas exigências morais para o aqui e agora.  

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