O mundo está horrível. O mundo está muito melhor. O mundo pode ser muito melhor.

De Max Roser

É errado pensar que essas três afirmações se contradizem. Precisamos entender que as três são verdadeiras para também entender que um mundo melhor é possível.

O mundo está horrível. O mundo está muito melhor. O mundo pode ser muito melhor. As três afirmações são verdadeiras ao mesmo tempo.

Discussões sobre o estado do mundo muitas vezes se concentram na primeira afirmação: as notícias destacam o que está errado, raramente mencionando qualquer desenvolvimento positivo.

A resisistência a essa narrativa leva a um outro extremo, igualmente prejudicial. Comunicar apenas o progresso que o mundo alcançou poderia ser inútil, ou mesmo repugnante, quando encobre os problemas que as pessoas estão enfrentando.

É difícil resistir aos encantos de apenas uma dessas perspectivas. Mas para entender que um mundo melhor é possível precisamos entender que ambas perspectivas são verdadeiras ao mesmo tempo: o mundo está um lugar horrível e o mundo está muito melhor.

Se só vemos os problemas e só ouvimos o que está dando errado, não temos esperança de que o futuro possa ser melhor. Se só ouvimos sobre progresso e o que está dando certo, nos tornamos complacentes e perdemos de vista os problemas que o mundo enfrenta. Ambas essas perspectivas estreitas têm a mesma consequência: deixam-nos sem fazer nada, são visões de mundo que nos paralisam.

É difícil resistir a ceder a apenas uma dessas perspectivas. Mas para ver que um mundo melhor é possível, precisamos ver que ambas são verdadeiras ao mesmo tempo: o mundo está horrível e o mundo está muito melhor.

Para ilustrar o que quero dizer, usarei o exemplo de uma das maiores tragédias da humanidade: a morte de suas crianças.

O que é verdade para a mortalidade infantil é verdade para muitos outros grandes problemas. A humanidade enfrenta muitos problemas nos quais as coisas melhoraram ao longo do tempo, que ainda são terríveis e para os quais sabemos que as coisas podem melhorar.1

O mundo está horrível

Globalmente, 4,4% das crianças morrem antes dos 15 anos. Esses são os dados para 2021, o último ano disponível.

Isso significa que 5,9 milhões de crianças morrem a cada ano: 16.000 crianças mortas em qualquer dia normal e 11 crianças a cada minuto.2

Claramente, um mundo onde milhares de tragédias acontecem todos os dias é horrível.

O mundo está muito melhor

A grande lição da história é que as coisas mudam. Mas é bem difícil imaginar como as condições de vida eram terríveis e isso torna difícil entender o quanto o mundo mudou.

Os dados podem ajudar a assimilar a mudança de escala. Os historiadores estimam que, no passado, cerca de metade de todas as crianças morriam antes de chegar ao fim da puberdade. Isso era verdade não importa em que lugar do mundo que essa criança nascia e só começou a mudar no século XIX, apenas algumas gerações atrás.3

É difícil imaginar, mas a mortalidade infantil nos lugares mais desfavorecidos hoje é muito melhor do que em qualquer outro lugar do passado. Mesmo nos países mais ricos do mundo, a mortalidade infantil era muito maior, mesmo recentemente. No Níger, o país com a maior mortalidade hoje, cerca de 14% de todas as crianças morrem. 4 Apenas algumas gerações atrás, a taxa de mortalidade era mais de três vezes maior, mesmo nos lugares mais ricos.5

O que aprendemos com nossa história é que é possível mudar o mundo. Infelizmente, dados de longo prazo sobre como as condições de vida mudaram raramente são estudados na escola e raramente são divulgados na mídia. Por conta disso, muitos desconhecem completamente até mesmo os desenvolvimentos positivos mais fundamentais do mundo.

Mas esse fato – que é possível mudar o mundo e alcançar um progresso extraordinário para sociedades inteiras – é algo que todos deveriam saber.

O mundo pode ser muito melhor

O progresso visto ao longo do tempo mostra que foi possível mudar o mundo no passado, mas sabemos se é possível continuar esse progresso no futuro? Ou talvez tenhamos nascido naquele momento infeliz da história em que o progresso tem que parar?

Os dados globais sugerem que a resposta é não. É possível melhorar o mundo.

Uma maneira de enxergarmos isso é olhando para os lugares do mundo com as melhores condições de vida hoje. Esses lugares mostram que uma mortalidade infantil extremamente baixa não só é uma possibilidade como já é uma realidade.

A região do mundo onde as crianças têm mais chances de sobreviver à infância é a União Europeia. A taxa de mortalidade na UE é de 0,47%: 99,53% de todas as crianças nascidas na UE sobrevivem à infância.6

Para entender o quanto o mundo pode ser melhor, podemos nos perguntar como seria o mundo se a realidade da UE fosse a realidade em todo lugar. E se as crianças de todo o mundo estivessem tão bem quanto as crianças da UE? A resposta é que cinco milhões de crianças a menos morreriam a cada ano.7

O número de mortos em todo o mundo diminuiria de 5,9 milhões para 0,6 milhão.

É claro que a taxa de mortalidade infantil na UE ainda é muito alta e não há razão pela qual o progresso deva parar por aí. Cânceres como leucemia e tumores cerebrais matam centenas de crianças, mesmo nos países mais ricos de hoje. Devemos nos esforçar para encontrar maneiras de evitar essas mortes trágicas.

No entanto, as maiores oportunidades para prevenir a dor e o sofrimento das crianças estão nos países mais pobres. Lá sabemos não apenas que as coisas podem ser melhores, mas como torná-las melhores.

