Área de causa: adaptação climática em países de baixa renda

De Karthik Tadepalli

Resumo

Esta é uma investigação sobre a adaptação climática em países de renda baixa e média como área de causa para altruístas eficazes. Utilizo adaptação climática para descrever esforços para reduzir o dano sofrido a partir de qualquer determinado nível de mudança climática, e utilizo mitigação climática para descrever reduções nas próprias mudanças climáticas (p. ex., por meio da redução de emissões de carbono, captura de carbono, geoengenharia, etc.).

AEs historicamente avaliaram as mudanças climáticas como um problema longotermista em potencial, focando no seu risco existencial potencial. O perfil de problema do 80.000 Horas foca somente no modo como as mudanças climáticas poderiam afetar o futuro a longo prazo. Dessa perspectiva, o problema geralmente tem sido rejeitado como não propenso a causar risco existencial. Nesta análise, adoto um enquadramento diferente das mudanças climáticas como inequivocamente uma preocupação (“curtotermista”) de saúde e bem-estar globais, pois lida com questões que já estão acontecendo (aumento de temperaturas, risco de tempestades/inundações, secas, etc.) e só se tornarão mais importantes nas próximas décadas. Dado isso, meu resumo subjetivo da adaptação climática é o seguinte:

  • Importância: 9,5/10. Usando diferentes estimativas de modelos do custo social do carbono, estimo que a adaptação climática poderia mitigar 44-73% de todos os danos climáticos, o que a torna bem importante mesmo pelas análises mais céticas como área de causa.
  • Negligência: 9/10. Muito poucas ações estão sendo realizadas para apoiar a adaptação climática em países de baixa renda. Na teoria, incentivos de mercado apoiam a adaptação ao clima cambiante, mas com altas fricções de adaptação e baixas rendas para apoiar essas iniciativas, essa é uma solução parcial na melhor das hipóteses.
  • Tratabilidade: 6/10. Diferentemente da mitigação climática, a adaptação não envolve problemas de coordenação global, tornando muito mais fácil implementar soluções para ela. Ademais, as políticas ficaram atrás das pesquisas nesta área, que desenvolveram uma grande base de conhecimento para sustentar intervenções de adaptação climática. Descreverei várias intervenções embasadas pelas pesquisas para melhorar a adaptação climática. No entanto, a escassez de trabalhos existentes nesta área significa que há pouca capacidade para implementá-las, e também uma incerteza substancial sobre a sua eficácia.

Conclusão: a adaptação climática é muito importante e negligenciada. É tratável na teoria, mas a escassez de organizações trabalhando na adaptação significa que doações nesta área provavelmente não superariam as melhores organizações da GiveWell. Como resultado, as contribuições mais importantes nesta área vêm provavelmente de incubadoras que possam sustentar a criação de novas organizações para trabalhar na adaptação climática e de pessoas que possam defender organizações climáticas existentes no desenvolvimento de projetos de adaptação. Na medida que os doadores possam ajudar isso a acontecer, recomendo-a fortemente como área de construção de capacidade: a adaptação climática é necessária para melhorar as vidas de centenas de milhares de pessoas durante o próximo século.

O problema

As mudanças climáticas já estão aqui. 2021 presenciaram a onda de calor mais extrema do mundo na América do Norte, resultando em US$ 11 bilhões de danos, e a onda de calor em curso no Sul da Ásia causou a inundação de um lago glacial, apagões generalizados e pelo menos 100 mortes. Apesar desse fato, praticamente a totalidade do financiamento e da defesa relativa ao clima foca na mitigação das causas das mudanças climáticas durante o próximo século, em vez da adaptação aos seus efeitos agora mesmo. Precisamos mudar nossa perspectiva sobre as mudanças climáticas: não é só um fenômeno com efeitos a longo prazo; é um conjunto de mudanças ambientais em curso com danos em curso.

