Introdução de Fazendo O Bem Melhor: Altruísmo Eficaz e Como Você Pode Fazer a Diferença

Autor: William MacAskill

Tradução: Luan Rafael Marques

[Esta é a Introdução do livro Doing Good Better: Effective Altruism and How you Can Make a Difference, de William MacAskill, traduzido e publicado aqui com a autorização do autor. Lançado em 2015, o livro é uma das maiores introduções às ideias do altruísmo eficaz, o movimento que visa utilizar a razão e evidências para gerar o maior impacto possível em termos de bem-estar no mundo.]


Parasitas e Bombas d’Água: Como Você Pode Fazer o Maior Bem?

Até 1989, Trevor Field era um típico sul-africano de meia idade que havia vivido uma vida bastante normal. Gostava de bife fresquinho, cervejinha gelada e pescar com os amigos. Trabalhando em publicidade para revistas como a TopCar e a Penthouse, jamais havia pensado a sério sobre fazer uso das suas habilidades em prol do bem maior. No entanto, quando descobriu o PlayPump, tudo mudou.

Naquele ano, Field e seu sogro, um agricultor, visitaram uma feira agropecuária em Pretória. Lá encontraram um engenheiro hídrico chamado Ronnie Stuiver que exibia um modelo de um novo tipo de bomba d’água. A exibição lembrou Field de uma viagem de pesca que havia feito anos atrás, durante a qual havia observado as mulheres de uma aldeia rural esperando por horas perto de uma bomba d’água energizada por um moinho de vento. Não tinha havido vento naquele dia, mas as mulheres, que tinham caminhado quilômetros, ainda precisavam levar água de volta para casa. Assim, elas simplesmente se sentaram para esperar a água escoar. Field havia ficado impressionado com a injustiça que isso era. Simplesmente deve haver um modo melhor de fazer isso, pensou ele. Agora testemunhava uma solução em potencial.

A invenção de Stuiver parecia brilhante. Em vez da típica bomba manual ou movida a moinho encontrada em muitas aldeias em países pobres, a bomba de Stuiver tinha vida dupla também como carrossel de parquinho. As crianças brincavam no carrossel, o qual, conforme girava, bombeava água potável do fundo do solo até um tanque de armazenamento. Nunca mais as mulheres da aldeia precisariam andar quilômetros para extrair água usando uma bomba manual ou precisariam esperar na fila para usar uma bomba movida a moinho de vento num dia sem fim. O PlayPump, como foi chamado, utilizava a energia de crianças brincando para prover um suprimento sustentável de água para a comunidade. “[As crianças] african[a]s quase nada têm — nem mesmo livros na escola, que dizer de equipamento de playground — e o acesso à água é um problema enorme”, Field me disse posteriormente. “Achei-a simplesmente a melhor ideia que já vi.”

Field comprou a patente de Stuiver e trabalhou no seu tempo livre durante os cinco anos seguintes para melhorar o desenho. Fazendo uso da sua experiência em publicidade, Field elaborou a ideia de colocar anúncios de outdoor nos lados do tanque de água como meio de gerar renda para pagar pela manutenção das bombas. Em 1995, conseguiu seu primeiro patrocinador, a Colgate Palmolive; instalou o primeiro PlayPump; e deixou seu emprego a fim de se concentrar integralmente no projeto, agora uma instituição de caridade credenciada chamada PlayPumps International. O progresso foi lento no começo, mas ele perseverou, pagando por várias bombas do seu próprio bolso. Ao mesmo tempo, desenvolvia conexões com corporações e órgãos do governo pela África do Sul para pagar por mais bombas. À altura do milênio, havia instalado cinquenta bombas por todo o país.

Seu primeiro avanço veio em 2000 quando, entre três mil candidatos, ganhou o World Bank Development Marketplace Award [Prêmio do Mercado do Desenvolvimento do Banco Mundial], prêmio dado a “projetos de desenvolvimento inovadores em estágio inicial que são ampliáveis e/ou replicáveis, tendo ao mesmo tempo um alto potencial de impacto no desenvolvimento”. Esse prêmio atraiu financiamento e atenção, o que culminou numa visita in loco de Steve Case, diretor executivo da AOL, e sua mulher, Jean. “Eles acharam o PlayPump incrível”, disse Field. “Tão logo o viram em ação, foram conquistados.” Em 2005, os Case concordaram em financiar o projeto e trabalharam com Field para estabelecer um braço da PlayPumps International nos EUA. A sua meta era lançar milhares de novos PlayPumps por toda a África.

