Em 2003, os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque. A maioria hoje concorda que essa decisão foi muito equivocada, custando trilhões de dólares e milhares de vidas. E se pudéssemos evitar erros semelhantes no futuro, alterando o modo como as próprias instituições funcionam?
O que exatamente deu errado aqui é assunto controverso: na melhor das hipóteses, o processo de tomada de decisão era desprovido de rigor e, na pior das hipóteses, o processo foi altamente tendencioso.
O governo americano justificou a invasão com a alegação, feita pela sua comunidade de inteligência, de que era “altamente provável” que o Iraque possuía armas de destruição em massa — ADM (Weapons of Mass Destruction — WMD) — mas tal afirmação era ambígua. Os responsáveis políticos consideram essa frase como que indicando quase 100% de certeza e tomaram suas decisões a partir disso. Mas “altamente provável” também poderia facilmente ser interpretado como 80% de certeza, ou 70% — com implicações práticas muito diferentes. Os envolvidos não pensaram realmente nas probabilidades relevantes, nem consideraram quão provável era que as estimativas estivessem erradas, ou as implicações caso estivessem.
Outros sugeriram que os Estados Unidos já tinham tomado sua decisão quanto a invadir o Iraque e que tal decisão que influenciou as informações da comunidade de inteligência — e não o contrário. Esse é um exemplo particularmente extremo daquilo que é conhecido como “raciocínio motivado” — uma tendência para raciocinar de maneiras que apoiam quaisquer conclusões que desejamos que sejam verdadeiras.
A decisão de invadir dependia das impressões subjetivas de algumas pessoas-chave –impressões subjetivas que mais tarde se revelaram erradas, feitas por pessoas com motivações complexas.
Índice
Melhorando o processo de decisão em nossas instituições
Governos e outras instituições importantes frequentemente têm que tomar decisões complexas e de alto risco com base no julgamento de apenas um punhado de pessoas. Há razões para acreditar que os juízos humanos podem ser falhos de diversas maneiras, mas podem ser substancialmente melhorados usando certos processos e técnicas de modo sistemático.
Nossa capacidade de resolver os problemas do mundo depende muito de nossa capacidade de tomar decisões de alta qualidade. Precisamos ser capazes de identificar em quais problemas trabalhar, entender quais fatores contribuem para esses problemas, prever quais de nossas ações terão os resultados desejados, e ao responder ao feedback sermos capazes de mudar de ideia.
Há muitas razões para pensar que a nossa competência para tomada de decisão é, atualmente, longe de perfeita, conforme a pesquisa em psicologia das últimas décadas foi capaz de documentar toda uma série de vieses cognitivos que afetam nossos juízos e decisões.
Por exemplo, quando tentamos avaliar nossas chances de sucesso, nos concentramos demais em todas as razões pelas quais nossa sorte será diferente da média: apesar do fato de que a maioria das startups falha, a maioria dos empreendedores está convencida de que ele será aquele caso incomum que obterá sucesso.
Também estamos confiantes demais em nossas previsões — argumenta-se, por exemplo, que a confiança indevida contribuiu para a explosão do ônibus espacial Challenger, onde a NASA rejeitou as preocupações de segurança expressas por um engenheiro.
Muitos dos problemas mais importantes do mundo são incrivelmente complicados, exigindo uma compreensão de sistemas complexos e inter-relacionados, assim como uma capacidade de prever o resultado de diferentes ações e equilibrar considerações concorrentes. Isso significa que há muito mais espaço para erros de julgamento passarem desapercebidos. Mesmo os especialistas em previsões políticas costumam acertar menos do que simples previsões atuariais, ao estimarem as probabilidades de eventos até 5 anos no futuro. As organizações mais bem posicionadas para resolver os problemas mais importantes do mundo também costumam ser altamente burocráticas, o que significa que os tomadores de decisão enfrentam muitas restrições e incentivos que competem entre si, nem sempre estando alinhados com a melhor tomada de decisão.
Com o desenvolvimento tecnológico de armas nucleares, armas autônomas, bioengenharia e inteligência artificial, nosso poder destrutivo está aumentando rapidamente. Crises resultantes de guerras, agentes mal intencionados ou mesmo acidentes podem ceifar bilhões de vidas ou mais.
Não está claro se a tomada de decisão individual, ou a estrutura das instituições-chave, evoluiu em um ritmo sequer próximo ao necessário para administrar essas crises potenciais — nossas instituições e nossos processos de tomada de decisão são bem parecidos com aqueles que falharam na primeira e segunda guerra mundial e, ainda assim, os piores cenários que precisariam ser mitigados estão várias ordens de grandeza acima daquelas guerras.
Mas há algumas boas notícias. Pesquisas estão sendo feitas, focando nas técnicas para melhorar o julgamento humano e a tomada de decisões. Os pesquisadores estão estudando como melhorar nossa capacidade de fazer previsões sobre o futuro, como pensar melhor, de maneira probabilística e como pensar em problemas complexos de um modo mais estruturado.