Conforme as temperaturas aumentam e eventos de calor extremo se tornam mais comuns, mais pessoas morrem de insolação e mais colheitas se perdem (Huang et al, 2011). Patógenos letais como a malária crescem em ambientes recém-aquecidos onde as pessoas nunca lidaram com eles antes (Couper et al, 2021). Cidades costeiras sofrem uma inversão da fortuna conforme se tornam mais propensas a inundações e ciclones (Balboni, 2021). Em vez de apostar todas as fichas num único número dedicando todos os nossos esforços à mitigação climática, podemos reduzir substancialmente esses danos ao nos adaptarmos diretamente às mudanças climáticas que já estão acontecendo.

A adaptação climática é um tema enorme, com muitos efeitos e efeitos muito heterogêneos para ser analisada de forma útil como uma única área de causa. Nesta análise, limito o escopo de duas maneiras.

  1. Foco na adaptação em países de baixa renda. Os danos climáticos provavelmente serão muito maiores nesses países, pois irão encarar mudanças térmicas mais extremas e ter menos capacidade de governança para lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Ademais, por causa das diferenças contextuais entre países de baixa renda e países mais ricos, as melhores intervenções para melhorar a adaptação climática não são necessariamente as mesmas em ambos os contextos. Por exemplo, países ricos já têm um acesso generalizado à tecnologia de refrigeração, mas difundir a tecnologia de refrigeração provavelmente é bem importante em países de baixa renda. Por outro lado, países ricos são propensos a sofrer um movimento em direção aos polos de doenças transmitidas por insetos como a malária, ao passo que países de baixa renda mais tropicais serão menos afetados. Assim, nesta análise limitarei meu foco ao conjunto de países de maior impacto onde as intervenções podem ser amplamente úteis perpassando os países.
  2. Foco na adaptação ao aumento nas temperaturas e ignoro outros elementos das mudanças climáticas (p. ex., aumentos nos desastres naturais). Isso não é porque esses outros efeitos são menos importantes — de fato, Hsiang e Jina (2014) descobrem que desastres naturais causam danos econômicos duradouros e o aumento da sua prevalência poderia acrescentar incríveis US$ 10 trilhões aos custos sociais das mudanças climáticas. Em vez disso, esse custo é só para manter a análise focada num conjunto coerente de questões. Agradeceria mais atenção a outros elementos das mudanças climáticas que requerem a adaptação.

Ambas essas restrições são principalmente relevantes para a seção Tratabilidade, como a estrutura-guia para as minhas intervenções propostas. Creio que as seções Importância de Negligência se aplicam a outros aspectos da adaptação climática e da adaptação climática em países de alta renda.

Importância

Definindo a importância da adaptação

Concebo a importância da adaptação climática como a proporção de dano climático que poderia ser evitado com uma adaptação substancial. Essa é uma definição útil porque captura a vantagem máxima: se a quantidade de dano climático fosse independente dos nossos esforços de adaptação, então diríamos que a adaptação não tem valor nenhum. Note que esta definição não distingue entre se essa adaptação precisa ser financiada ou ocorrerá organicamente como resultado do aquecimento — veja Negligência para uma discussão sobre a adaptação orgânica. A qualificação mais importante sobre esta definição é que, visto que ela foca na proporção de danos climáticos evitáveis, é definida com relação ao custo social das mudanças climáticas. Não estou construindo uma medida de DALY dos custos da não adaptação, nem nenhuma medida que possa ser comparada com muitas diferentes áreas de causa.

Esse é um sério conflito, mas em troca, esta definição nos ganha uma estimativa de credibilidade incomum dos custos sociais da não adaptação. O custo sociais das mudanças climáticas é resumido pelo custo social do carbono (CSC), que é estimado a partir de modelos climáticos. Na próxima seção descrevo como utilizo as estimativas de modelos climáticos de CSC para derivar o custo social da não adaptação às mudanças climáticas.

Estimando a importância a partir dos modelos climáticos

Para medir a proporção dos danos climáticos que poderiam ser evitados com a adaptação, utilizo os Caminhos Socioeconômicos Compartilhados (SSPs) desenvolvidos pela comunidade de pesquisa climática para representar diferentes cenários socioeconômicos e seus danos climáticos resultantes. Cada SSP representa uma trajetória para variáveis sociais cruciais (fertilidade, crescimento econômico, etc.) e variáveis climáticas (emissões, poluentes atmosféricos, etc.) baseados em diferentes pressupostos sobre quais políticas o mundo adotará. Essas variáveis sociais e climáticas irão interagir para determinar o custo social das mudanças climáticas.

