Longoprazismo e defesa dos animais

Há uma tendência comum entre os altruístas eficazes de pensar na defesa dos animais como tendo pouco valor para melhorar o futuro a longo prazo. Da mesma forma, os defensores dos animais muitas vezes assumem que o longoprazismo tem pouca relevância para o seu trabalho. No entanto, essas parecem ser visões equivocadas: a preocupação suficiente com os seres sencientes não humanos é um ingrediente-chave para determinar quão bom será o futuro a longo prazo.

Neste post, discutirei se a defesa dos animais – ou, de forma mais geral, a expansão do círculo moral [definição]– deve ser uma prioridade para longoprazistas, e delinearei as implicações de uma perspectiva de longo prazo na defesa dos animais. Meu ponto de partida é uma visão moral que rejeita o especismo e dá igual peso aos interesses e bem-estar de futuros indivíduos.

A defesa dos animais é uma área plausível de prioridade longoprazista

Os não-humanos são muito mais numerosos que os humanos, mas os últimos detêm todo o poder político. Dado isso, é lógico que bons resultados só são possíveis se aqueles que estão no poder se importam em grau suficiente com todos os seres sencientes.

Isso vale independentemente do que exatamente queremos dizer com “bom resultado” ou “melhorar o futuro a longo prazo”. Minha principal prioridade é prevenir futuras catástrofes morais, mas um saudável movimento em defesa dos animais ​​é importante conforme muitas perspectivas morais1. Que esperança pode existir de um bom futuro a longo prazo (para todos os seres sencientes) enquanto as pessoas pensarem que é certo desconsiderar os interesses dos animais (muitas vezes por razões frívolas como o sabor da carne)?

De um modo geral, os valores das pessoas (com poder) são indiscutivelmente o determinante mais fundamental de como será o futuro, portanto, melhorar esses valores é uma boa alavanca para moldar o futuro a longo prazo2. Há muitas objeções possíveis a essa visão, mas acho que nenhuma delas é decisiva:

  • As pessoas do futuro podem valorizar a reflexão moral, e se assim for, eles podem automaticamente vir a se preocupar com todos os seres sencientes em um grau apropriado. No entanto, acho que não podemos confiar nessa visão otimista de um futuro moldado por uma reflexão moral cuidadosa e não por pressões econômicas ou interesses egoístas.
  • Animais não humanos (em particular, animais selvagens e invertebrados) são atualmente os mais numerosos, mas isso poderá mudar no futuro. Parece improvável, porém, que os humanos serão os mais numerosos. Outra possibilidade (especulativa) é que novas formas de senciência, como seres artificiais, surgirão em grande número. No entanto, isso não é necessariamente um argumento contra a defesa dos animais, desde que possamos garantir que a consideração moral eventualmente seja transferida para todos os seres sencientes3
  • Talvez precisemos apenas de um grau relativamente baixo de consideração moral para alcançar bons resultados (e, em particular, evitar riscos de sofrimento astronômico), devido à possibilidade de compromisso e maior margem de manobra proporcionada pela poderosa tecnologia futura. (Ver p.e. aqui). Isso parece possível, mas está longe de ser claro, e ainda precisaríamos trabalhar para garantir mesmo um baixo grau de preocupação moral, bem como processos adequados para implementar o compromisso.

Claro, esta breve visão geral não mostra que expandir o círculo moral é melhor maneira eficaz de melhorar o futuro a longo prazo. Isso também depende da tratabilidade da mudança social, a viabilidade de influência de longo prazo, a probabilidade do aprisionamento de valores[definição] (ao invés de desvio de valores[definição] contínuo), a eficácia de outras intervenções e a sensibilidade ao tempo3 de expansão do círculo moral. Discutir esses fatores em detalhes está além do escopo desta postagem (consulte, por exemplo, aqui e aqui) – meu objetivo é apenas argumentar que a expansão do círculo moral é uma área plausível de prioridade longoprazista.

Implicações do longoprazismo para a defesa dos animais

A maioria dos esforços de defesa dos animais está focada em ajudar os animais aqui e agora. Se levarmos a sério a perspectiva longoprazista, provavelmente chegaremos a diferentes prioridades e áreas de foco: seria uma notável coincidência se o trabalho focado no curto prazo também fosse ideal por essa perspectiva diferente4.

Argumentarei que um foco no longo prazo difere de duas maneiras principais.

Em primeiro lugar, uma perspectiva longoprazista implica um foco muito mais forte em alcançar mudanças sociais de longo prazo e (comparativamente) menos ênfase no alívio imediato do sofrimento animal. É uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Especificamente, trata-se de alcançar mudanças duradouras, tornando permanente a consideração moral pelos seres sencientes não humanos.

