Vivemos uma Catástrofe Moral? (Arte digital: José Oliveira | Foto: Patrick Perkins/ Unsplash)
Há alguns anos, fiz um esboço do excelente artigo de filosofia, de Evan G. Williams, para um grupo de discussão local. Foi circulando lentamente na Internet do AE. Recentemente, alguém recomendou que eu tornasse o resumo mais amplamente conhecido, por isso aqui está.
O artigo é legível e de acesso gratuito, por isso recomendo vivamente a leitura do artigo original se tiver tempo para tal. Segue o resumo:
Índice
I. A afirmação principal
- Assumindo o objectivismo moral (ou algo próximo disso), somos provavelmente culpados, embora inconscientemente, de um comportamento errado grave e em grande escala (uma “catástrofe moral contínua”).
II. Definição: O que é uma catástrofe moral? Três critérios:
- Deve ser um comportamento errado grave (mais próximo do homicídio culposo ou da escravatura do que de insultos ou inconvenientes ligeiros).
- Deve ser em grande escala (em vez de uma única execução indevida, ou de um único homem torturado)
- Grandes segmentos da sociedade são responsáveis, por ação ou inação (não podem ser ações unilaterais inevitáveis de um único ditador).
III. Porque é que provavelmente temos catástrofes morais desconhecidas. Dois argumentos centrais:
- O Argumento Indutivo
- Pressuposto: É possível envolvermo-nos em grandes transgressões morais, mesmo agindo de acordo com a nossa própria moral e a da nossa sociedade.
- Motivação básica: um nazi honesto e sincero parece ainda assim estar a agir erradamente de várias maneiras importantes.
- Não é relevante se este comportamento errado se deve a crenças empíricas erradas (Todos os judeus fazem parte de uma grande conspiração mundial) ou a valores errados (Os judeus são sub-humanos e não têm valor moral).
- Tendo esse pressuposto em mente, praticamente todas as grandes sociedades da história agiram de forma catastroficamente errada.
- Consideremos os conquistadores, os cruzados, os califas, os astecas, etc., que conquistaram em nome de Deus(es), a quem chamaram bom e justo.
- É improvável que todas estas pessoas na história apenas professassem tal crença, e que todas elas fossem mentirosas em vez de verdadeiros crentes.
- Prova de existência: As pessoas podem fazer (e de fato fazem) um grande mal sem estarem conscientes disso.
- Termos catástrofes morais contínuas não é apenas uma possibilidade, na verdade é provável.
- Não somos assim tão diferentes das gerações passadas: Literalmente centenas de gerações pensaram que tinham realmente razão e que tinham descoberto a Única Moralidade Verdadeira.
- Mesmo tão recentemente como na geração dos nossos pais, era uma crença comum que algumas pessoas têm mais direitos do que outras por causa da raça, sexualidade, etc.
- Vivemos numa época de agitação moral, em que a nossa moralidade é muito diferente da dos nossos avós.
- Mesmo que alguma geração acabasse por descobrir Tudo sobre a Moralidade, a geração que acertar em tudo é provavelmente uma geração cujos pais acertaram em quase tudo.
- Pressuposto: É possível envolvermo-nos em grandes transgressões morais, mesmo agindo de acordo com a nossa própria moral e a da nossa sociedade.
- O Argumento Disjuntivo
- Os activistas não estão isentos. Mesmo que todas as suas causas de estimação se tornem realidade, isso não significa que a nossa sociedade seja boa, porque ainda existem as catástrofes morais desconhecidas.
- Há tantas formas diferentes de uma sociedade poder errar muito sobre as coisas, que é quase impossível acertar literalmente em tudo.
- Isto não é apenas uma pequena preocupação, podemos estar errados de formas que sejam proporcionalmente tão más como o Holocausto.
- Há muitos tipos diferentes de formas em que a sociedade pode estar errada.
- Podemos estar errados sobre quem tem um estatuto moral (p. ex. fetos, animais).
- Podemos estar empiricamente errados sobre aquilo que prejudica ou causa dano a pessoas que tenham importância moral (por exemplo, doutrinação religiosa de crianças).
- Podemos estar certos acerca de algumas obrigações, mas não acerca de outras.
- Podemos agir imoralmente ao prestar demasiada atenção e ao utilizar recursos em falsas obrigações morais (como os cruzados).
- Podemos estar certos sobre o que está errado e deveria ser corrigido, mas podemos estar errados na forma de priorizar diferentes correções.
- Podemos estar certos sobre o que está errado, mas podemos estar errados sobre o que é e não é da nossa responsabilidade corrigir (por exemplo, pobreza, fronteiras).
- Podemos estar errados sobre o futuro distante (natalismo, riscos existenciais).
- Dentro de cada uma das categorias, há múltiplas formas de se errar.