Behavioral Insights Team (BIT — Time para Insights Comportamentais)
Os impostos são muito chatos. Sendo assim, a maioria das pessoas no Reino Unido pode ser perdoada por não ter percebido quando o Behavioral Insights Team (BIT — Time para Insights Comportamentais) do governo britânico começou a realizar alguns simples estudos aleatórios controlados — EACs (randomized controlled trials — RCTs) para aumentar os reembolsos de impostos em 2010. Mas esses testes simples tiveram um grande efeito: trouxeram mais de £210 milhões de receita extra para o governo em apenas um ano.
Este primeiro ensaio ajudou a BIT a defender a necessidade de mais políticas baseadas em evidências — agora, os EACs estão sendo usados para melhorar a qualidade da tomada de decisões em todas as áreas de políticas públicas. Sete anos após o primeiro teste fiscal, o BIT executou mais de 300 EACs em diversas áreas (incluindo prevenção ao crime, doação e ação social e contra-extremismo).
Este é um bom exemplo de como melhorias na tomada de decisões e juízos melhora nossa capacidade de resolver quase todos os outros problemas. Se pudéssemos melhorar a capacidade de funcionários do governo que enfrentam decisões de alto risco — reduzindo sua suscetibilidade aos diversos vieses ou desenvolvendo métodos melhores de agregar expertise — isso poderia ter efeitos indiretos positivos nos mais diversos domínios. Por exemplo, poderia melhorar nossa capacidade de evitar ameaças como uma crise nuclear, assim como nos ajudar a alocar recursos escassos para as intervenções mais eficazes em educação e saúde.
O trabalho de Philip Tetlock
Até agora, a pesquisa avançou na identificação de técnicas que melhoram de forma confiável os juízos e a tomada de decisões e, pelo menos onde há boas evidências, parece haver um interesse crescente em tentar implementar as técnicas na prática.
O trabalho de Philip Tetlock, por exemplo, identificou várias maneiras de melhorar a precisão das previsões sobre eventos do mundo real, que foram testados em EACs de larga escala. Um outro programa de pesquisa sobre “mercados de previsão” sugere que fazer com que as pessoas “apostem” em suas previsões pode aumentar a precisão destas, sejam elas previsões políticas, corporativas, meteorológicas ou estatísticas.
Com evidências cada vez mais sólidas sobre tais efeitos, conseguir implementá-los na prática parece factível — já há interesse em técnicas de previsão na comunidade de inteligência, por exemplo. Um próximo passo promissor nesta área seria pegar as descobertas em que temos evidências sólidas e executar pilotos de menor escala em contextos mais específicos (por exemplo, em organizações específicas ou em partes do governo).
Por exemplo, alguns juízos podem ser excessivamente confiantes, levando a decisões mal informadas — a confiança injustificada na posse de armas de destruição em massa no Iraque teve consequências dramáticas, como vimos. Parte do problema aqui é que as pessoas não estão muito bem “calibradas” — nossos cérebros não parecem ter uma boa noção intuitiva do que significa falar que algo é, digamos, “70% provável” e, como consequência disso, as declarações que fazemos com 70% de confiança revelam-se verdadeiras muito menos do que 70% das vezes.
Mas há algumas evidências de que é possível melhorar a calibração das pessoas por meio de treinamento. A Hubbard Decision Research treinou mais de 1.000 pessoas em calibração e descobriu que 80% dos participantes estavam idealmente calibrados após cinco exercícios.
E se pudéssemos evitar erros semelhantes a invasão do Iraque ou a expansão do coronavírus?
Quando pensamos em fazer o bem para o mundo geralmente pensamos sobre a resolução de problemas específicos, e fazê-lo melhor do que instituições e organizações existentes. Mas você também pode melhorar o mundo de uma maneira diferente: tornando mais fácil para as principais instituições e tomadores de decisão o modo como resolvem seus problemas. Isso pode se dar ajudando as pessoas a evitarem erros comuns de raciocínio, a melhor avaliarem a competência de especialistas, ou a fazerem previsões mais precisas. Também pode significar encontrar maneiras de mudar os incentivos das grandes organizações de modo a tornar mais fácil fazer todas essas coisas.
Uma vantagem dessa abordagem é que, se bem-sucedida, poderia permitir à humanidade lidar melhor com muitos problemas diferentes — incluindo aqueles que ainda sequer percebemos. Melhorar a qualidade na tomada de decisões das instituições importantes poderia ajudar nossa capacidade em resolver quase todos os outros problemas. Isso também poderia ajudar a capacidade da sociedade em identificar os “desconhecidos desconhecimentos” — os problemas que ainda sequer pensamos — e a mitigar todos os riscos de catástrofes globais, que acreditamos serem realmente importantes (leia mais a respeito dos riscos catastróficos nesta outra proposta).
E se você pudesse ajudar a evitar erros semelhantes no futuro?
Considere direcionar sua carreira de modo a atuar na resolução dos problemas de tomada de decisão institucional. Para entender melhor, leia o Guia de Carreiras 80.000 horas.
Nota: Este artigo faz parte da série: “Coronavírus: o que fazer para nunca mais acontecer”. O conteúdo desta proposta é uma versão resumida. Acesse aqui a versão completa do texto.