Bem-estar animal e o altruísmo eficaz

Para propor uma reflexão sobre o bem-estar animal, apresentaremos nesse texto, de forma resumida, debates relevantes à questão, tal como a criação intensiva (pecuária industrial ou factory farming), o sofrimento dos animais selvagens e o consumo de produtos de origem animal em geral.

Bem-estar animal

Animais atualmente compõem a vasta maioria dos seres sencientes. O número de animais mortos para o consumo chega a 2,8 trilhões por ano, e há muito mais animais no meio selvagem (Reese 2016). Embora muitos especialistas concordem que animais demonstram alguns sinais de senciência, ainda é uma questão em aberto quais deles são sencientes, e como deveríamos comparar o bem-estar entre as espécies. No entanto, o bem-estar dos animais é potencialmente uma questão de enorme importância.

Apesar disso, esta área de foco é altamente negligenciada. Instituições de caridade para animais recebem apenas 3% do total das doações registradas, e 99% deste dinheiro está concentrado em bichos de estimação, que compõem menos de 0,1% de todos os animais domesticados (Reese 2016).

Esta área também parece ser um tanto tratável. O Animal Charity Evaluators estima que campanhas de panfletagem podem poupar cerca de três anos de sofrimento em fazendas industriais por dólar doado (Animal Charity Evaluators 2016), enquanto o Open Philanthropy Project, por sua vez, estima que campanhas anteriores para corporações eliminarem o uso de gaiolas pouparam cerca de 120 anos de sofrimento em gaiolas em bateria por dólar doado (Bollard 2016).

Alguns já defenderam que, se temos a perspectiva de que seres futuros importam moralmente, intervenções que reduzem o sofrimento animal no curto prazo podem não ser tão custo-efetivas quanto intervenções que buscam influenciar o futuro distante. Em resposta, outros defenderam que o bem-estar animal também terá efeitos benéficos fortes sobre o futuro distante (Reese 2016). Uma objeção a esse argumento é que seria extraordinário se uma intervenção selecionada pelos seus efeitos de curto prazo simplesmente calhasse de ter consequências melhores no longo prazo do que quaisquer outras intervenções (Lewis 2016).

Além disso, os críticos também observaram que há razões teóricas para esperar que intervenções em humanos tenham melhores efeitos no longo prazo do que intervenções em animais (Cotton-Barratt 2014). As considerações relativas a esta questão são numerosas, complexas e difíceis de avaliar, e o debate se encontra atualmente sem resolução (Tomasik 2016).

O impacto da Criação Intensiva de Animais (Pecuária Industrial)

Mais de 60 bilhões de animais terrestres são mortos a cada ano. A maioria esmagadora destes animais é criada em fazendas “industriais”, onde as condições podem envolver “confinamento intenso, inibição de comportamentos naturais, questões de saúde não tratadas e inúmeros outros casos de sofrimento” (Reese 2016). Embora seja difícil quantificar o bem-estar deles, uma variedade de considerações sugerem que as vidas de ao menos muitos destes animais são negativas no geral. (Tomasik 2007; Norwood & Lusk 2011).

Há vários e diferentes modos promissores de reduzir o consumo de produtos animais (Open Philanthropy Project 2013).

Primeiro, anúncios online e campanhas de panfletagem podem encorajar as pessoas a adotar uma dieta vegetariana ou vegana, salvando entre 1 e 46 animais por cada 1 US$ doado (Animal Charity Evaluators 2016).

Segundo, desenvolver alternativas a produtos animais pode tornar mais fácil para indivíduos reduzir o seu consumo de produtos animais (Open Philanthropy Project 2015).

Terceiro, campanhas direcionadas a corporações podem ajudar a modificar as condições em fazendas industriais de grande porte. O Open Philanthropy Project estima que campanhas para corporações eliminarem o uso de gaiolas pouparam 250 galinhas por ano do confinamento em gaiola por cada dólar gasto. Também alegam que a custo-efetividade destas campanhas é maior do que a de quaisquer outras abordagens que investigaram (Bollard 2016).

A lógica da despensa e o bem-estar animal

A “lógica da despensa” é uma objeção comum ao argumento de que pessoas preocupadas com o bem-estar animal deveriam consumir menos ou nenhum produto animal. A afirmação é que, ao reduzir a demanda por carne, ovos ou leite, estas pessoas na realidade fazem com que menos animais venham a existir (Hanson 2002).

Várias respostas têm sido dadas a esta objeção. Primeiro, muitos dos animais criados em fazendas industriais têm um bem-estar negativo no geral. Portanto, fazer com que menos destes animais existam reduz o sofrimento animal geral. Segundo, criar animais domesticados reduz o número de animais selvagens que existem em um número maior, de modo que a pressuposição de que o veganismo faz com que menos animais venham a existir pode ser falsa. Finalmente, ainda que aumentar a demanda por produtos animais seja positivo no geral, há outros modos, modos mais custo-efetivos, de ajudar os animais e de melhorar o mundo (Matheny & Chan 2005).