- Além disso, algumas excluem-se mutuamente. Por exemplo, os pró-vida podem estar certos e o aborto é um grande pecado, ou os fetos não importam e é extremamente imoral privar as mulheres da sua liberdade, por exemplo, nos abortos no terceiro trimestre.
- É pouco provável que atualmente estejamos no meio-termo ideal face a todas estas contrapartidas.
- A disjunção entra em jogo.
- Mesmo que acredite que estamos 95% certos em cada grande questão, e que talvez haja 15 grandes questões, a probabilidade total de estarmos certos é talvez ~.95^15~=46% (LZ: Assume a independência (estatística))*
- Na prática, 95% de certeza de que estamos certos em cada grande questão parece demasiado confiante, e 15 itens um número demasiado baixo.
IV. O que devemos fazer quanto a isso?
- Possibilidade descartada: a cobertura (finanças).* Se não tiver a certeza, jogue pelo “seguro”, moralmente falando.
- Ex. mesmo que pense que os animais da pecuária industrial provavelmente não são sencientes, ou que a senciência não importa moralmente, pode tornar-se vegetariano “só para prevenir”.
- Isto geralmente NÃO funciona bem o suficiente porque não é robusto: como foi referido, demasiadas coisas podem correr mal, algumas em direcções contraditórias.
- Reconhecer o comportamento errado
- Tentar ativamente descobrir quais os erros catastróficos que estamos cometendo
- Investigar mais em campos práticos (ex. consciência animal) onde podemos estar gravemente errados
- Investigar mais sobre filosofia moral
- Fundamental: é mau ter um maior conhecimento tecnológico sem uma maior sabedoria moral
- imagine Genghis Khan com armas nucleares
- Estes campos devem interagir
- Não basta que os filósofos digam que os animais são importantes se tiverem consciência e que os cientistas digam que os golfinhos têm consciência mas não sabem se isso é importante… a nossa sociedade deve ser capaz de conciliar ambos.
- Precisamos de um mercado de ideias onde as verdadeiras ideias ganham
- O progresso intelectual rápido é algo fundamental.
- Se vale a pena travar guerras literais para derrotar os nazis ou acabar com a escravatura, vale a pena um investimento material substancial e uma perda social para descobrir o que estamos atualmente fazendo de errado.
- Tentar ativamente descobrir quais os erros catastróficos que estamos cometendo
- Implementação de valores melhorados
- Uma vez descobertos os grandes erros morais que cometemos, queremos ser capazes de fazer reparações morais por danos passados, ou pelo menos deixar de fazer danos futuros nessa direção o mais rapidamente possível.
- Para fazê-lo, queremos maximizar a flexibilidade nas condições materiais
- As sociedades extremamente pobres e devastadas pela guerra seriam incapazes de fazer rápidas mudanças morais conforme necessário.
- Exemplo de LZ: Sistemas complexos construídos de acordo com designs específicos são menos resistentes aos choques e também mais difíceis de mudar, cf. Antifrágil (o livro).*
- Da mesma forma que armazenamos recursos como preparação para a guerra, podemos querer poupar recursos para futuras emergências morais, para que possamos, por ex., pagar reparações, ou pelo menos fazer rapidamente as alterações relevantes.
- LZ: Não sei se isto é realmente possível na prática. Ex. Os indivíduos normalmente poupam ao investir, e os governos poupam ao comprar a dívida de outros governos ou ao investir no sector privado, mas não é claro como é que o mundo “poupa” como um todo.
- Queremos maximizar a flexibilidade nas condições sociais
- Mesmo que seja materialmente possível fazer grandes mudanças, a sociedade pode tornar tais mudanças muito difíceis, devido aos preconceitos da inércia e do conservadorismo.
- As emendas constitucionais, por exemplo, são suspeitas.
V. Conclusão/Outras observações
- Contra-argumento Um: Construir uma sociedade que possa corrigir catástrofes morais não é o mesmo que corrigir efetivamente as catástrofes morais.
- Contra-argumento Dois: Muitas das medidas sugeridas acima para nos prepararmos para corrigir as catástrofes morais podem ser, elas próprias, nocivas.
- ex. o dinheiro gasto em investigação moral poderia, em vez disso, ter sido gasto na pobreza global, a construção de uma sociedade maximamente flexível poderia envolver restrições draconianas aos direitos das pessoas do presente.
- No entanto, ainda assim vale a pena fazer isto a curto prazo.
* Nota dos Trd.: Foi incluído um link e um termo entre parênteses para facilitar o acesso à referência.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Autor: Linch Zhang (resumo do artigo de Evan G. Williams)
Publicado originalmente em 2 de agosto de 2019 aqui.
Tradução: Rosa Costa e José Oliveira (com autorização de Linch Zhang).
Revisão: Fernando Moreno