Há cinco SSPs, que podem ser mapeados aproximadamente nas dimensões da mitigação e adaptação como: (Hsiang and Kopp, 2018)

  1. SSP1 (Sustentabilidade): mitigação alta, adaptação alta.
  2. SSP2 (Meio-Termo): mitigação média, adaptação média.
  3. SSP3 (Rivalidade Regional): mitigação baixa, adaptação baixa.
  4. SSP4 (Desigualdade): mitigação alta, adaptação alta.
  5. SSP5 (Desenvolvimento à base de combustíveis fósseis): mitigação baixa, adaptação baixa.

Esses SSPs fornecem um bom modo de capturar o valor da adaptação: SSP1 e SSP4 diferem somente no grau de adaptação, assim como SSP3 e SSP5. Isso significa que posso medir a importância da adptação como os danos reduzidos sob SSP1 (SSP5) em comparação com SSP4 (SSP3). Além disso, se interpretar o custo social do carbono como a importância da mitigação, posso derivar uma razão de importância: quão importante é a adaptação climática em comparação com a mitigação sem adaptação. Esse é um referencial útil para entender como recursos devem ser alocados entre a mitigação climática e a adaptação climática. A razão de importância para níveis de mitigação altos/baixos é

sendo SCCn o custo social do carbono estimado sob SSPn. Utilizo os cenários de adaptação baixa SSP4 e SSP3 como uma linha de base para representar o quanto podemos melhorar relativamente a eles facilitando níveis altos de adaptação.

Yang et al (2018) calculam a média do custo social do carbono a partir de nove diferentes modelos climáticos pressupondo uma taxa de desconto de 1,5% para calcular o CSC sob essas diferentes trajetórias. Eles estimam:

SSPMitigação?Adaptação?CSC Estimado
SSP1 (Sustentabilidade)AltaAltaUS$ 10/tCO2
SSP4 (Desigualdade)AltaBaixaUS$ 18/tCO2
SSP5 (Desenvolvimento à base de Combustíveis Fósseis)BaixaAltaUS$ 12/tCO2
SSP3 (Rivalidade Regional)BaixaBaixaUS$ 45/tCO2

Isso gera as razões de importância

Essas razões de importância implicam que altos níveis de adaptação reduzem danos climáticas por 44-73% com relação a uma linha de base de adaptação baixa. Sendo claro, tudo isso são danos climáticos capturados por modelos climáticos, descontados ao longo do futuro. Isso é uma enorme fração e sugere que a adaptação deve receber uma atenção comparável à mitigação climática.

Podemos nos preocupar que esse resultado pode ser motivado pela taxa de desconto de 1,5% usada nesse artigo, que é muito mais baixa do que em muitos outros. Normalizando o efeito como uma taxa entre dois custos sociais do carbono que são calculados com as mesmas taxas de desconto, posso evitar os efeitos de diferentes taxas de desconto (mais nuance na nota de rodapé).1

Comparação com outras áreas de causa

Como enfatizado antes, essa estimativa da importância da adaptação se baseia estritamente na mitigação climática. Idealmente, eu utilizaria as estimativas brutas de CSC de cada SSP para calcular um valor monetizado da adaptação e utilizaria isso para uma análise de custo-benefício que poderia ser comparada entre causas de saúde e bem-estar globais. Infelizmente, não há uma “unidade de adaptação” que possa receber um custo de dólar, pois a adaptação toma muitas formas diferentes. Isso difere da mitigação climática, que pode ser enquadrada em termos de toneladas de CO2 evitadas. Ademais, tal análise seria altamente incerta devido à influência da taxa de desconto sobre a estimativa de CSC, ao passo que as comparações que faço estão dentro da mesma taxa de desconto e assim evitam essa incerteza.

Num sentido mais amplo, minha meta não é estimar com exatidão a importância da mitigação climática ou da adaptação climática. Até as avaliações mais céticas do clima como área de causa reconhecem que a mitigação climática é tremendamente importante, e menosprezam somente em comparação com áreas de risco existencial/longotermistas. Em vez disso, minha meta é simplesmente esboçar a alocação ótima de recursos entre a mitigação climática e a adaptação climática e mostrar quão longe estão dessa alocação ótima atualmente devido a um déficit de investimento na adaptação climática.

