Tudo indica que o fumante tem muito mais risco de complicações se adquirir o coronavírus, o que também se aplica a eventuais futuras pandemias que afetem os pulmões. Independente disso, fumar já representa por si só um enorme problema de saúde pública — Na verdade, cerca de 6% de todos os problemas de saúde.
Índice
O Fumo é um mal em si
Comecemos de trás para frente com um dado surpreendente. De acordo com as melhores estimativas, o tabagismo representa 6% de todos os danos à saúde do mundo (Fonte e Fonte). Observe que não estamos falando apenas de todas as doenças. O conceito de dano a saúde é bem mais amplo, incluindo absolutamente tudo que cause a morte ou um dano físico, temporário ou permanente, a uma pessoa. Inclui, portanto, não apenas doenças como câncer ou a malária mas também os acidentes de transito e de trabalho, violência, guerra, incêndios, enchentes etc, etc.
Também observe que estamos falando que esse dano de 6% não se aplica apenas a população de fumantes mas a população de todo o mundo. Para o grupo de fumantes, esse dano seria bem maior. Na realidade, o tabaco é a maior causa de morte evitável no mundo de hoje, matando até metade das pessoas que o usam (Fonte).
Fumo e Coronavírus
O fumo, portanto, já é um problema grave por si só. Porém, o corona vírus, que não sabemos por quantos anos ainda teremos que lidar, tem tudo para tornar o tabagismo muito pior:
Grupo de especialistas “está
“
profundamente preocupado”
com o impacto da COVID-19 nos 1,3 bilhão de fumantes do mundo, em particular nos países mais pobres cujos sistemas de saúde já estão sobrecarregados”.“Sabe-se que fumar enfraquece o sistema imunológico, tornando-o menos capaz de responder efetivamente a infecções. Os fumantes também podem já ter doença pulmonar ou capacidade pulmonar reduzida, o que aumentaria bastante o risco de doença grave.”
“evidências emergentes de estudos preliminares de pacientes com COVID-19 na China e em outros lugares que sugerem que os fumantes infectados com o novo coronavírus ficam mais gravemente doentes e sofrem complicações mais graves, como dificuldades respiratórias.” (Fonte).
Ademais, “é provável que os fumantes sejam mais vulneráveis ao COVID-19, pois o ato de fumar significa que os dedos (e possivelmente os cigarros contaminados) estão em contato com os lábios, o que aumenta a possibilidade de transmissão do vírus da mão para a boca” (Fonte).
Mais recentemente surgiu a hipótese na comunidade médica de que a nicotina pode estar agindo como efeito protetor ao coronavírus. Esse é o tipo de notícia que, até pelo seu paradoxo cômico, vira prato cheio para jornalistas, que talvez tenham repercutido essa informação mais do que fosse prudente. Como quase sempre ocorre com tal repercussão, em breve começaram a esgotar os estoques de patches de nicotinas nas farmácias levando o governo francês a limitar sua venda. Não é de se duvidar que pessoas tenham passado a fumar diante desta constatação.
A hipótese aqui é de que a nicotina pode se ligar aos mesmos receptores celulares que o coronavírus, dificultando o controle das células pelo vírus. Contudo, podemos estar vendo apenas uma série de vieses amostrais e variáveis de confusão.
Por exemplo, dada a condição pior dos pulmões de fumantes, eles podem estar procurando os hospitais para casos de menor gravidade proporcionalmente em maior número de que as demais pessoas. Por serem casos de menor gravidade, estariam criando a ilusão de estarem se recuperando em maior grau do que as demais pessoas. Link para essa hipótese sendo debatida no Twitter (em inglês).
Se apesar de tudo dito acima você ainda desejar fazer uso da nicotina como profilaxia ao coronavírus, em hipótese alguma comece a fumar! Opte pelos patches, os quais não trarão junto aos eventuais efeitos positivos os efeitos nocivos ao pulmão.
Fumo e futuras pandemias
De todo modo, a preocupação com o fumo não se limita ao atual coronavírus. Eventuais novas pandemias também poderão atingir os pulmões e essas são as mais preocupantes, dado a alta taxa de transmissão de infecções via tosse e espirros. Combater o fumo pode assim ser uma eficaz medida de mitigação de seus efeitos.
Infelizmente, fumar está em ascensão em vários países em desenvolvimento, pois as pessoas ficam mais ricas e assim conseguem começar a pagar pelos cigarros. Há um espectro de políticas que se mostraram eficazes reduzir as taxas de tabagismo, mas que normalmente não são aplicadas nestes países. O Brasil é uma feliz exceção neste caso.
O que fazer?
O que deve ser feito para reduzir o tabagismo já foi muito bem estudado e dificilmente pode ser drasticamente melhorado. Sendo assim, a implementação é o ponto principal. Isso significa planejamento e ativismo por melhores políticas governamentais através do serviço público, academia, centros de pesquisa (think tanks) e partidos políticos (Fonte).
O que, especificamente, deve ser implementado? O pacote de políticas públicas “MPOWER”, desenvolvido pela OMS recomenda o seguinte (Fonte):
- Monitoramento do uso do tabaco e medidas de prevenção
- Proteger as pessoas de serem fumantes passivos
- Oferecer ajuda para cessar com o uso do tabaco
- Advertir quanto aos riscos do tabaco
- Fazer-se cumprir as proibições quanto a propagandas, promoções e patrocínios de cigarros
- Aumentar os impostos sobre o tabaco
De acordo com o Centre for Global Development impostos sobre tabaco são “A Melhor Política de saúde pública do Mundo”. É possível também pressionar o poder público a fazer mais, proibindo o fumo em locais fechados, fazendo campanhas contra o tabaco, entre outras medidas.
O que você e praticamente qualquer outra pessoa pode fazer para ajudar? Primeiramente, convença amigos e familiares fumantes a pararem de fumar o quanto antes. O risco do COVID-19 pode ser um fator de sensibilização assim como os dados aqui apresentados.
Especificamente neste momento em que enfrentamos o coronavírus, os ministros e secretários de saúde, jornalistas, médicos e especialistas poderiam aproveitar o espaço disponível na mídia para falar mais do perigo do cigarro. Por sua vez, o consumidor destas mídias poderá sugerir essas pautas para seus jornalistas favoritos.
Este artigo faz parte da série: “Coronavírus: o que fazer para nunca mais acontecer”.
Autor: Fernando Moreno