No entanto, Carl Schulman (2013) ressaltou a tensão envolvida na promoção da mudança de dieta como um modo de reduzir o sofrimento de animais de pecuária intensiva e a expressão de preocupação pelo sofrimento animal selvagem. Se animais selvagens tendem a não levar vidas positivas no geral, e uma dieta vegana aumenta o número de animais no mundo, uma dieta vegana aumentará, em vez de diminuir, o número de seres vivendo vidas negativas no geral. Em parte por estas razões, alguns defensores dos animais na comunidade do altruísmo eficaz são a favor de métodos de reduzir o sofrimento animal que não envolvem mudança de dieta, como métodos de abate humanizados (Tomasik 2016).

O problema do comedor de carne

Salvar vidas humanas e tornar humanos mais prósperos parecem ser coisas obviamente boas em termos de efeitos diretos. No entanto, humanos consomem produtos animais, e estes produtos animais podem causar considerável sofrimento animal. Portanto, melhorar as vidas humanas pode levar a efeitos negativos que superam os efeitos positivos diretos. Este “problema do comedor de carne” sugere que trabalhar na diminuição da pobreza global pode ser menos eficaz do que comumente se presume.

Embora seja muito difícil quantificar estes efeitos, uma estimativa sugere que cada 1.000 US$ adicional por ano para um indivíduo relativamente pobre pode causar entre 1 e 190 dias de sofrimento animal, embora a estimativa não deva ser tomada ao pé da letra (Bogossian 2015). Alguns defenderam que o problema é menos significante afirmando que animais têm vidas positivas no geral, ou defendendo que o efeito sobre o consumo é relativamente pequeno (Weather 2016).

Sofrimento dos animais selvagens

Sofrimento animal selvagem é o sofrimento de animais não-humanos sob condições naturais.

Animais selvagens são mais numerosos que animais em fazendas industriais por várias ordens de grandeza (Tomasik 2016b). Apesar disto, o sofrimento de animais no meio selvagem tem recebido atenção e preocupação muito limitadas; uma abrangente bibliografia online nesta área lista cerca de cinquenta publicações, das quais a maioria foi publicada online ou em periódicos relativamente desconhecidos (Stafforini 2016). O sofrimento animal selvagem é assim uma área de foco altamente importante e negligenciada. (Tomasik 2016a)

Até o momento, não tem havido tentativas sérias de reduzir o sofrimento animal selvagem, mas a questão atualmente parece ter baixa tratabilidade. No entanto, alguns na comunidade do altruísmo eficaz defenderam que esta impressão é enganosa (Dickens 2016). Intervenções que foram propostas incluem fazer ativismo para o bem-estar de animais selvagens, apoiar pesquisas em soluções potenciais e construir capacidade geral [NT: construção de capacidade “refere-se a trabalho que aumenta o valor esperado de uma quantidade significativa de trabalho adicional que as pessoas farão no futuro.”]. (Sentience Politics 2016).

Pesquisa em alternativas para produtos animais

Melhorar o bem-estar animal é uma área de foco promissora. Uma estratégia para melhorar o bem-estar animal é reduzir o consumo de produtos animais. Criar alternativas mais atraentes à carne, laticínios e ovos pode ajudar a encorajar mais pessoas a reduzir o consumo destes produtos, e assim reduzir o sofrimento causado pela pecuária industrial. (Rorheim et al 2016).

O mais provável é que isto seja atingido por alguma forma de pesquisa nas ciências da vida. Por exemplo, pesquisas recentes investigaram a possibilidade de criar carne de cultura, que é carne cultivada célula por célula em laboratórios sem nenhum animal envolvido. (Open Philanthropy Project 2016).

O consumo de produtos animais

Um modo de reduzir o sofrimento animal, especialmente em fazendas industriais, é reduzir o seu próprio consumo de produtos animais (Hurford 2013).

Além do seu impacto direto sobre a produção de alimentos, virar vegetariano ou vegano pode também encorajar outros a fazer escolhas semelhantes, e no fim das contas ajudar a mudar normas sociais (Tomasik 2014). Por esta razão, muitos na comunidade do altruísmo eficaz defendem uma dieta vegana ou vegetariana, enquanto alguns focam na redução do consumo de alimentos específicos associados com a maioria das mortes ou sofrimento dos animais (Galef 2011; Tomasik 2016).

No entanto, outros membros da comunidade defenderam que reduzir ou eliminar produtos animais tem custos momentâneos de atenção e de produtividade, e que, após levar em conta estes custos, a mudança de dieta pode não ser uma intervenção custo-efetiva para aqueles preocupados com o bem-estar animal (Lewis 2015).