Fontes de incerteza

Visto que tracei estimativas de importância a partir de modelos climáticos, todas as fontes de incerteza nos modelos climáticos se aplicam aqui. Pindyck (2013) critica os modelos climáticos por utilizarem funções de dano arbitrárias e serem sensíveis a fatores arbitrários como a taxa de desconto. Utilizar uma taxa de estimativas de CSC lida em parte com essas preocupações, visto que esses fatores afetam o numerador e o denominador comparavelmente, tornando a razão menos sensível a essas decisões arbitrárias. Não obstante, concordo com a cautela de Pindyck com relação a interpretar as saídas de modelos climáticos com qualquer tipo de certeza, e a inerente incerteza dos modelos climáticos não é algo que eu possa resolver plenamente nesta análise.

Outra preocupação é que essa razão de importância não representa um conceito muito preciso; afinal, só estamos comparando cenários com ideias heurísticas de adaptação “alta” e “baixa”. Isso certamente é verdade. Estou confiando fortemente na categorização da comunidade de pesquisa climática de trajetórias socioeconômicas que, em última análise, é a melhor comparação que temos para marcar o efeito da adaptação.

Tratabilidade

Diferentemente da mitigação, a adaptação climática não é um problema de coordenação. Se um lugar reduzir as emissões enquanto outros não reduzem, esse lugar dificilmente se beneficiará da mitigação. Por outro lado, se um lugar se adaptar às mudanças climáticas enquanto outros lugares não se adaptam, esse lugar se beneficia plenamente das suas medidas adaptativas. Isso torna a adaptação climática muito mais tratável para uma organização individual, em comparação com a mitigação climática, que requer a coordenação global para ser eficaz.

Nas seções seguintes, descreverei algumas intervenções promissoras para ajudar com a adaptação climática. É importante reconhecer que a maioria delas não são tiradas de práticas de organizações reais, mas antes de pesquisas que sugerem fortemente a sua eficácia. Na prática, as pesquisas precisam se traduzir em intervenções eficazes (p. ex., devido a preocupações de amplificação), de modo que essa lacuna aumenta a minha preocupação com a eficácia dessas intervenções. Não obstante, acho que elas são uma prova de conceito para como se pareceriam intervenções eficazes de adaptação climática.

Apoio à mudança de culturas

A agricultura é o setor que provavelmente será mais prejudicado pelas mudanças climáticas, e mudar as culturas plantadas tem um forte potencial de mitigar esses danos. Rising e Devineni (2020) descobrem que a mudança de culturas reduziria os danos à agricultura dos EUA pelas mudanças climáticas por 50%, e Costinot, Donaldson e Smith (2016) estimam que as perdas na agricultura pelas mudanças climáticas poderiam ser reduzidas por 66% só pela realocação ótima da produção a novos climas da parte de produtores agrícolas. Isso torna a mudança de culturas uma importante margem para a adaptação climática: se puder ocorrer de forma orgânica, as mudanças climáticas se tornam substancialmente menos preocupantes para a agricultura — e para os países cuja economia e alívio da pobreza dependem do setor agrícola.

