Semana 14
Não estamos loucos, sabemos que o álcool do proálcool vinha de plantas. Sabemos também que muita coisa deu errado na forma como foi implementado. Mas o propósito por trás da iniciativa é também muito similar ao problema animal que vemos hoje: temos um ingrediente ruim na fórmula, é impossível substituí-lo completamente no curto prazo, mas seria possível diluí-lo aos poucos? Irmos nos acostumando com um carro flex, com uns 20% de álcool em nossa gasolina?
Para quem está perdido, voltamos ao básico. Segue um resumo do Brasil Escola: “O Proálcool (Programa Nacional do Álcool) consistiu em uma iniciativa do governo brasileiro de intensificar a produção de álcool combustível (etanol) para substituir a gasolina. Essa atitude teve como fator determinante a crise mundial do petróleo, durante a década de 1970, pois o preço do produto estava muito elevado e passou a ter grande peso nas importações do país”.
“Nesse sentido, em 1975, foi criado o Proálcool, sendo oferecidos vários incentivos fiscais e empréstimos bancários com juros abaixo da taxa de mercado para os produtores de cana-de-açúcar e para as indústrias automobilísticas que desenvolvessem carros movidos a álcool. Na primeira década do Proálcool, os resultados foram positivos, visto que os consumidores priorizavam os automóveis movidos a álcool e, em 1983, as vendas desses veículos dominaram o mercado brasileiro. Em 1991, aproximadamente 60% dos carros do país (cerca de 6 milhões) eram movidos por essa fonte energética.”
Agora, transportemos essa lógica para a nossa alimentação, hoje extremamente dependente da tortura animal de vacas, porcos, galinhas. Temos um ingrediente ruim em nossa alimentação? Sim, a dor e tortura dos animais (e todo seu impacto ambiental também no pacote). É impossível de um dia para o outro nos libertarmos desse ingrediente? Sim, a dependência nutricional, econômica e psicológica ainda é gigante. Então uma transição de longo prazo é necessária. Mas como? Apresento a vocês o “PróPlantas”, o maior plano de transição energética desde o Proálcool. Mas, dessa vez, a transição energética é do nosso corpo, não dos nossos automóveis. E dessa vez não será proposta por uma ditadura, nem precisa depender só do Estado.
Seguem algumas ideias rápidas de graça para o setor privado, para quem quiser aproveitar:
- E se o BigMac, em vez de 2 hambúrgueres de carne alface molho especial cebola e picles num pão com gergelim tivesse 1 dos hambúrgueres de planta? Vamos testar essa demanda? Dou o nome de graça: BigMacGreen, reduzindo em 50% o impacto no meio ambiente.
- E se a coxinha do Ragazzo tivesse 30% de jaca? Mudaria muito o gosto? Ou se a cada 5 coxinhas, 1 fosse de plantas. Espantaria muito a demanda? Vamos testar?
- E se 30% do leite do Leite Moça fosse de leite de aveia? Mudaria muito o sabor?
- E se 40% da porção de calabresa no boteco viesse com calabresa plant-based anonimamente, destruiria muito a degustação com aquela skolzinha gelada?
- E se o Starbucks migrasse totalmente para o leite vegetal em suas misturas de café? (ah, isso já está acontecendo!)
Do outro lado, o Estado também poderia ajudar. Todos os incentivos que endereça para o agronegócio só continuariam válidos para as indústrias de carne e leite que se elas se comprometessem com 30% de “diluição” dos ingredientes animais em seus produtos. O leite de vaca deveria ter um % de algum outro ingrediente de planta. O hambúrguer, a pizza, as lasanhas congeladas também.
E se, para estimular mais pessoas a experimentarem dietas plant based, alguns alimentos viessem enriquecidos com B12 como fazemos com a legislação de iodo no sal? Relembrando a lei: “Art. 1º É proibido, em todo o Território Nacional, expor ou entregar ao consumo direto sal comum ou refinado, que não contenha iodo nos teores estabelecidos em Portaria do Ministério da Saúde”.
Os EUA estão criando legislações desse tipo na transição energética, incentivando energias limpas para evitar a crise climática. Diversos outros países pelo mundo também estão cada vez mais agressivos nessa direção. Ora, a indústria da carne é a principal responsável pelo nosso desmatamento. Fora toda a poluição de gás metano, e resíduos nos rios, um hambúrguer de 200g de carne precisa de 3 mil litros de água para ser produzido. Um hambúrguer de plantas? Nem 20% disso.
Somos um dos maiores produtores mundiais de carne no mundo. Somos muito atrasados em diversos temas, mas nesse podemos ser vanguarda. Quanto mais sucesso tiver o PróPlantas, mais baratos ficarão os produtos industrializados vegetarianos (esses práticos para o dia a dia, mesmo que menos nutritivos) e mais gente poderá variar a dieta, experimentar leite de amêndoas, comer hambúrguer de feijão alguns dias na semana, ou carne de soja, ou shitake, ou queijo de grão de bico.
O PróPlantas pode ser só o início de uma virada ecológica e ética em relação à nossa alimentação. Sem forçar ninguém, sem precisar ser do dia para noite, nada radical, apenas por incentivos privados e públicos, do lado da oferta e da demanda.
Sem a pressão de se tornarem veganas, mas com a possibilidade de uma variação na dieta, e a publicidade sobre como isso é uma ação contra o aquecimento global (e a tortura animal), mais pessoas naturalmente podem se interessar em reduzir o consumo diário de carne/leite/queijo/etc.
Vamos testar essa demanda? O que mais poderia ser incluído em um PróPlantas para os presidenciáveis de 2022?
O PróPlantas pode parecer uma utopia impossível, mas é um impossível necessário. E urgente.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).