Introdução
Imagine viver, por ordem de nascimento, através da vida de cada ser humano que já viveu. Sua primeira vida começa há cerca de trezentos mil anos na África. Depois de viver essa vida e morrer, você viaja no tempo e reencarna como a segunda pessoa, nascida um pouco depois da primeira. Depois que a segunda pessoa morre, você reencarna como a terceira pessoa, depois a quarta e assim por diante. Cem bilhões de vidas depois, você se torna a pessoa mais jovem viva hoje. Sua “vida” consiste em todas essas vidas, vividas consecutivamente.
Sua experiência da história é muito diferente do que é retratado na maioria dos livros didáticos. Figuras famosas como Cleópatra ou Napoleão representam uma pequena fração de sua experiência. A essência de sua vida é composta de vidas comuns, repletas de realidades cotidianas – comer, trabalhar e socializar; rir, preocupar-se e orar.
Sua vida dura quase quatro trilhões de anos no total. Por um décimo desse tempo, você é um caçador-coletor e por 60% você é um agricultor. Você gasta 20% de sua vida criando suas crianças, mais 20% trabalhando na agricultura e quase 2% participando de rituais religiosos. Por mais de 1 por cento de sua vida, você sofre de malária ou varíola. Você gasta 1,5 bilhão de anos fazendo sexo e 250 milhões de anos dando à luz. Você bebe quarenta e quatro trilhões de xícaras de café.
Você experimenta crueldade e bondade de ambos os lados. Como colonizador, você invade novas terras; como colonizado, você sofre tendo suas terras tiradas de você. Você sente a raiva do agressor e a dor do abusado. Por cerca de 10 por cento de sua vida você é um senhor de escravos; por aproximadamente o mesmo período de tempo, você é escravizado.
Você experimenta, em primeira mão, o quão incomum é a era moderna. Devido ao dramático crescimento populacional, um terço de sua vida ocorre depois de 1200 DC e um quarto depois de 1750. Nesse ponto, a tecnologia e a sociedade começam a mudar mais rápido do que nunca. Você inventa motores a vapor, fábricas e eletricidade. Você vive revoluções na ciência, as guerras mais mortíferas da história e a dramática destruição ambiental. Cada vida dura mais e você desfruta de luxos que não poderia experimentar nem mesmo em suas vidas passadas como reis e rainhas. Você passa 150 anos no espaço e uma semana caminhando na lua. Quinze por cento de sua experiência é de pessoas que estão vivas hoje.
Essa é a sua vida até agora – desde o nascimento do Homo sapiens até o presente. Mas, agora, imagine que você vive todas as vidas futuras também. Sua vida, assim esperamos, estaria apenas começando. Mesmo que a humanidade dure tanto quanto as espécies típicas de mamíferos (um milhão de anos), e mesmo que a população mundial caia para um décimo de seu tamanho atual, 99,5% de sua vida ainda estaria à sua frente. Na escala de uma vida humana típica, você do presente teria apenas cinco meses de idade. E se a humanidade sobrevivesse por mais tempo do que uma espécie típica de mamíferos – pelas centenas de milhões de anos restantes até que a Terra não seja mais habitável, ou pelas dezenas de trilhões restantes até que as últimas estrelas se apaguem – seus quatro trilhões de anos de vida seriam como o primeiros segundos piscando fora do útero. O futuro é grande.
Se você soubesse que viveria todas essas vidas futuras, o que você gostaria que fizéssemos no presente? Quanto dióxido de carbono você gostaria que emitissemos na atmosfera? Quanto você gostaria que investissemos em pesquisa e educação? Quão cuidadosos você gostaria que fossemos com as novas tecnologias que podem destruir ou inviabilizar permanentemente o seu futuro? Quanta atenção você gostaria que déssemos ao impacto das ações de hoje no longo prazo?
Eu apresento este experimento mental porque a moralidade, em sua parte central, consiste em nos colocar no lugar dos outros e tratar seus interesses como tratamos os nossos. Quando fazemos isso em toda a escala da história humana, o futuro – onde quase todos vivem e onde reside quase todo o potencial de alegria e miséria – vem à tona.
Este livro é sobre o longoprazismo: a ideia de que influenciar positivamente o futuro a longo prazo é uma prioridade moral fundamental do nosso tempo. Longoprazismo é levar a sério o quão grande o futuro pode ser e quão altos são os riscos ao moldá-lo. Se a humanidade sobreviver até mesmo a uma fração de sua expectativa de vida potencial, então, por mais estranho que pareça, somos os antigos: vivemos bem no início da história, no passado mais distante. O que fizermos agora afetará um número incontável de pessoas no futuro. Precisamos agir com sabedoria.
Levei muito tempo para chegar ao longoprazismo. É difícil para um ideal abstrato, focado em gerações de pessoas que nunca conheceremos, nos motivar tal como os problemas mais salientes nos fazem. No ensino médio, trabalhei para organizações que cuidavam de idosos e deficientes. Como estudante de graduação preocupado com a pobreza global, fui voluntário em um centro infantil de reabilitação da pólio na Etiópia. Ao iniciar o trabalho de pós-graduação, tentei descobrir como as pessoas poderiam ajudar umas às outras de maneira mais eficaz. Comprometi-me a doar pelo menos 10% de minha renda e fui cofundador de uma organização, Giving What We Can, para encorajar outras pessoas a fazer o mesmo.
Essas atividades tiveram um impacto concreto. Por outro lado, a ideia de tentar melhorar a vida de futuros desconhecidos inicialmente me deixou indiferente. Quando um colega me apresentou argumentos para levar o longo prazo a sério, minha reação imediata foi uma rejeição simplista. Existem problemas reais no mundo enfrentados por pessoas reais, pensei, problemas como pobreza extrema, falta de educação e morte por doenças facilmente evitáveis. É aí que devemos focar. Especulações de ficção científica sobre o que pode ou não impactar o futuro pareciam uma distração.
