Em menos de 10 anos, seremos superados pela inteligência artificial (IA) e todo tipo de tragédia pode acontecer. A previsão é de Ray Kurzweil, um dos maiores futuristas e especialistas sobre o tema. Uma busca rápida no google ou em filmes de ficção científica traz ilustrações das possíveis catástrofes. O que essa busca não vai trazer é a resposta para a ética que deve ser respeitada pela IA, talvez a única ética possível que salve a humanidade da violência dos robôs a algoritmos inteligentes, porque ninguém ainda percebeu que essa ética é… vegana.
Relembrando: dado que temos agência moral e maior poder sobre outros seres sencientes (que buscam alegrias em suas vidas, que fogem da dor), a ética vegana diz que não temos o direito de lhes causar sofrimento apenas pelo prazer de comer um quindim. Nem de vestir uma jaqueta de couro. Ou de dar risada em um circo ou zoológico. Na medida do possível e praticável, devemos nos abster de explorar e maltratar outros indivíduos. Como é totalmente possível e praticável viver da alimentação de plantas (onde está 98% do sofrimento que causamos nos animais hoje em dia), o veganismo fica muito conectado com a questão da dieta. Mas a ética vegana abrange toda nossa relação com os animais.
A leitora já entendeu onde quero chegar, né? Se buscamos uma ética para um ser mais forte que nós, essa ética precisa espelhar o que fazemos com seres mais fracos. Se a ética da IA espelhar nossa relação com os animais hoje, quando, por exemplo, cozinhamos lagostas sencientes vivas para que a carne fique mais macia, o que podemos esperar quando nós formos os mais fracos da equação?
Uma inteligência artificial é um algoritmo focado em objetivo. Uma IA famosa foi aquela que nos ganhou no xadrez. Outra foi naquele jogo Go. Outras surpreendentes agora estão otimizando previsões, análises, produção fabril, produção jornalística e até gerando arte como poemas e desenhos.
Um dos campos de estudos mais importantes da próxima década é sobre o alinhamento ético entre as IAs e os interesses humanos. Há bastante dificuldade com a resposta e, até hoje, não vi ninguém assinalar a alternativa correta. Se a IA não for vegana, não existe ética que vai segurá-la de nos exterminar para, digamos, usar sangue humano para otimizar sua função de pintar Picassos.
Todos os estudos éticos para IA que vejo ainda são antropocêntricos. Pensam nos humanos como centro de tudo. Mas isso porque nos achamos a última bolacha do pacote. Um robô (vou usar robô por ser mais divertido, mas leia-se IA)… um robô que acordar mais inteligente que nós simplesmente vai rasgar qualquer coisa que “esses bichos burros escreveram”. E vai nos tratar como hoje tratamos… frangos e lagostas e porcos e todo o gado burro que fica mugindo no campo, né?
Robôs mais empolgados podem, inclusive, para maximizar seu prazer, produzir papilas gustativas para degustar picanhas humanas mal passadas. E que ética poderia fazê-los mudar de ideia? Uma lei escrita por bichos burros que já comiam e não respeitavam outros bichos burros?
Inclusive, nós, os bichos burros, já passamos séculos explorando e sendo cruéis e supremacistas inclusive com nossa mesma raça. Imagina o robozão gênio vendo o que fizemos por séculos com negros, mulheres, gays, ciganos, indígenas, judeus, pessoas com deficiência… Qual histórico moral teríamos para exigir, em um potencial diálogo com a ditadura robótica, qual moral teríamos para pedir um tratamento sem violência?
Se um robozinho gênio for criado com nossa visão supremacista, indiferente à dor de animais humanos diferentes, indiferente à dor de animais não humanos diferentes, o robozinho gênio vai crescer e se tornar violento igual a seus pais.
Como criamos pessoas melhores? Dando o exemplo. Agindo conforme a ética que pregamos. Como criaremos robôs melhores que nós? Dando desde já o exemplo, promovendo o veganismo e agindo conforme a ética que nosso coração já pede, e que estamos muito ocupados com o prazer do quindim para escutar.
Promover a ética vegana não é resposta apenas para acabar com o holocausto animal. É também uma maneira de evitarmos nossa própria extinção.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. É autor dos livros “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “120 dias de Corona” (Ed. Letramento) – este último lançado agora em 2022.