O desconhecimento (podendo ser traduzido também como a falta de noção) é a incerteza radical sobre os efeitos a longo prazo de nossas ações.

Falta de noção simples versus complexa

Todas as ações que tomamos têm enormes efeitos no futuro. Uma maneira de observamos isso é considerando as ações que alteram a identidade. Imagine que Amy passa por um amigo na rua e eles param para conversar. Amy e seu amigo estarão agora em uma trajetória diferente do que teriam feito de outra forma. Eles vão interagir com pessoas diferentes, em um momento diferente, em um lugar diferente, ou de uma maneira diferente do que se não tivessem parado. Isso acabará mudando as circunstâncias de um evento de tal forma que talvez uma pessoa diferente agora nascerá porque eles pararam na rua para conversar. Agora, quando a pessoa que agora nasceu vier a agir, Amy será causalmente responsável por essas ações e seus efeitos. Ela também é causalmente responsável por todos os efeitos que fluem desses efeitos.

Este é um exemplo de simples falta de noção, que geralmente não é considerado problemático. No exemplo acima, Amy não tem motivos para acreditar que as muitas consequências resultantes da pausa seriam melhores do que as muitas consequências decorrentes da “não pausa”. Amy tem simetria evidencial entre as duas seguintes alegações:

  • Pausar para conversar teria efeitos catastróficos para a humanidade
  • Não parar para conversar teria efeitos catastróficos para a humanidade

E da mesma forma, Amy tem simetria evidencial entre as duas seguintes alegações:

  • Pausar para conversar teria efeitos milagrosos para a humanidade
  • Não parar para conversar teria efeitos milagrosos para a humanidade

(O exemplo supõe que não há nada particularmente especial sobre este bate-papo – por exemplo, Amy e sua amiga não estão conversando sobre iniciar uma guerra nuclear ou influenciar a política global)

Por simetria evidencial entre duas ações, entende-se que, embora um valor ou desvalor maciço possa vir de uma determinada ação, esses efeitos podem de modo igualmente fácil, e de maneiras precisamente análogas, resultar de ações alternativas relevantes. No cenário anterior, supoe-se que cada uma das possíveis pessoas que nascerão são tão prováveis ​​quanto as outras de serem o próximo Norman Borlaug (engenheiro agrônomo famoso pelos seus trabalhos no combate a fome ao redor do mundo). E cada uma das pessoas possíveis tem a mesma probabilidade de ser o próximo Joseph Stalin.

Portanto, esta situação não é problemática; os efeitos possíveis, embora enormes, se anulam precisamente em uma estimativa de valor esperado.

A falta de noção é problemática, no entanto, em situações em que não há simetria evidencial. Para um par de ações (ato um e ato dois), a falta de noção complexa ocorre quando:

  • Há razões para pensar que os efeitos do primeiro ato tenderiam sistematicamente1 a ser substancialmente melhores do que os do segundo ato;
  • Há razões para pensar que os efeitos do segundo ato tenderiam sistematicamente a ser substancialmente melhores do que os do primeiro ato;
  • Não está claro como pesar essas razões umas contra as outras.

Por exemplo, existem algumas razões para pensar que os efeitos de longo prazo de uma taxa de crescimento econômico marginalmente mais alta seriam bons – por exemplo, por meio de atitudes mais pacientes e pró-sociais. Isso significaria que agir para aumentar o crescimento econômico poderia ter efeitos muito melhores do que não agir. Temos algumas razões para pensar que os efeitos de longo prazo de uma taxa de crescimento econômico marginalmente mais alta seriam ruins – por exemplo, por meio do aumento das emissões de carbono levando à mudança climática. Isso significaria que não tomar a ação que aumenta o crescimento econômico pode ser uma ideia muito melhor. Não é imediatamente óbvio que um deles seja melhor que o outro, mas também não podemos dizer que eles tenham o mesmo valor esperado. Isso precisaria de simetria evidencial ou de uma estimativa de valor esperado muito detalhada.

Alguns autores afirmam que a falta de noção complexa implica que devemos ser muito céticos em relação às intervenções cuja alegação de custo-efetividade se dá por meio de seus efeitos diretos e imediatos. Como Benjamin Todd e outros argumentaram, os efeitos de longo prazo dessas ações provavelmente são as mais relevantes.2 Mas não sabemos quais são os efeitos a longo prazo de muitas intervenções ou quão bons ou ruins elas serão.

As ações que tomamos hoje têm efeitos indiretos de longo prazo e parecem dominar os efeitos diretos de curto prazo. Na ausência de simetria evidencial, esses efeitos de longo prazo não podem ser ignorados. Portanto, parece que aqueles preocupados com as gerações futuras precisam justificar suas intervenções pelos seus efeitos de longo prazo, em vez de seus efeitos próximos.

Leitura adicional

Greaves, Hilary (2020) Evidências, falta de noção e o longo prazoFórum de Altruísmo Eficaz, 1º de novembro.

Mogensen, Andreas (2020) Máxima ignorânciaThe Philosophical Quarterly, vol. 71, pp. 141-162.

Schubert, Stefan (2022) Contra a ignorância: bolsos de previsibilidadeBlog de Stefan Schubert, 18 de maio.

Tarsney, Christian (2022) The epistemic challenge to longtermism, GPI Working Paper No. 3-2022, Global Priorities Institute.

Notas

  1. 1. Uma explicação do que se entende por ‘sistematicamente’ pode ser encontrada na seção 5 de Greaves, Hilary (2016) CluelessnessProceedings of the Aristotelian Society, vol. 116, pp. 311-339.
  2. 2. Todd, Benjamin (2017) Longoprazismo: a significância moral das gerações futuras80.000 horas, outubro.

Fonte: https://forum.effectivealtruism.org/topics/cluelessness