Semana 6
Resolvi assistir Dominion, o mais completo e atual documentário vegano, que mostra os bastidores de toda a violência animal na indústria da moda, cosméticos, entretenimento, alimentação etc.
Eu não queria assistir sozinho e chamei Jesus. As cenas são em alta definição, feitas na Austrália, bem recentes (2018) e com os métodos de criação e abate “mais humanos”, suponho, que os da indústria brasileira.
Existem filmes e livros que mudam nossas vidas, né? Muitos pelo discurso, pela filosofia, pela argumentação. Mas esse filme consegue mudar nossa visão sobre a violência animal sem discurso nenhum, só com as imagens cruas de todo sofrimento. Apenas pelo olhar de desespero de tanto ser vivo diferente.
Imaginando isso, mesmo sem ser muito religioso, chamei Jesus, Maomé, Buda, Tupã. Qualquer entidade que quisesse estava convidada. Como são todos oniscientes e onipresentes, tenho certeza que me acompanharam.
Minha religião atual é a paciência: quando eu morrer, descubro quem deles assistiu comigo.
Então, olha que legal, vou descrever friamente tudo o que nós dois, três ou mil, vimos juntos aqui. Assim, você leitor/leitora mais sensível não precisa passar por esse choque.
O filme começa mostrando a criação de porcos.
Começam a vida em celas minúsculas, com a mãe totalmente imobilizada por 4 semanas para ficar amamentando, 20% dos filhotes não passam da idade do desmame, são esmagados pela mãe ou intoxicados no ambiente ou, pelo excesso de partos, já nascem mumificados.
Os que sobrevivem têm os rabos e os dentes mutilados sem anestesia (estes para reduzir canibalismo).
São retirados da mãe em 4 semanas e aí têm as orelhas cortadas (para futura identificação).
A maior parte vai viver só mais 5 meses e será abatida. Nesse tempo, vivem (vivem?) em celas superlotadas, sem espaço algum para movimentação.
Dormem uns em cima dos outros, em cima dos dejetos e de outros mortos (e há muitos casos de brigas e canibalismo).
Algumas fêmeas são separadas para substituírem as parideiras. Porcos são masturbados para coleta do semen que depois é inseminado à força nelas.
Porcos machos são usados no início do processo para excitar as fêmeas e facilitar a inseminação. Minutos depois, são chutados pra longe para dar lugar ao tubo do estupro.
As que engravidam são levadas para celas individuais apertadíssimas, que também impedem qualquer movimentação.
Próximas de parir, passam mais 5 semanas em uma cela individual. Pela falta de exercícios, ficam fracas e muitas vezes nem conseguem levantar. Funcionários espancam-nas diariamente com bastões para levantarem e fazerem algum “exercício”.
Esse ciclo acontece 4 vezes em 2 anos até não servirem mais. Chega a hora de sua substituição: são levadas para o abate.
A criação extensiva não tem imensas vantagens. A única coisa que muda é o tamanho da cela, do galpão. Mas a falta de espaço e amontoado de porcos juntos continua. Porcos são capazes de viver 12 anos. Na indústria da carnificina, são mortos em 5 meses.
Depois de transportados ao abatedouro em caminhões lotados, sem comida nem água, por grandes distâncias, caminham para o trilho para o abate sendo constantemente golpeados e eletrocutados. Não podem desacelerar, a fome de bacon não espera.
O método de abate conhecido como mais “humano” é levá-los em grupo para uma câmara de gás. São colocados em elevadores, em trios, que os baixam até a câmara de gás, que queima seus olhos, focinho e os sufoca. Nesses minutos finais de dor, o trio se debate e berra incessantemente no elevador apertado.
Alguns porcos maiores conseguem se manter vivos ao final desse ciclo e são eletrocutados para terminar o trabalho. Todos depois são pendurados de ponta cabeça e têm as gargantas cortadas. Lagos vermelhos se espalham pelo chão.
Abatedouros “não tão humanos” pulam a parte do gás. Vão direto ao choque e à degola. O problema é que o choque tem muito erro e muitas vezes só paralisa o corpo, deixando o animal consciente da dor enquanto tem a garganta cortada.
Um terceiro método consiste numa pistola na cabeça (com a força de uma martelada) para atordoar o porco antes da facada. Ele fica se debatendo e se revirando alucinadamente enquanto espalha sangue para todo lado.
Depois de tudo isso, os que ainda mantêm alguma vida, são afogados em um tanque de água quente.
Ah, tanto na câmara de gás quanto nos choques, um vê e ouve a morte do outro, e sente o cheiro do sangue e passa por todo o desespero de saber que será o próximo. Tenta retroceder, mas é chutado adiante.
E esses foram só os primeiros 20 minutos de filme. Em seguida, começaria o bloco da criação de frangos. Parei o filme. Já era demais para um dia.
Deus/Jesus/Maomé/Buda/Tupã concordaram.
Decidimos juntos que nunca mais comeremos nem bacon nem bisteca nem presunto cru nem nada de porco.
Como dizem por aí, se os animais tiverem alguma religião, com certeza, nós somos o diabo.
Deus/Jesus/Maomé/Buda/Tupã concordaram.
[continua semana que vem]
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).