Leituras adicionais:

Animal Charity Evaluators. 2016. Impact calculator.
Um aplicativo interativo que calcula o impacto da panfletagem e de publicidade online sobre o bem-estar animal, dadas várias pressuposições.

Bogossian, Kyle. 2015. Quantifying the poor meat eater problem.
Uma tentativa de quantificar os efeitos do aumento de renda sobre o consumo de produtos animais.

Bollard, Lewis. 2016. Initial grants to support corporate cage-free reforms. Um relatório que estima a custo-efetividade de reformas corporativas de eliminação de gaiolas.

Cotton-Barratt, Owen. 2014. Human and animal interventions: the long-term view.
Um blog post que delineia algumas considerações para pensar que intervenções em humanos são mais efetivas que intervenções em animais.

Dickens, Michael. 2016. The myth that reducing wild animal suffering is intractable.

Galef, Julia. 2011. Want to kill fewer animals? Give up eggs.
Defende que pessoas preocupadas com os animais deveriam evitar ovos em vez de carne ou outros produtos animais.

Hanson, Robin. 2002. The morality of meat: why eating your vegetables is cruel to animals.

Hurford, Peter. 2013. Why eat less meat.
Uma articulação clara do caso para consumir menos produtos animais.

Lewis, Gregory. 2015. Don’t sweat diet?
Um argumento de que a mudança de dieta não é um modo eficiente de reduzir o sofrimento.

Lewis, Gregory. 2016. Beware suspicious and surprising convergence.
Um blog post que defende que deveríamos ser céticos sobre argumentos que concluem que alguma intervenção melhor atinge certo objetivo, quando esta intervenção foi escolhida por que foi percebida como ótima para tingir um objetivo diferente e não relacionado.

Matheny, Gaverick & Kai Chan. 2005. Human diets and animal welfare: the illogic of the larder. Journal of Agricultural and Environmental Ethics 18(6): 579–594.

McMahan, Jeff. 2010. The meat eaters. The New York Times.

Ng, Y.-K. 1995. Towards welfare biology: evolutionary economics of animal consciousness and suffering. Biology and philosophy 10(3): 255–285.

Norwood, Bailey & Jayson Lusk. 2011. Compassion, by the pound: the economics of farm animal welfare. New York: Oxford University Press.
Uma tentativa de aplicar princípios da economia para esclarecer várias questões morais e práticas em torno de animais de pecuária.

Open Philanthropy Project. 2013. Treatment of animals in industrial agriculture.
Uma visão geral de possíveis intervenções para tratar dos danos associados à pecuária industrial.

Open Philanthropy Project. 2015. Animal product alternatives.
Uma investigação de alternativas a produtos animais como uma possível intervenção para a redução do sofrimento animal.

Open Philanthropy Project. 2016. Animal product alternatives.

Reese, Jacy. 2016. Why animals matter for effective altruism.
Um ensaio que defende o bem-estar animal como uma área de foco preponderante da comunidade do altruísmo eficaz.

Rorheim, Adrian, Adriano Mannino, Tobias Baumann & Lucius Caviola. 2016. Cultured meat: an ethical alternative to industrial animal farming. Sentience Politics policy paper 1: 1–14.

Sentience Politics. 2016. Reducing suffering among invertebrates such as insects.

Shulman, Carl. 2013. Vegan advocacy and pessimism about wild animal welfare.

Stafforini, Pablo. 2016. Wild animal suffering: a bibliography.

Tomasik, Brian. 2014. Does vegetarianism make a difference?
Uma discussão sobre como o vegetarianismo pode ter um impacto sobre o sofrimento.

Tomasik, Brian. 2016. How does vegetarianism impact wild-animal suffering?

Tomasik, Brian. 2016. How many wild animals are there?

Tomasik, Brian. 2016. How much suffering is directly caused by various animal foods?
Uma análise do impacto da produção de diferentes alimentos.

Tomasik, Brian. 2016. Risks of astronomical future suffering.
Uma discussão sobre o futuro de longo prazo, com alguma discussão sobre questões animais.

Tomasik, Brian. 2016. The importance of wild animal suffering.

Weathers, Scott. 2016. The meat eater problem: developing an EA response.
Defende que o problema do comedor de carne pode ser menos significativo do que parece.

Nota: Caso deseje trabalhar na resolução dos problemas relativos ao sofrimento animal e, mais especificamente, a criação intensiva destes (pecuária industrial) sugerimos ler o seguinte texto do 80.000 horas.

Tradução: Luan Rafael Marques

Revisão: Fernando Moreno

Os textos acima foram traduzidos dos seguintes links:

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/animal-welfare/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/factory-farming/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/logic-of-the-larder/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/the-meat-eater-problem/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/wild-animal-suffering/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/research-into-animal-product-alternatives/

https://concepts.effectivealtruism.org/concepts/consuming-animal-products/

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