Você mesmo pode fazer uso das pesquisas sobre como tornar o mundo um lugar melhor e assim contribuir para esse progresso. Eu recomendo confiar nas pesquisas publicadas pela organização sem fins lucrativos GiveWell.org8. A equipe da GiveWell passou anos identificando as melhores ONGs em termos de custo-efetividade para que a sua doação possa ter o maior impacto positivo possível na vida de outras pessoas. Várias das organizações recomendadas concentram-se na melhoria da saúde das crianças, o que lhe dá a oportunidade de contribuir para o progresso contra a mortalidade infantil.

Milhões de mortes de crianças são evitáveis. Sabemos que é possível tornar o mundo um lugar melhor.

O mundo está horrível, e é por isso que precisamos saber mais sobre o progresso

As notícias geralmente se concentram em como o mundo está horrível. Há uma grande audiência para más notícias e é mais fácil assustar as pessoas do que incentivá-las a alcançarem mudanças positivas.

Concordo que é importante que saibamos o que há de errado com o mundo. Mas, dada a escala do que já alcançamos e do que é possível no futuro, acho irresponsável apenas relatar o quão terrível está nossa situação.

Notar que o mundo se tornou um lugar melhor não significa negar que estamos enfrentando problemas gravíssimos. Ao contrário, se tivéssemos alcançado o melhor dos mundos possíveis, eu não passaria minha vida escrevendo e pesquisando sobre como chegamos até aqui. É porque o mundo ainda está terrível que é tão importante ver como o mundo se tornou um lugar melhor.

Eu gostaria que pudéssemos mudar nossa cultura para que levássemos mais a sério essa possibilidade de progresso. Este é um problema solucionável: temos os dados e a pesquisa, mas atualmente não os estamos usando. Os dados geralmente são armazenados em bancos de dados inacessíveis, e a pesquisa trancada é atrás de paywalls e enterrada sob jargões em trabalhos acadêmicos. Com a Our World in Data, queremos mudar isso.

Se queremos que mais pessoas dediquem sua energia e dinheiro para tornarem o mundo um lugar melhor, precisamos tornar muito mais conhecido o fato de que é possível tornar o mundo um lugar melhor.

Para isso, temos que lembrar que todas as três afirmações são verdadeiras ao mesmo tempo: o mundo está horrível, o mundo está muito melhor e o mundo pode ser muito melhor.

Notas

1. Em vários aspectos fundamentais – obviamente não em todos – conseguimos progressos muito substanciais. Esses aspectos incluem educação, liberdade política, violência, pobreza, nutrição e alguns aspectos das mudanças no meio ambiente. Veja também minha breve história das condições de vida globais.

2. Exceto pelos dados históricos, todos as informações deste post foram retiradas do IGME, o Grupo Interagencial das Nações Unidas para Estimativa de Mortalidade Infantil. Eles publicam seus dados aqui: childmortality.org/data/World.

A estimativa pontual para o número global de mortes de crianças menores de 15 anos em 2021 é de 5.862.574.

A estimativa de mortes de crianças entre 5 e 14 anos é de 868.942. A soma é 5.040.610+868.942=5.909.552

Isso significa que, em média, há: 5.862.574 / 365,25 = 16.051 mortes infantis por dia, 5.862.574 / (365,25 * 24) = 669 mortes infantis a cada hora, e 5.862.574 / (365,25 * 24 * 60) = 11,15  mortes infantis a cada minuto.

3. Se ainda sofrêssemos das mesmas condições de saúde precárias de nossos ancestrais, mais de 60 milhões de crianças morreriam todos os anos. Não sabemos quantas crianças realmente morreram naquele período, porque dados para o mundo todo com o número de nascimentos daquela época não estão disponíveis. Para as décadas de 1950 e 1960 temos estimativas tanto do número de nascimentos quanto da taxa de mortalidade e os registros mostram que cerca de 20 milhões de crianças morriam a cada ano. Veja esses dados aqui.

4. Veja nosso gráfico de mortalidade de menores de 15 anos.

5. Veja esses dados em Mortalidade no passado – cerca de metade das pessoas morriam quando criança.

6. A taxa de mortalidade infantil na UE — 0,47% — foi calculada como a média ponderada da taxa de mortalidade infantil dos seguintes países: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Chéquia, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Suécia. Os dados também são de 2021 e também da mesma fonte (UN-IGME). Os pesos são atribuídos com base no número de crianças com menos de 15 anos.

Se olharmos para países isolados, essa diferença torna-se ainda mais impressionante, pois nos países com melhor saúde, a taxa de mortalidade infantil é novamente quase duas vezes menor do que na UE como um todo.

Os países com as menores taxas de mortalidade hoje incluem San Marino, Noruega, Japão, Finlândia, Singapura, Islândia e Eslovênia, onde 99,7% de todas as crianças sobrevivem. Este gráfico mostra a classificação. No entanto, como vários desses países são pequenos, não baseei este texto nos dados de nenhum país específico, mas em uma grande região mundial onde milhões de crianças nascem todos os anos.

7. O número global de mortes de crianças, conforme relatado acima, é de 5.862.574.

5.862.574 – 5.862.574 / (4,4 / 0,47) = 5.236.345 menos crianças morreriam se a taxa de mortalidade global fosse de 0,47% em vez de 4,4%. O número de crianças que morreria se a taxa de mortalidade global fosse 0,47% seria 5.862.574-5.236.345=626.229.

8. Nota do Tradutor: no Brasil, a doebem intermedia doações para as organizações recomendadas pela GiveWell.

Agradecimentos: Gostaria de agradecer a Hannah Ritchie e Toby Ord por seus comentários.


Tradução: Fernando Moreno

Revisão: Luan Marques

Publicado originalmente em outubro de 2018 (última atualização em fevereiro de 2024) aqui.

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