Semana 13
Se existisse uma pílula que hackeasse seu cérebro para se tornar vegano, você tomaria? Se, de um dia para o outro, você se libertasse do vício em sofrimento animal e seu paladar achasse sem graça o sabor de carne/leite/queijo/ovo/etc? Sim, eu sei que você não tomaria a pílula. E-tá-tudo-bem, a amizade continua. O mundo nunca será vegano por meio do convencimento individual. As pessoas só mudam se forem atravessadas pela experiência de ver um boi levando martelada na cabeça e sofrendo desesperadamente enquanto cortam seu pescoço.
Se nem a Bela Gil está preocupada com isso, ela que sabe fazer pratos criativos e saborosos substituindo a carne por tudo, ela que tem tempo para pensar em seu cardápio, ela que sabe analisar a nutrição correta para sua ingestão, ela que tem recursos para comprar produtos veganos que ainda, por pouca demanda, possuem um preço elevado para 95% da população brasileira, ela que…
Essa semana, o programa Masterchef trouxe um desafio de fazer pratos clássicos sem utilizar ingredientes com sofrimento animal. Bela Gil foi convidada para o episódio e não se definiu como vegana. E-tá-tudo-bem. Não sei seu posicionamento exato, mas há uns anos declarou: “Não gosto de rótulos. Não sou macrobiótica, nem ayurveda, nem vegetariana. Sou uma vegetariana que come carne de vez em quando. Podemos comer de tudo, se soubermos quanto comer e o que comer. Se eu acordar hoje com vontade e achar que eu preciso comer carne, eu vou comer carne.”
Eu sou assim também, sou um wannabe vegano apenas. Ainda como carne e peixe uma vez por semana nesse processo de transição que não sei quanto tempo vai durar. São deliciosos. O que me surpreendeu foi a paixão por queijo, leite e ovo. Sumiu! Caiu basicamente para zero o consumo (faz mais de 2 meses que não entram na geladeira aqui, e nem tenho comido fora de casa).
Os vídeos que assisti sobre a produção desses três produtos funcionaram para mim como uma pílula do início do texto. Se eu comer, óbvio que meu cérebro vai gostar. Mas ele ao menos parou de pedir. E o costume de não ter mais em casa ajuda também. O marketing na TV, reconheço, atrapalha…
A Anita é outra no wannabeveganismo. Defende a causa, se importa com o sofrimento animal, tentou ser vegana por um bom tempo, possui chefs e recursos financeiros infinitos para sempre ter as comidas mais saborosas e a nutrição equilibrada, e não conseguiu continuar.
Não, este texto não é de cancelamento. Não é uma crítica às duas. É só uma reflexão: se nem elas deram o “salto final” para se verem como veganas, como os demais darão esse salto? O mundo nunca será vegano se depender de “convencimentos” individuais ou de discussões com amigos.
A mudança e o incentivo devem vir do lado da oferta: reequilíbrio dos subsídios (da carne para as plantas e também de mais pesquisas da carne artificial, idêntica a do animal mas livre do sofrimento), maior acessibilidade nos preços dos produtos substitutos (por que um hambúrguer de soja ainda não é metade do preço do de carne nas redes de fast food?), maior consciência no marketing desses produtos (direcionando a demanda) e até mesmo pela regulação.
São realmente as ações institucionais que podem mudar o cenário. Episódios como esse do Masterchef são ótimos exemplos. Não para convencer ninguém, mas para abrir os horizontes de muitas pessoas simultaneamente, que podem cogitar experimentar um ou dois dias sem carne na semana.
A própria Anita acabou de ter uma iniciativa sensacional também. Ao participar de uma ação do Burger King nos EUA, para lançar um hambúrguer com seu nome, exigiu que a receita fosse 100% vegana.
Precisamos de mais ideias e esforços institucionais como esses. Seja para mais pessoas cogitarem o veganismo, seja para, ao menos, reduzir o impacto no meio ambiente. Mesmo sem o mundo se tornar vegano, ações desse tipo ao menos ajudam a manter o mundo vivo.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).