Steven Pinker quer uma delineação mais clara entre fatos e sentimentos
Essa é a primeira parte de uma série chamada Focal Point, onde nós fazemos a membros da Universidade de Harvard a mesma pergunta.
PERGUNTA: Qual seria um problema no mundo que você mudaria e por quê?
Muitos líderes e influencers, incluindo políticos, jornalistas, intelectuais e acadêmicos se rendem ao viés cognitivo de avaliar o mundo por meio de anedotas e imagens ao invés de dados e fatos. Nosso presidente assumiu o cargo com uma visão distópica de que vivenciávamos uma “carnificina” numa época na qual os níveis de violência criminal estão perto dos menores da História. Seu antecessor do Partido Republicano criou um poderoso novo departamento federal e começou duas guerras devastadoras para proteger os americanos de um perigo, o terrorismo, que na maioria dos anos mata menos pessoas que picadas de abelhas e acidentes com relâmpagos. No ano seguinte aos ataques de 11 de setembro, 1500 americanos com medo de voar de avião morreram em acidentes de trânsito, sem saber que uma viagem aérea de Boston a Los Angeles possui o mesmo risco que dirigir por 19 quilômetros.
“Como nós podemos mudar esse destrutivo analfabetismo estatístico e desdém pelos dados?”:
Uma morte causada por um carro autônomo da Tesla vira manchete mundial, mas as 1.25 milhão de mortes a cada ano de veículos dirigidos por humanos não. Crianças pequenas são traumatizadas por exercícios em suas escolas que as preparam para se esconder de ataques repentinos de atiradores desequilibrados, que têm uma chance infinitamente menor de matá-los do que acidentes de carro, afogamentos ou, nesse quesito, que assassinos convencionais, que matam o equivalente a um massacre de Sandy Hook e meio todos os dias. Vários tiroteios policiais amplamente divulgados têm convencido os ativistas que as minorias estão em perigo mortal por causa de policiais racistas, enquanto três análises (duas pela Universidade de Harvard, feitas por Sendhil Mullainathan e Roland Fryer) não mostraram viés racial nos tiroteios.
Muita gente está convencida que o país é irremediavelmente racista, sexista, homofóbico e sexualmente agressivo num momento em que todos esses males estão numa constante queda (embora não com rapidez suficiente). As pessoas, tanto da direita como da esquerda se tornaram cínicas a respeito das instituições globais porque acreditam que o mundo está ficando mais pobre e destruído pela guerra, ao mesmo tempo que nas últimas décadas os índices globais de extrema pobreza e mortes em batalhas desabaram.
As pessoas estão aterrorizadas com a energia nuclear (a mais escalável forma de energia livre de emissão de carbono) por causa da imagem da Three Mile Island (que não matou ninguém), Fukushima (que também não matou ninguém; as mortes foram causadas por um tsunami e uma histérica e desnecessária evacuação), e Chernobyl (que matou menos pessoas do que são mortas por carvão todos os dias). Elas acreditam que os combustíveis fósseis podem ser substituídos pela energia solar, sem fazer as contas de quantos quilômetros quadrados deveriam ser ocupados para satisfazer a crescente demanda mundial por eletricidade. E elas também creem que sacrifícios voluntários, como desconectar carregadores de laptop, são uma maneira sensata de se lidar com as mudanças climáticas.
Como nós podemos mudar esse destrutivo analfabetismo estatístico e desdém pelos dados? Precisamos fazer da “factualidade” (Factfulness, como Hans, Ola e Anna Rosling a chamam) uma parte inerente da cultura educacional, do jornalismo, dos comentários e da política. A consciência da debilidade da intuição humana não-guiada deve fazer parte dos conhecimentos de toda pessoa estudada. Guiar ações ou ativismos através de eventos alarmantes, sem referência de dados, deveria ser visto como tão risível quanto guiá-los por presságios, sonhos ou pela subida de Júpiter em Sagitário.
Traduzido de: https://news.harvard.edu/gazette/story/2019/06/focal-point-harvard-professor-steven-pinker-says-the-truth-lies-in-the-data/
Tradução: Carlos Renato Hertel