O desafio é que não é claro se a mudança de culturas ocorre de forma orgânica quando é necessária para a adaptação climática. As evidências sobre essa questão são ambíguas. Por um lado, alguns artigos descobriram evidências transeccionais de adaptação: Seo e Mendelsohn (2008) descobrem que a temperatura e a precipitação preveem fortemente a escolha de culturas de produtores agrícolas sul-americanos. Por outro lado, Burke e Emerick (2016) descobrem que mudanças no clima dos EUA durante o século XX não reduziram a partilha de terra plantada em milho, apesar de reduzir significativamente a sua produtividade. Ao decidir entre esses estudos sobre mudanças de culturas, acho estas últimas evidências mais críveis como base para prever mudanças de culturas futuras. Seo e Mendelsohn comparam diferentes localidades ao mesmo tempo, de modo que o efeito que descobrem é plausivelemnte o resultado de um conhecimento local duradouro em cada comunidade sobre qual é a cultura certa para cada clima. De fato, um especialista com quem falei disse que produtores na Índia escolhem quais culturas plantar com base no conhecimento coletivo e aprendendo com os seus semelhantes, sustentando essa hipótese. No entanto, o que queremos saber é como esse conhecimento local se adaptará a mudanças no clima. Então a comparação de Burke e Emerick das mesmas localidades perpassando o tempo é mais adequada para responder a essa questão. Ademais, fricções na mudança de culturas em países em desenvolvimento são propensas a ser mais altas do que nos EUA; então a sua configuração oferece um limite inferior crível. Assim, não creio que a adaptação a longo prazo na escolha de culturas seja propensa a acontecer por si só; acho que há um espaço substancial para trabalho filantrópico para reduzir fricções na adaptação.

Há muito poucas evidências sobre quais fricções mais importam para a mudança de culturas, exceto uma pesquisa feita por Abid et al (2017), na qual produtores relataram que a falta de informação era a maior restrição na sua adaptação ao clima cambiante. Além disso, um especialista com quem falei destacou uma dinâmica fundamental que ele observou: propriedades agrícolas pequenas são mais aversas ao risco e tendem a seguir as escolhas dos seus vizinhos, ao passo que propriedades agrícolas grandes são mais propensas a experimentar com novas culturas em pequenos sublotes da sua terra. Esse especialista também enfatizou o papel da expectativa de preços nas escolhas de culturas da parte dos produtores, declarando que os produtores eram dados a plantar culturas ainda que não as tivessem plantado antes, se antecipassem bons preços (geralmente inferindo a partir de preços passados).

Esses fatos apontam para dois tipos de intervenções. Primeiro, a mudança de culturas poderia ser atingida por meio de uma intervenção baseada em redes, semeando grandes produtores com informações e culturas mais resilientes para cultivar, à espera de que seus sucessos se difundam para produtores menores. Segundo, subsídios para culturas mais resistentes ao calor e à seca poderiam levar os produtores a as adotarem apesar de fricções existentes.

Difusão da tecnologia de refrigeração

O calor extremo está se tornando um enorme problema de saúde global, causando mortes, doenças e uma redução de produtividade. Burkart et al (2021) mostram que, em 2019, 65.000 pessoas morreram de morbidades relacionadas ao calor extremo em nove países que estudaram, em comparação com 41.000 em 1990. Ebi et al (2021) mostram que mais de um bilhão de trabalhadores no mundo inteiro são expostos ao calor extremo e um terço deles sofre de efeitos de saúde negativos. Somanathan et al (2021) descobrem que um aumento na temperatura média de um grau reduz a produção industrial por 2%, movido pela produção reduzida por trabalhador.

Dados esses resultados preocupantes, o acesso à tecnologia de refrigeração está rapidamente se tornando uma ferramenta essencial para lidar com períodos de calor extremo induzidos pelas mudanças climáticas. De fato, sempre foi essencial assim: Barreca et al (2016) mostram que a mortalidade induzida pela temperatura nos EUA se reduziu por 75% durante o século XX, com a difusão do ar-condicionado (AC) explicando essencialmente toda a diminuição. Dado o aumento na frequência de períodos de calor extremo, a difusão da tecnologia de refrigeração poderia salvar vidas e é um candidato viável para uma intervenção.

A principal qualificação é que só podemos recomendar intervenções de difusão da tecnologia de refrigeração se elas a) não piorarem substancialmente os problemas das emissões e da demanda por eletricidade e b) não estiverem já acontecendo. De fato, a difusão de ACs está acontecendo: a Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que até 2050 a Índia e a China acrescentarão 1,1 e 0,9 bilhão de ACs respectivamente, e a demanda por energia para ACs irá triplicar. Isso, junto com os efeitos de emissões de ACs, sugere que a difusão de ACs não é um bom candidato de intervenção.