Isso envolve um foco na saúde e estabilidade a longo prazo do movimento de defesa dos animais. É vital evitar quaisquer ações que possam prejudicar nossa capacidade de atingir nossos objetivos de longo prazo (como indivíduos, como organizações e como movimento). Maximizar a probabilidade de finalmente alcançar preocupação suficiente com todos os seres sencientes pode ser muito mais importante do que acelerar o processo.

Em particular, uma maneira de comprometer nossa influência de longo prazo é desencadear uma reação séria (e permanente), portanto, devemos tomar medidas razoáveis ​​para evitar que o movimento se torne muito controverso. Isso poderá acontecer se a própria defesa dos animais se tornar um tema cada vez mais polarizante ou se o movimento se tornar associado a outras visões políticas altamente controversas. (Polarização excessiva e divergência de valores também são fatores de risco para riscos-s [definição]).

Em segundo lugar, é crucial que o movimento seja ponderado e tenha a mente aberta. Isso ocorre devido à incerteza sobre o que se tornará a questão mais importante a longo prazo5. Em particular, devemos garantir que o movimento eventualmente abranja todos os seres sencientes – incluindo invertebrados, animais selvagens e mentes potencialmente artificiais. Esta é uma razão para focar no antiespecismo em vez do veganismo. Por último, também devemos estar atentos a como os preconceitos podem distorcer nosso pensamento (leia, por exemplo, aqui) e deve considerar muitas estratégias possíveis, incluindo as pouco ortodoxas, como a ideia de filantropia paciente[definição].

Outros fatores tornam-se menos importantes do ponto de vista longoprazista. O alívio imediato dos danos, digamos, implementando uma reforma do bem-estar animal em 2025, em vez de 2030, é menos imperativo dessa perspectiva – exceto na medida em que essas reformas tenham efeitos indiretos de longo prazo[definição]. (Claro, reduzir o sofrimento animal imediato aqui e agora ainda é muito valioso; devemos dar peso tanto a redução do sofrimento a curto e longo prazo).

Assim, o específico número de animais que são usados ​​atualmente em diferentes indústrias (ou que vivem na natureza) torna-se menos significativo, pois esses números irão inevitavelmente variar no longo prazo. Estimativas quantitativas de impacto também são muito mais desafiadoras, se não impossíveis, devido à dificuldade de prever futuras populações de animais. No entanto, ainda é bom estarmos atentos aos números para tomarmos decisões mais efetivas no curto prazo e como insumo para nossas estimativas de fontes de sofrimento futuro.

Notas

1. Estender o círculo moral também é plausivelmente muito importante se alguém for motivado por trazer um futuro utópico, pois esses resultados muito bons são muito mais prováveis ​​se as atitudes em relação aos animais mudarem. (Veja abaixo as possíveis objeções).

2. Outros fatores, como as ferramentas tecnológicas disponíveis, também importam, mas são (de acordo com essa visão) secundários, pois os valores determinam como usamos a tecnologia.

3.  Não está claro se a preocupação moral com os animais se transfere para a preocupação com os seres artificiais, e pode-se argumentar que pode ser mais eficaz (sob a suposição de que os seres artificiais são os mais numerosos) defender diretamente os direitos dos seres artificiais. A melhor abordagem pode ser combinar ambos, defendendo a preocupação moral com todos os seres sencientes (e atualizando com base em evidências sobre a possível senciência artificial).

4.  A sensibilidade ao tempo é sobre se podemos delegar ou “passar a responsabilidade” para nossos sucessores. Ou seja, não está claro se é urgente expandir o círculo moral agora, em vez de coletar mais informações e manter a opção de fazê-lo mais tarde. Isso depende se esperamos um bloqueio de valor ou outros eventos cruciais em breve. (Perguntas semelhantes também foram discutidas para outras intervenções).

5. No entanto, é menos surpreendente se houver algum grau de convergência em uma ampla categoria de ações para o futuro próximo e de longo prazo. Por exemplo, aumentar a consideração de seres negligenciados é uma heurística sólida para melhorar o mundo, independentemente do prazo. Além disso, se o conhecimento e os recursos atuais do movimento ainda não estiverem fortemente otimizados para o impacto máximo de curto prazo, há mais espaço para melhorias no impacto de curto e longo prazo (por exemplo, aumentando a eficácia em geral).

6. Vale a pena notar que a pecuária em sua forma atual pode se tornar obsoleta de qualquer maneira a longo prazo, por ex. devido a tecnologias como carne cultivada – embora isso esteja longe de ser claro.

Esta obra está licenciada sob a Licença de Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.


Publicado originalmente 11 de novembro de 2020 aqui.

Autor: Tobias Baumann

Tradução: Bruna Bernardes

Revisão: Fernando Moreno

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