Semana 16
Imaginem a cena: domingão, todos reunidos, você leva seus legumes veganos para a churrasqueira, ambiente de paz e fraternidade, algumas piadas sobre sua comida, você pega a batata recheada, abre em seu prato, todos olham com “putz, olha o que ele vai comer que ridículo”, você alcança 2 corações de frango e uma casquinha de picanha, joga sobre sua batata recheada e dá uma mordida suculenta.
A roda de amigos fica boquiaberta. Você ainda comenta: “hum… Que carne deliciosa. Parabéns, churrasqueiro! Que suquinho esse sangue…”
Seus amigos não entendem nada, sentam-se ao seu lado questionadores. Você muda um pouco a expressão e comenta: “pena que ele foi tão torturado durante a vida, né? Sabia que metade das vezes a pistola erra e eles ficam berrando e sofrendo por um longo tempo enquanto são degolados e esfaqueados?”
Pronto, você pautou o churrasco e não é visto como o chato vegano, afinal, que vegano come carne com os amigos? Você faz parte do grupo. Seus amigos também não são a favor do sofrimento animal, ninguém é, nem o mais carnista. A conversa pode render mais trinta minutos sobre como a indústria é cruel, como algumas coisas poderiam ser diferentes, como o termo “abate humanizado” é uma mentira etc.
Depois, se for insuportável para sua mente saber que mastiga um cadáver torturado, discretamente você pode ir ao banheiro e vomitar (sem fazer barulho, claro). Mas sua missão foi cumprida, você pautou a conversa, não foi refém das críticas à sua comida alienígena.
Temos dois pontos principais nessa cena:
1. Uma forma criativa de pautar o debate
2. Uma forma efetiva de protestar
Sobre o ponto 1: sim, hoje em dia, tudo gira em torno de quem pauta o debate. Trump e Bolsonaro usaram muito disso seguindo táticas de marketing político. Diversas empresas engajadas também têm realizado ações assim com temas sociais. A estratégia é sempre estar em campanha (no caso dos políticos, uma afirmação polêmica, mesmo mentiras, o importante é gerar a notícia), constantemente trazendo fatos novos, para você nunca ser um refém, sempre se posicionar ativamente.
Um vegano em churrasco com amigos acaba sempre sendo refém de olhares cheios de pena. Um vegano comendo 2 corações no churrasco com amigos ativamente pauta o debate, torna-se parte do “grupo carnista”, é visto como “menos alienígena”, as pessoas podem até abrir os ouvidos para uma conversa tranquila sobre o tema.
Sobre o ponto 2: sim, este é um pouco mais difícil. Você pode contestar. Que tipo de protesto é esse que vai me obrigar a fazer algo tão desagradável? Tão absurdo?
Ora, muitos protestos utilizam de ações desagradáveis para passar uma mensagem. De fazer caminhadas fechando ruas a fazer greve surpresa fechando metros; de pichar muros a quebrar vidraças ou invadir prédios; de tirar a roupa na rua a fazer greve de fome como Gandhi ou colocar fogo em si mesmo e morrer queimado como os monges budistas.
O foco aqui não é falar o que está certo ou errado, é só mostrar que protestos não são necessariamente “agradáveis”. Mas é assim que o mundo caminha, assim que manifestantes conseguem chamar atenção para suas causas.
Vamos ficar com a última imagem: se os monges passam uma mensagem eficaz dando a vida e morrendo queimados na rua, quem é você para reclamar de comer um pedacinho de língua de boi com os amigos?
Sim, é difícil, mas você consegue. Escolha suas batalhas, faça isso em 1 ou 2 churrascos por ano com amigos, mas é importante tentar. Algum corte de carne pode ser menos complicado, existem cortes deliciosos e saborosos, levam endorfina para o cérebro, sensação de bem estar. Não é porque é antiético e criminoso que não é bom, né?
Vários crimes podem ser bons. Roubar um banco e dormir milionário é antiético e criminoso, mas claro que deve ser divertido. Argumentar contra isso é ir pelo caminho errado. Existem componentes na carne que reagem no cérebro e trazem sensação de bem estar. Na carne de cachorro, de gato e até na humana, obviamente, também. Mas só essas são mal vistas por aqui no Brasil.
Então, estamos combinados. No próximo churrasco, não seja o vegano silencioso. Isso não muda em nada o mundo, não avança o tema na sociedade. Também evite ser o vegano evangelizador, que não come carne e é visto como alienígena quando traz o assunto à tona.
Seja, estrategicamente, o “vegano socialmente carnista”, o vegano do protesto inteligente e efetivo. Faça parte do grupo canibal, coma junto (uma casquinha do cupim que seja), mas paute o debate sobre o absurdo que todos estão fazendo.
Um vegano mudo não muda o mundo.
Um epílogo importante para este texto:
Duas semanas após escrever o post, fui ao meu primeiro churrasco com amigos desde o início do diário. Fiquei 2 dias vendo vídeos de como fazer um “churras vegano” e nada me empolgava, nada dava vontade.
Como ainda não parei totalmente com a carne de boi (continua 1 vez por semana), até o último minuto considerei comer alguns pedaços, mas sem seguir a estratégia acima, só queria passar despercebido. Justificava mentalmente que era importante manter as amizades e a convivência.
Também não queria virar o foco da galera levando abobrinha milho e berinjela e colocando na grelha junto das carnes. Quase desisti de ir. Nem sempre queremos falar do assunto, o tempo inteiro, com todos, né?
Aí caiu a ficha do Hambúrguer do Futuro (sem propaganda). Entendi que esse produto serve perfeitamente para essas ocasiões. Levei 2 hambúrgueres e algumas linguiças vegetais e deu tudo certo. Ninguém nem percebeu o que eu comia. Só o churrasqueiro perguntou e achou legal, pediu pra provar e inclusive gostou bastante do sabor. Tudo se desenrolou bem e até o assunto surgiu naturalmente.
O churrasqueiro, inclusive, falou que não aguentaria ver as cenas dos animais sendo mortos. É viciado em carne, mas, se assistisse, pararia no dia seguinte. Aí abriu a brecha, sugeri para ele assistir Dominion. Não segui minha própria estratégia do post acima, mas, mesmo por outros caminhos, talvez tenha influenciado pelo menos a curiosidade de um churrasqueiro.
Escolher bem os momentos de pautar ou não o debate foi um bom aprendizado. Nem sempre precisamos ser proativos. Às vezes, quando a curiosidade vem do outro, a abertura chega mais fácil para uma conversa tranquila. Provavelmente, é até mais efetivo. Nesse meu “primeiro churras” como wannabe vegano, com certeza, foi.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).