Apontamentos sobre o veganismo raivoso e sobre o Bruno de Luca

Você acha que veganos são raivosos demais? Pode ser. Reconheço. Mas vamos investigar para ter certeza?

Todo vegano já foi carnívoro. Nenhum carnívoro já foi vegano de verdade. Veganos entendem a mente dos carnívoros, mas o inverso não é verdadeiro.

Para entender se veganos são desnecessariamente bravos, precisamos entrar na mente dessa minoria de ativistas ferozes. Podemos estudá-la em 5 passos. 

Primeiro passo, o INGREDIENTE: escolha um animal que você goste muito. Sei lá, provavelmente um cão ou um gato, né? Se você não gosta de nenhum animal, ser humano também serve (todo humano é um animal, lembre-se, humanos não são nem do reino mineral nem vegetal nem fungi nem… você entendeu). 

Então, para o exercício, pode escolher uma criança ou um idoso frágil. O importante é escolher algum indivíduo que você não queira ver sofrer de jeito nenhum (sim, pode ser o Bruno de Luca se quiser, quem sou eu pra contestar).

Segundo passo, o PROCESSO HUMANIZADO: agora que já temos o ingrediente (um gato, um cão, uma criança, um idoso ou o Bruno de Luca aquela criança fofa de Malhação), imagine-o vivendo a vida inteira separado de sua família, amigos e habitat natural. Imagine um gato acorrentado a vida inteira. Uma cadela sendo engravidada à força, homens mexendo em seus órgãos genitais e enjaulando-a para não se mexer por 3 meses enquanto amamenta, imagine a criança/idoso/brunodeluca com frio, medo, fome, vivendo em seus próprios excrementos ao lado de cadáveres desconhecidos, imagine-os presos em gaiolas apertadas durante toda a vida; imagine uma pessoa se divertindo chutando a cabeça do gato, queimando a pele da cadela, cortando seu rabo sem anestesia, castrando o gato sem anestesia, imagina quantos dias ele não ficará sofrendo, imagine a cadela recebendo injeções de ocitocina (que forçam as contrações e dores do parto) para produzir mais leite, imagina ela tendo seus filhos arrancados e mortos logo no primeiro dia, imagine 5 gatos filhotinhos sendo triturados vivos em um liquidificador, outros 5 em uma cestinha descendo para uma câmara de gás que queima por vários minutos seus olhos e gargantas até matá-los, imagine alguém pegando a cadela e afogando-a na piscina enquanto dá risada.

Ufa. Bastante coisa, né? Todos os exemplos acima são prática padrão (e dita “humanizada”) do que acontece na indústria do leite, do queijo, do ovo. Nos últimos exemplos, poupei os humanos e o Bruno de Luca. Mas se pensar em um gato ou um cão sofrendo tudo aquilo não te comove, pense em seres humanos e no Bruno de Luca (no menino Ney, na Bruna Marquezine, no Casemiro, no Obama, em quem você achar que se importa, seu pai/mãe/tios/primos, imagine-os passando por toda a lista acima).

Começa a dar uma dor no coração toda essa violência? Mesmo que não goste do Bruno de Luca, mesmo que o odeie (quem odeia o Bruno de Luca?), você seria a favor que ele sofresse todo esse inferno? Pois os veganos sentem essa mesma dor. Viu só? Quando você entra na mente dos veganos, vê que não é diferente deles. Você também se importa com o sofrimento de animais e dos humanos e até do Bruno de Luca.

Terceiro passo, a DIMENSÃO DO PROBLEMA: mas não para por aí. Agora imagine que não é só um gato tendo os dentes arrancados sem anestesia e vivendo em uma gaiola em que ele não consegue nem esticar as patas, não é só uma cadela sendo afogada na piscina. SÃO BILHÕES. E isso sem contar o sofrimento dos animais marinhos (que precisam ser medidos em toneladas).

De novo, se pensar em 70 bilhões de gatos ou cães torturados por ano não lhe aflige nem deixa com raiva, coloque humanos em seu cenário. O importante é o sentimento de impotência, angústia e… raiva que essa informação causa. É nesse momento que você entende o quão próximo dos veganos você está. Você também é contra violência, você também é contra a crueldade.

Quarto passo, A ROTINA: agora, imagine que você vê todas as cenas descritas acima (seja com animais, com humanos ou com o Bruno de Luca) todos os dias. Ou, se não vê, sabe que elas estão acontecendo.

Quinto passo, A SOCIEDADE: então imagine que você olhe para o lado e veja que ninguém quer olhar. Ninguém quer saber. As pessoas são totalmente contra a violência, nunca conseguiriam afogar o cão na piscina nem martelar os dentes do gato nem acorrentar o Bruno de Luca em uma solitária por 10 anos, mas amam pagar por isso, fazem fotos no final de semana orgulhosos com pedaços dessa violência, passam horas em frente à churrasqueira salivando por pedaços desse processo, não lembram que tudo isso vem daquela crueldade descrita acima. 