Dada a rápida expansão de ACs, é natural perguntar se a difusão da tecnologia de refrigeração poderia ser um problema resolvido. No entanto, creio que projeções agregadas de adoção do AC são enganosas com respeito a se os agregados familiares mais vulneráveis ao calor efetivamente adotarão o AC e evitarão insolações. A maioria dos agregados familiares vulneráveis geralmente carece de conexões à rede para energizar uma unidade de AC, e mesmo quando estão conectados, uma unidade de AC é um grande componente de infraestrutura com um alto custo fixo de adoção. De fato, Miguel, Lee e Wolfram (2021) subsidiam a eletrificação rural e nenhum dos agregados familiares recém-eletrizados na sua amostra adquirem uma unidade de AC. A “crise fria” projetada pelo IEA não é exclusiva com um grande número de agregados familiares continuando a carecer da tecnologia de refrigeração. Assim, acho que há espaço para intervenções que promovam o acesso à tecnologia de refrigeração para salvar vidas de insolações.

Existem tecnologias de refrigeração alternativas que poderiam ter significativamente um custo mais baixo, menos infraestrutura e gerar menos emissões, como ventiladores elétricos. Jay et al (2021) declaram que ventiladores elétricos reduzem a tensão térmica fisiológica e melhoram o conforto (embora eles advirtam que ventiladores não podem ser usados acima de 45 graus Celsius). Além de ventiladores elétricos, todas as tecnologias de refrigeração dependem da eletricidade, o que significa que intervenções de acesso à eletricidade são cruciais para melhorar a adaptação climática.

Esses dois fatos apontam para dois ângulos de aproximação para a difusão da tecnologia de refrigeração. Primeiro, intervenções de acesso à eletricidade são essenciais para a adaptação ao calor extremo sob mudanças climáticas, e a defesa do acesso à eletricidade poderia ser uma abordagem-chave para intervenções eficazes. Segundo, promover o acesso a ventiladores elétricos é importante, especialmente ventiladores que podem funcionar com suprimentos inconfiáveis de eletricidade que são característicos em países em desenvolvimento: p. ex., subsídios para ventiladores à base de bateria e energia solar poderiam ser impactantes.

Desenvolvimento de variedades de sementes resistentes ao clima

Em breve, a agricultura em áreas de baixa latitude provavelmente sofrerá com temperaturas mais altas, mais dias de calor extremo e menor precipitação. Uma importante medida adaptativa poderia ser o desenvolvimento de variedades de sementes resistentes ao calor para que a quebra de safra e a insegurança alimentar resultante sejam muito menos dadas a ocorrer sob as mudanças climáticas. De fato, Moscona e Sastry (2022b) mostram que a inovação na agricultura evitou 20% dos danos potenciais à agricultura dos EUA advindos do calor extremo desde 1960, mostrando que pode ser uma força poderosa para a adaptação climática.

Mesmo agora, o desenvolvimento de sementes resistentes ao clima é uma área com algum financiamento vindo de governos e filantropos. A Fundação pela Pesquisa em Alimentos e Agricultura lançou um programa para desenvolver resiliência climática em culturas, em parceria com a Fundação Gates. Até o momento, esse programa desembolsou US$ 5 milhões em subvenções. Além disso, o governo dos EUA financia pesquisas em agricultura que incluem a resistência climática (exemplo). Esse sucesso aponta para um papel para os filantropos no financiamento da pesquisa sobre variedades de sementes resistentes ao calor e à seca.

Negligência

A adaptação climática é muito negligenciada, com quase nenhuma organização e um limitado apoio do mercado para intervenções de adaptação.

ONGs

Utilizar recomendações e subvenções como métrica indica que a adaptação é extremamente negligenciada em comparação com a mitigação climática. Todas as sete organizações destinadas ao clima recomendadas pelo Future Perfect da Vox ou as três recomendadas pela The Life You Can Save focam na mitigação climática. O Founder’s Pledge nunca deu uma subvenção a uma ONG focada na adaptação, e a Giving Green foca na mudança de políticas dos EUA. Essa negligência não se limita aos financiadores dos EUA: o Charity Navigator não recomenda nenhuma organização focada na adaptação, e grandes ONGs ambientais como a Greenpeace e o Environmental Defense Fund não têm nenhum vertical destinado à adaptação.