O PlayPump tornou-se o centro de uma enorme campanha de marketing. Steve Case utilizou a sua especialidade como diretor da AOL para introduzir novas formas de angariação de fundos on-line. A One Foundation, instituição de caridade britânica focada na angariação de fundos, lançou uma marca de água engarrafada chamada One Water e doou os lucros para a PlayPumps International. Foi um grande sucesso, e se tornou a água engarrafada oficial da série de shows Live 8 e da campanha Make Poverty History. O PlayPump se tornou o queridinho da mídia internacional, a qual logo agarrou a oportunidade de fazer trocadilhos, com manchetes como BOMBEAR ÁGUA É BRINCADEIRA DE CRIANÇA e O CARROSSEL MÁGICO. Em um artigo para a Time em 2006, Bill Clinton chamou o PlayPump de uma “maravilhosa inovação”.

As celebridades também entraram na onda. Jay-Z angariou dezenas de milhares de dólares através da sua turnê “O Diário de Jay-Z: Água para a Vida”. Logo após, a PlayPumps International conseguiu a sua maior vitória: um financiamento de US$ 16,4 milhões premiado pela então Primeira Dama Laura Bush, lançando a campanha feita para angariar US$ 60 milhões para financiar quatro mil PlayPumps por toda a África até 2010. À altura de 2007, o PlayPump era a coisa de que mais se falava no desenvolvimento internacional, e Trevor Field estava no centro de tudo — um astro do mundo da caridade.

“Foi uma loucura (…) Quando vi esta bomba d’água pela primeira vez (…) não podia imaginar que era algo que poderia mudar o mundo”, disse Field em 2008, refletindo sobre o extraordinário sucesso da PlayPump International. “Realmente me impressionou saber que estamos fazendo a diferença para muitas pessoas que nem chegam perto de ser privilegiadas como eu ou minha família”. Em 2009, a sua organização já havia instalado mil e oitocentos PlyPumps por toda África do Sul, Moçambique, Suazilândia e Zâmbia.

Então, as coisas desandaram. Dois relatórios condenatórios foram divulgados, um da UNICEF e outro do SKAT (o Centro de Recursos e Consultorias da Suíça para o Desenvolvimento). Aconteceu que, apesar da badalação, das premiações e dos milhões de dólares gastos, ninguém havia realmente considerado as questões de ordem prática sobre o PlayPump. A maioria dos carrosséis de parquinho giram livremente quando ganham bastante impulso — é isso o que os torna divertidos. Mas a fim de bombear água, os PlayPumps precisam de força constante, e as crianças brincando neles logo ficavam exaustas. Segundo o relatório da UNICEF, as crianças às vezes caíam e quebravam membros, e algumas vomitavam de tanto girar. Em uma aldeia, as crianças locais eram pagas para “brincar” na bomba. Muitas vezes, as próprias mulheres da aldeia acabavam empurrando o carrossel — uma tarefa que elas achavam cansativa, indigna e degradante.

Além disso, ninguém havia perguntado às comunidades locais se elas queriam um PlayPump em primeiro lugar. Quando as investigações do SKAT perguntaram às pessoas que achavam do novo PlayPump, muitas disseram que preferiam as bombas manuais que estavam instaladas anteriormente. Com menos esforço, uma bomba manual Zimbabwe Bush com o mesmo tamanho de cilindro que um PlayPump dava mil e trezentos litros de água — cinco vezes a quantidade do PlayPump. Uma mulher em Moçambique disse: “A partir das cinco da manhã, estamos nos campos, trabalhando por seis horas. Então vimos até esta bomba e temos que girá-la. Os braços começam a doer com isso. A velha bomba manual era muito mais fácil”. Um repórter estimou que, para satisfazer as necessidades hídricas de uma aldeia típica, o carrossel teria que girar por setenta e sete horas por dia.

Mesmo quando as comunidades recebiam bem as bombas, elas não o faziam por muito tempo. As bombas com frequência falhavam em meses, mas diferentemente da bomba Zimbabwe Bush, a mecânica da bomba era revestida por uma casca de metal e não podia ser reparada pela comunidade. Os habitantes deviam receber um número de telefone para ligarem para a manutenção, mas a maioria das comunidades jamais recebeu número algum, e aquelas que receberam jamais conseguiram ser atendidas. Os outdoors nos tanques de armazenamento expunham tudo: as comunidades rurais eram pobres demais para as indústrias se interessarem em pagar pela  publicidade. O PlayPump era inferior em quase todo quesito às bombas manuais menos excitantes porém funcionais com as quais competia. Não obstante, a US$ 14.000 por unidade, custava quatro vezes mais.