Você acorda em uma sociedade culturalmente acorrentada por não se importar com a violência, uma sociedade refém de uma lavagem cerebral desde a infância, por um sistema que faz com que continuem pagando pela crueldade, financiando os exemplos cruéis acima, por uma Matrix que lhes diz não ser possível viver de outra maneira… E, não sendo possível, as pessoas preferem não ver os vídeos, não se informar, não se importar com as vítimas e, twist final, passam até a fazer piadas com quem se importa. A criticar quem tenta trazer o tema à mesa.

Após esses 5 passos, você consegue entrar na mente de um vegano? Ingrediente + processo humanizado + dimensão + rotina + sociedade = angústia + raiva + ativismo.

Os veganos já conhecem a mente dos carnistas. Agora, após esse exercício, você percebe como um vegano pensa? Como ele se sente todo dia? 

Compreende como ele é igual a você? Como ele apenas tem um círculo antiviolência expandido para todos os animais sencientes? Você também ficaria com muita raiva se acordasse em um mundo em que 7 bilhões de pessoas pagam para cães serem afogados em piscinas. Você tentaria fazer algo. Você postaria nos seus stories.

Angústia + Raiva + Ativismo.

Meses atrás, vi um vídeo em que duas crianças (uns 10 anos) esmagam a cabeça de dois gatos filhotes. Elas colocam uma tábua sobre os dois gatos indefesos deitados no chão, sentam em cima e fazem pressão até matá-los esmagados. E as crianças riem, elas não consideram o sofrimento dos filhotinhos de gatos. Não entendem que o prazer delas com a brincadeira não justifica o sofrimento deles. Nenhum prazer justifica o sofrimento alheio.

Essa cena deu raiva? Imagina se fossem 8 bilhões de pessoas fazendo isso ao seu redor. Seus amigos. Sua família. Pessoas que você admira. Todos reféns de um prazer construído com tijolos de crueldade, todos presos no “hmm… bacon é vida / picanha sangrando / pudim de leite / etc”

Você já está entendendo como sua mente é igualzinha à de um vegano? Você também sairia em passeatas e tentaria mudar esse mundo. 

A diferença é que você sofreu uma lavagem cerebral e condicionamentos culturais desde criança para não se importar com porcos, galinhas e vacas. Todos eles são esmagados diariamente por crianças sentadas em tábuas. Elas se divertem. Você paga por isso e se diverte, porque não são cães ou gatos ou crianças ou idosos ou o Bruno de Luca embaixo da tábua sendo esmagados.

Mas porcos, galinhas e vacas são indivíduos com sistema nervoso central e consciência, todos têm seus medos, amizades, famílias, dores, vontades.

São 70 bilhões de gatos mortos anualmente e você percebe agora que, embora não veja as cenas do passo 1 (os abates humanizados, a “vida boa da galinha e vaquinha felizes”), você percebe que foi enganado pela indústria e que sofreu uma lavagem cerebral para não se importar, para fechar os olhos e sorrir com amigos tirando foto no churrasco. 

Mas agora você percebeu que sua mente é igual a do vegano raivoso. Percebeu que, talvez, os veganos devessem ser ainda mais bravos. 

Você está começando a perceber que, segurar a raiva, é a estratégia de muito vegano para sobreviver em um mundo que afoga cães e crianças e idosos em piscinas. Segurar a raiva é uma maneira dos veganos trabalharem diariamente para mais nenhum cão ou gato ou crianca ou idoso ser afogado em uma piscina ou esmagado com uma tábua por puro prazer.

Você percebe que, mentalmente, talvez você não aguentasse o que os veganos aguentam. Você percebe que, mentalmente, talvez não aguente mais financiar essa crueldade.

Aos poucos, você se liberta da Matrix cultural que faz você se escandalizar com um cão em sofrimento na piscina, mas não com uma galinha na mesma situação; faz você se escandalizar com um gato em uma câmara de gás tendo seus olhos queimados e não com um porco na mesma situação; faz você se escandalizar com um adulto brincando com os órgãos genitais de uma cadela e a engravidando à força, mas não com uma vaca na mesma situação.

Você começa a perceber que os veganos aguentam tudo isso porque os animais não podem mais ser forçados a aguentar tudo isso. E que explodir de raiva afasta as pessoas reféns da cultura. Que uma minoria dos veganos explode de raiva, sim, mas que a maioria se força a ser pacífica para continuar na busca de um mundo sem crueldade.

Você começa a entender que você também tem uma mente vegana contra violência. Você começa a ter raiva de si mesmo, de nunca ter se aprofundado em um assunto tão sério, só porque não eram cães ou gatos ou idosos ou crianças sofrendo, pois eram só vacas e galinhas e porcos e peixes.

Você passa a entender que, quando um vegano explode de raiva, ele é você.

Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. É autor dos livros “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “120 dias de Corona” (Ed. Letramento) – este último lançado em 2022.

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