Há duas exceções a esta negligência. Como descrito acima, o desenvolvimento de sementes resistentes ao calor tem financiadores ativos como a Fundação pela Pesquisa em Alimentos e Agricultura, a Fundação Gates e o Governo dos EUA. Não obstante, acho que as sementes resistentes ao calor ainda são uma boa oportunidade de financiamento. O especialista com quem falei deu a opinião de que o campo ainda é pequeno com relação ao seu potencial científico e pode ainda absorver muito mais financiamento.

Além disso, há uma forte razão para crer que o desenvolvimento de sementes resistentes ao calor que acontece nos EUA (que é aonde a maior parte do financiamento é direcionado) não beneficia realmente os países de baixa renda. Moscona e Sastry (2022a) mostram que as inovações na agricultura nos EUA (o núcleo global da pesquisa em agricultura) correspondem mal a países com climas diferentes do dos EUA: a defasagem reduz a adoção de variedades de sementes melhoradas entre produtores africanos por 43%. Como resultado, a inovação que protege a agricultura dos EUA pode não ajudar os produtores em países mais tropicais, e deveríamos priorizar o financiamento de pesquisa & desenvolvimento em agricultura que ocorre em países tropicais. Moscona e Sastry (2022a) mostram que patentes de agricultura têm crescido rápido no Brasil, Rússia, Índia e China, embora o seu nível ainda esteja abaixo dos EUA. Isso aponta para a oportunidade para financiar pesquisas locais que ajudarão no desenvolvimento de sementes resistentes à seca e ao calor. Os materiais da Fundação Gates declaram que apoiam a reprodução de culturas pelo setor público ocorrendo na África e na Ásia, uma abordagem que é apoiada fortemente pela hipótese da defasagem de Moscona e Sastry e que eu recomendaria para a concessão de subvenções nesta área.

A segunda exceção a esta negligência é que, embora não utilize o enquadramento da adaptação climática em seus materiais, o vertical do acesso à energia da Clean Air Task Force (CAFT) poderia ajudar as pessoas a se adaptarem por meio da eletrização (e da tecnologia de refrigeração associada). No entanto, atualmente o vertical do acesso à energia da CAFT parece estar apenas no estágio-piloto e está presente apenas na África subsaariana. Esta análise justifica uma amplificação substancial do seu trabalho de acesso à energia para ajudá-la a mover-se para além do estágio-piloto e potencialmente expandir o seu escopo regional no futuro.

Mercados/adaptação orgânica

Algumas das intervenções acima são intervenções de mercado, o que torna natural perguntar se os incentivos do mercado ajudarão a resolver o problema sem financiamento. Por exemplo, não deveria haver um incentivo de mercado para difundir equipamentos de ar-condicionado para pessoas em países em aquecimento que vão valorizá-los altamente? O obstáculo fundamental à implementação dessas intervenções pelo mercado é a renda. Se pessoas vulneráveis pudessem adquirir facilmente equipamentos de ar-condicionado ou pagar grandes somas por sementes resistentes ao calor, soluções puramente de mercado poderiam lidar com o problema. Mas esse obviamente não é o caso, e ao longo do horizonte temporal em que precisamos da adaptação, o crescimento de renda não é dado a ser uma solução suficiente. De fato, segundo o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC divulgado em 2022:

Apesar do progresso, existem lacunas na adaptação entre os níveis atuais de adaptação e os níveis necesssários para responder aos impactos e reduzir os riscos climáticos (confiança alta). A maior parte da adaptação observada é fragmentada, pequena em termos de escala, incremental, específica ao setor, feita para responder a impactos atuais ou a riscos de curto prazo e focada mais no planejamento do que na implementação (confiança alta). A adaptação observada está distribuída de forma desigual entre as regiões (confiança alta), e as lacunas são movidas em parte por disparidades crescentes entre os custos estimados da adaptação e as finanças documentadas alocadas para a adaptação (confiança alta).

Assim, não podemos confiar na adaptação orgânica para lidar com os impactos climáticos.

Superando as melhores organizações da GiveWell?