A mídia logo se voltou contra a sua menina dos olhos. A PBS exibiu um documentário expondo as muitas deficiências do PlayPump. (Uma coisa que não mudou foi o amor da mídia pelos trocadilhos: o documentário foi chamado Sul da África: Águas Turbulentas; o The Guardian se referiu repetidas vezes ao PlayPump como “dinheiro àgua abaixo”.) Numa admirável resposta a essa crítica, o braço da PlayPumps International nos EUA encerrou as suas atividades, e a sua financiadora, a Case Foundation, reconheceu publicamente que o programa havia sido um fracasso. Com o nome Roundabout Water Solutions, a organização sem fins lucrativos de Field continua a instalar o mesmo modelo de PlayPumps pela África, financiada por corporações como a Ford Motor Company e a Colgate Palmolive.


A maioria das pessoas quer fazer a diferença com as suas vidas e, se está lendo este livro, você provavelmente não é uma exceção. No entanto, como ilustra a história de Trevor Field, boas intenções podem facilmente levar a maus resultados. O desafio para nós é este: como é que podemos garantir que, quando tentamos ajudar os outros, o façamos de modo tão eficaz quanto possível? Como é que podemos garantir que evitemos fazer mal por acidente e tenhamos sucesso em ter o maior impacto positivo que podemos ter? Este livro tenta ajudar a responder essas perguntas. Creio que combinando o coração com a cabeça — aplicando os dados e a razão a atos altruístas — podemos transformar nossas boas intenções em espantosamente bons resultados. Para ilustrar, olhemos uma história com um final bem diferente do que você acabou de ler. 


Em 2007, no pico da popularidade do PlayPump, Michael Kremer e Rachel Glennerster lançaram uma organização deles próprios, a culminação de décadas de pesquisas sobre como melhorar as vidas das pessoas mais pobres no mundo.

Glennerster havia estudado economia na Universidade de Oxford, graduando-se em 1998. Estava interessada em aprender sobre o alívio da pobreza, de modo que decidiu viver num país em desenvolvimento e foi passar um verão no Quênia. Falou com pessoas que trabalhavam no desenvolvimento, muitos dos quais estavam profundamente desenganados. Quando perguntou o porquê, disseram-lhe para dar uma olhada nas maneiras como projetos de desenvolvimento haviam tido resultados muito aquém do esperado.

“Sentenciaram-me a ir para os grandes projetos que falharam”, Glennerster me contou. “Fui ao Lago Turcana, lá no norte do Quênia. O povo turcana é basicamente nômade, e vários projetos de desenvolvimento haviam tido esperanças de melhorar a sua qualidade de vida assentando-os no lago, para que construíssem uma grande fábrica de peixes. Conseguiram que eles se assentassem e pescassem no lago, mas daí houve sobrepesca no lago, e o estoque de peixes caiu (…) Foi deprimente.” Desencantada quanto ao potencial de ter um impacto no desenvolvimento global, foi ela para a política doméstica, aceitando um emprego no Tesouro Britânico.

Michael Kremer também passou parte do início da vida adulta no Quênia, lá vivendo por um ano após terminar a graduação. Assim como Glennerster, estava preocupado com a pobreza extrema e queria aprender mais, de modo que foi viver com uma família local, ensinando inglês numa escola secundária. Também viu alguns modos dramáticos como tentativas de melhorar as condições por lá estavam falhando. Quando retornou para fazer pós-graduação, decidiu descobrir como as coisas poderiam ser feitas de um modo melhor.

Kremer e Glennerster se conheceram na Universidade Harvard em 1990. Kremer era doutorando; Glennerster estava em visita com uma Bolsa de Estudos Kennedy, tendo tirado um sabático do trabalho no Tesouro. Quando Kremer se tornou professor no MIT em 1993, ele e Glennerster já se haviam casado. De férias, retornaram ao Quênia para visitar a família com a qual Kremer tinha vivido vários anos antes.

Lá, Kremer falou com Paul Lipeyah, um amigo que trabalhava para a instituição de caridade holandesa Apoio Cristão Internacional (agora chamada Investindo nas Crianças e suas Sociedades, ou ICS). O principal programa da ICS era o apadrinhamento de crianças, no qual um doador pagava uma quantia regular para ajudar uma criança particular ou uma pequena comunidade. A ICS vinha tentando melhorar a frequência escolar e as pontuações de exames. Ela oferecia um pacote de diferentes coisas: livros didáticos novos e mais professores para as escolas e uniformes escolares gratuitos para os estudantes. A ICS havia recebido novo financiamento, e Paul Lipeyah estava prestes a lançar o programa em sete escolas.