Mas os argumentos a favor do longoprazismo exerceram uma força persistente em minha mente. Esses argumentos baseavam-se em ideias simples: que, consideradas imparcialmente, as pessoas do futuro não deveriam valer menos, moralmente, do que a geração atual; que pode haver um grande número de pessoas no futuro; que a vida, para eles, pode ser extraordinariamente boa ou extraordinariamente ruim; e que realmente podemos fazer a diferença no mundo que eles virão a habitar.
O ponto crítico mais importante para mim era prático: mesmo que devêssemos nos preocupar com o futuro a longo prazo, o que podemos fazer? Mas, à medida que aprendi mais sobre os eventos potencialmente decisivos da história que poderiam ocorrer em um futuro próximo, levei mais a sério a ideia de que em breve poderíamos estar nos aproximando de um momento crítico na história humana. O desenvolvimento tecnológico está criando novas ameaças e oportunidades para a humanidade, colocando em risco a vida das gerações futuras.
Agora, acredito que o destino de longo prazo do mundo depende em parte das escolhas que fazemos em nossas vidas. O futuro pode ser maravilhoso: podemos criar uma sociedade próspera e duradoura, onde a vida de todos seja melhor do que as melhores vidas de hoje. Ou o futuro pode ser terrível, caindo nas mãos de autoritários que usam vigilância e Inteligência Artificial (IA) para nos prender em sua ideologia para sempre, ou mesmo para os próprios sistemas de IA, buscando obter poder em vez de promover uma sociedade próspera. Ou poderia não haver futuro algum: poderíamos nos matar com armas biológicas ou travar uma guerra nuclear total que causaria o colapso da civilização e nunca mais nos recuperarmos.
Há coisas que podemos fazer para orientar o futuro para um curso melhor. Podemos aumentar a chance de um futuro maravilhoso melhorando os valores que orientam a sociedade e navegando cuidadosamente no desenvolvimento da IA. Podemos garantir que teremos um futuro ao impedir a criação ou o uso de novas armas de destruição em massa e mantendo a paz entre as grandes potências mundiais. Essas são questões desafiadoras, mas o que fizermos com relação a elas fará, realmente, a diferença.
Diante disso, mudei minhas prioridades. Ainda inseguro sobre os fundamentos e as implicações do longotermismo, mudei meu foco de pesquisa e cofundei duas organizações para investigar essas questões detalhadamente: a Global Priorities Institute da Universidade de Oxford e a Forethought Foundation. Baseando-me no que aprendi, tentei escrever a defesa do longoprazismo que teria me convencido uma década atrás.
Para ilustrar as afirmações deste livro, eu confio em três metáforas principais. A primeira é da humanidade como um adolescente imprudente. A maior parte da vida de um adolescente ainda está pela frente e suas decisões podem ter impactos ao longo da vida. Ao escolher quanto estudar, que carreira seguir ou quais riscos são arriscados demais, adolescentes devem pensar não apenas nas emoções de curto prazo, mas também em toda vida que têm pela frente.
A segunda é da História como se fosse um vidro derretido. Atualmente, a sociedade ainda é maleável e pode ser moldada em muitas formas. Mas, em algum momento, o vidro pode esfriar, endurecer e ficar muito mais difícil de se mudar. A forma resultante pode ser bonita ou deformada, ou o vidro pode quebrar completamente, dependendo do que acontecer enquanto o vidro ainda estiver quente.
A terceira metáfora é de que o caminho para o impacto de longo prazo é como uma expedição arriscada em terreno desconhecido. Ao tentar melhorar o futuro, não sabemos exatamente quais ameaças enfrentaremos ou mesmo exatamente para onde estamos tentando ir; mas, mesmo assim, podemos nos preparar. Podemos explorar a paisagem à nossa frente, garantir que a expedição tenha os recursos e coordenação adequados e, apesar da incerteza, nos proteger contra as ameaças de que temos ciência.
O escopo deste livro é amplo. Não estou apenas defendendo o longoprazismo; Também estou tentando descobrir suas implicações. Portanto, confiei fortemente em uma extensa equipe de consultores e assistentes de pesquisa. Sempre que saio da filosofia moral, minha área de especialização, especialistas daquele determinado domínio me aconselharam do começo ao fim. Este livro, portanto, não é realmente “meu”: foi um esforço de equipe. No total, este livro representa mais de uma década de trabalho em tempo integral, quase dois anos dos quais gastos na verificação de fatos.
Para aqueles que desejam se aprofundar em algumas de minhas afirmações, compilei extensos materiais complementares, incluindo relatórios especiais que encomendei para compor a pesquisa de fundo, e os disponibilizei em whatweowethefuture.com. Apesar do trabalho feito até agora, acredito que apenas arranhamos a superfície do longo prazo e suas implicações; ainda há muito que devemos aprender.
Se eu estiver certo, enfrentamos então uma enorme responsabilidade. Em relação a todos que poderiam vir depois de nós, somos uma pequena minoria. No entanto, temos todo o futuro em nossas mãos. A ética cotidiana raramente lida com tal escala. Precisamos construir uma visão de mundo moral que leve a sério o que está em jogo.
Ao fazermos escolhas sábias, poderemos ser fundamentais em colocar a humanidade no caminho certo. E, se o fizermos, nossos tataranetos olharão para trás e nos agradecerão, sabendo que fizemos tudo o que podiamos para dar a eles um mundo justo e belo.
Traduzido do livro What We Owe The Future de William MacAskill.
Leia também essa resenha sobre o novo livro de MacAskill, por Michael Townsend.