A grande questão para esta análise é: a adaptação climática supera as melhores organizações da GiveWell como área de financiamento? Na minha opinião, esta área não admite um bom cálculo no verso do envelope dessa questão, pois cada intervenção se direciona a diferentes pessoas (propriedades agrícolas, agregados familiares, instituições de pesquisa & desenvolvimento) e tem um resultado totalmente diferente (rendimento de culturas, renda, redução da mortalidade), de modo que cada intervenção admitirá seu próprio cálculo no verso do envelope independentemente dos outros.

Essa qualificação à parte, esta análise me leva a duas conclusões. Primeiro, a adaptação climática tem o potencial de superar as melhores organizações da GiveWell: as mudanças climáticas parecem intuitivamente dadas a causar (pelo menos) centenas de milhões de DALYs de danos, e evitar 44-73% disso seria enormemente impactante, especialmente visto que há muito pouco trabalho para fazer isso agora mesmo. Segundo, a falta de capacidade significa que financiar a adaptação climática na margem quase certamente irá superar as melhores organizações da GiveWell. Os principais candidatos para financiamento agora mesmo seriam o vertical de acesso à energia da Clean Air Task Force ou a pesquisa & desenvolvimento que ocorre em países de baixa renda. Eu apoiaria subvenções nestas áreas, mas parecem limitadas demais em escopo para realizar o potencial da adaptação por si sós.

Essas duas conclusões pintam um quadro com mais nuance em que a adaptação é uma área essencial para o trabalho filantrópico, mas que atualmente admite a construção de capacidade mais do que o simples financiamento de intervenções de grande escala. O trabalho mais importante nesta área é criar organizações e projetos que poderiam utilizar o financiamento para implementar soluções de adaptação. Isso significa que poderia ser valioso se os financiadores usarem o dinheiro das subvenções para incentivar/apoiar a instalação de novas organizações que trabalhem na adaptação climática. Tais organizações poderiam plausivelmente superar as melhores organizações da GiveWell se alcançarem a escala.

Conclusão

A adaptação aos efeitos em curso das mudanças climáticas é uma área de causa importante, negligenciada e moderadamente tratável. As políticas ficaram atrás das pesquisas nesta área, o que levou a uma base de evidências robusta para intervenções para melhorar a adaptação climática, ainda que muito poucas ações sejam efetivamente realizadas por organizações de ação climática. A escassez de organizações e projetos existentes significa que não há muita capacidade para absorver o financiamento nesta área, e doações marginais não seriam dadas a superar as melhores organizações da GiveWell. Não obstante, a importância e a negligência da adaptação climática significa que deveríamos tornar uma prioridade iniciar novos projetos e organizações focadas na adaptação climática: com o propósito de que o financiamento filantrópico possa acelerar isso, eu a recomendaria como área de financiamento.

Agradecimentos: obrigado a Liza Brover, Tejas Subramaniam, Oliver Kim, Cassandra Melax e Trevor Woolley pelo útil feedback sobre este ensaio.

Nota:

1. Uma complicação nessa alegação é que essas estimativas de CSC são derivadas calculando a média de nove estimativas de modelos: quando há mais variabilidade entre eles, alguns deles serão extremamente altos e farão subir o CSC médio. Isso importa porque cada SSP tem uma gama diferente de variabilidade entre os modelos, de modo que uma baixa taxa de desconto fará subir o CSC para SSPs com um risco mais alto na cauda. Estava preocupado com isso porque cada SSP tem um risco diferente na cauda e uma taxa de desconto mais baixa amplifica a incerteza e eleva o CSC para SSPs com mais risco na cauda. Inspecionando visualmente os gráficos da estimativa de modelos do artigo, SSP1 e SSP4 têm estimativas relativamente similares entres os modelos, de modo que a comparação provavelmente não é alterada por uma taxa de desconto diferente. SSP3 tem uma grande variabilidade, mas SSP5 tem uma variabilidade ainda maior. Assim, ajustar os CSCs para baixo com uma taxa de desconto mais alta provavelmente diminuiria SSP5 mais do que SSP3, o que só aumentaria a razão de importância. Assim, é improvável que a baixa taxa de desconto esteja inflando a importância da adaptação climática.


Tradução: Luan Marques

Link para o original

Deixe um comentário