Semana 1
Faz alguns dias que uma imagem não me sai da cabeça. Não vou descrevê-la, mas é uma daquelas que os veganos pedem para vermos. Não vou especificar nem postar a cena aqui, fiquemos na teoria: apenas imagine algo bem cruel e cheio de sangue e gritos desesperados de um animal. E um martelo. Pois é, caí nessa “emboscada” nos stories de um vegano e agora fico revirando a imagem na cabeça (e no estômago).
Para deixar claro: eu como carne, leite, ovos. Quase todo dia. Adoro churrasco e pizza quatro queijos. Mas a cena me trouxe essa reflexão. Por que dizemos que os veganos são “chatos” quando querem nos mostrar essas imagens fortes? O que queremos fingir que não existe? Quantos de nós assistimos, pelo menos uma vez na vida, a dez minutos de cenas de um matadouro?
Eu era um desses, sempre evitava as cenas. Continuo comendo hambúrguer, mas passei a me fazer essas perguntas. Como sociedade, assumimos que precisamos de carne para nossa sobrevivência. Independentemente dessa afirmação ser verdade ou não, vamos aceitá-la temporariamente. Meu ponto é anterior: por que não nos revolta a extrema dor que causamos neles? Por que não somos, como sociedade, mais críticos a toda essa tortura não somente no momento da morte como também (o que me parece muito pior) durante toda sua vida.?
Uma parte da explicação é porque tratamos animais como coisas úteis para nós. Coisas vivas, mas ainda assim, com uma vida relativamente menos importante à nossa. Novamente, vamos aceitar temporariamente que essa afirmação esteja correta: ok, a vida animal é inferior à vida humana. Mas a dor não. A dor é algo extremamente exato.
Uma queimadura na pele dói para um humano provavelmente tanto quanto para uma onça no Pantanal. Um corte no pescoço provavelmente dói tanto para um humano quanto para um porco. Uma martelada na cabeça dói tanto para um humano quanto para um… Acho que oponto ficou claro: a importância da vida pode ser relativa. A dor não. A dor é absoluta.
Uma análise econômica
Na economia, chamamos de externalidade negativa quando uma indústria prejudica outro ser humano para fabricar seu produto. O exemplo clássico: uma fábrica polui um rio e gera doenças ou mata os peixes de uma cidade que depende deles. Na medida do possível, a legislação tenta quantificar essa externalidade, inseri-la como custo para a indústria e reparar o dano à cidade. Ou melhor, busca evitar que a externalidade ocorra.
Outro exemplo: a fumaça do cigarro que acaba gerando doenças para terceiros que não escolheram fumar. Para tratar dessa externalidade, foi proibido fumar em lugares fechados. Para se antecipar ao problema e desincentivar novos fumantes, fotos e avisos foram colocados nos produtos. Último exemplo: alimentos açucarados foram reduzidos nas cantinas das escolas e até surgiram legislações em alguns países passando um limite máximo de açúcar em refrigerantes.
Já que nós, como sociedade, decidimos dar menor valor à vida animal, será que não poderíamos ao menos dar o mesmo valor para seu sofrimento? Nessa lógica, poderíamos tratar como externalidade negativa a dor que causamos a eles durante suas vidas. E aí, finalmente, mudar nossas práticas, passar leis mais rígidas contra aquelas cenas que evitamos assistir, de tão violentas que são. Lembrem-se: gritos, choques, aperto, facas, ferimentos, sangue, martelo.
Se pudéssemos tratar a dor animal como externalidade negativa da indústria alimentícia, poderíamos negar crédito, cortar subsídios, aprovar multas para empresas com maior índice de tortura até um dia reduzi-la ao mínimo possível. Criar incentivos mais urgentes. Do lado da demanda, poderíamos divulgar mais essas cenas nos produtos e regular patrocínios ou propagandas “felizes” em determinados horários (como foi feito com cigarro), criar campanhas de conscientização de que aquele churrasco não nasceu no supermercado.
A ciência econômica em geral ainda considera o ser humano como “agente” central do sistema. Aos poucos, começamos a dar valor também ao meio ambiente, a urgência está ficando mais clara para esse tema. Mas a dor animal continua sendo jogada para debaixo do tapete. Não temos urgência para acabar com a tortura que nosso hambúrguer demanda.
Chamamos de chatos os veganos que querem nos mostrar cenas violentas. Mas nós que somos os chatos de não reconhecer, de querer fingir que não existe toda essa tortura. Pior: além de chatos, somos cruéis negacionistas.
Leandro Franz é economista, escritor e vegan wannabe. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).
Esse post inaugura a coluna do “diário de um wannabe vegano“.
Muito me espanta toda essa indignação popular contra o desmatamento e outras causas ambientais, enquanto que o sofrimento animal é uma causa jogada para baixo do tapete. Acredito que a resposta pra essa incongruência está no seu texto: no fim das contas, nós humanos só nos preocupamos com o que nos atinge, direta ou indiretamente. E como a causa animal envolve mudanças culturais radicais, acabamos por não abraçá-la, pois não há ganhos individuais nem coletivos (pensando na humanidade apenas).
Como você, também não sou vegano. E todo dia me vejo em contradição, questionando meu hábito e minha acrasia. Se eu, amante da filosofia moral, que reconheço a ética animal, não consigo lutar contra toda essa cultura, quem dirá o resto da população que nem a respeito disso pensa. Por isso, parabéns por incentivar novas ideias, um dia quiçá passíveis de serem implementadas. Belo blog!