Kremer instou Lipeyah a testar o seu programa fazendo uso do que chamam de estudo clínico controlado randomizado: ele monitoraria e coletaria os dados de quatorze escolas locais, implementando o programa em sete delas, enquanto deixaria as outras sete seguir como de hábito. Coletando dados de todas as quatorze escolas para ver quais se saíam melhor, ele poderia descobrir se o seu programa efetivamente funcionava.

Em retrospectiva, a ideia de Kremer parece óbvia. Estudos clínicos controlados randomizados, em matéria de método, são o padrão-ouro para testar ideias nas outras ciências, e por décadas as indústrias farmacêuticas os têm usado para testar novos medicamentos. De fato, visto que é tão importante não vender às pessoas medicamentos ineficazes ou prejudiciais, é ilegal comercializar um medicamentos que não tenha passado por extensivos estudos clínicos controlados randomizados. Mas, antes de Kremer a ter sugerido, a ideia jamais tinha sido aplicada no mundo do desenvolvimento.

Com a ajuda de colaboradores, Kremer testou os diferentes programas da ICS um por um. Primeiro, verificou a eficácia de fornecerem-se mais livros didáticos às escolas. As salas de aula com frequência tinham somente um livro didático para uma classe de trinta, de modo que parecia óbvio que mais livros didáticos ajudariam os alunos a aprender. No entanto, quando Kremer testou essa teoria comparando pontuações de exames entre as escolas que receberam livros e as que não receberam, não encontrou efeito algum em todos menos os alunos mais bem-sucedidos. (Ele sugeriu que os livros didáticos eram escritos num nível alto demais para as crianças, especialmente considerando que eram todos em inglês, a terceira língua dos estudantes após o suaíli e as suas línguas locais.)

Depois disso, Kremer deu uma olhada no fornecimento de blocos flip chart. Os alunos não conseguiam entender os livros didáticos, mas ter blocos flip chart permitiria aos professores adaptar as lições às necessidades específicas dos estudantes. Talvez eles funcionassem melhor. No entanto, não houve efeito algum novamente.

Sem medo, adotou uma abordagem diferente. Se fornecer mais materiais não funcionava, talvez aumentar o número de professores funcionaria. Afinal, a maioria das escolas tinha apenas um professor, atendendo uma classe de tamanho considerável. Mas, novamente, ele não encontrou nenhuma melhora discernível vinda da diminuição do tamanho das classes. 

Repetidamente, Kremer descobriu que programas aparentemente óbvios para melhorar a educação simplesmente não estavam funcionando. Mas persistiu. Recusou-se a crer que simplesmente não havia modo algum de melhorar a educação das crianças no Quênia. Naquele ponto, um amigo do Banco Mundial sugeriu que testasse a desparasitação.

Pouca gente em países em desenvolvimento sabe sobre vermes intestinais: infecções parasitárias que afetam mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Não são tão dramáticas quanto a AIDS, o câncer ou a malária, porque nem chegam perto de matar tantas pessoas quanto essas outras patologias. Mas elas deixam, sim, as crianças doentes e podem ser curadas por alguns tostões: medicamentos não protegidos por patentes, desenvolvidos nos anos 50, podem ser distribuídos pelas escolas e aplicados pelos professores, e podem curar as crianças de vermes intestinais por um ano. 

Kremer fez um experimento para ver se tratar as crianças desses vermes intestinais tinha algum impacto na educação. Os resultados foram impressionantes. “Não esperávamos que a desparasitação fosse tão eficaz quanto era”, Kremer me disse. “Acabou sendo o melhor modo em termos de custo-efetividade de aumentar a participação escolar.”

O absentismo é um problema crônico nas escolas do Quênia, e a desparasitação o reduziu em 25%. De fato, toda criança tratada passou duas semanas extras na escola, e cada centena de dólares gasta no programa proveu um total de dez anos de frequência escolar a mais entre todos os alunos. Possibilitar a uma criança passar um dia extra na escola, logo, custa apenas cinco centavos. Não é meramente que desparasitar as crianças “funcionava” em manter as crianças nas escolas; é que funcionava incrivelmente bem.

Além disso, desparasitar não teve meramente benefícios na educação; teve benefícios na saúde e na economia também. Vermes intestinais podem causar uma variedade de mazelas, incluindo anemia, obstrução intestinal e uma supressão no sistema imune que pode aumentar o risco de outras doenças como a malária. A desparasitação diminui todos esses riscos. Ademais, quando os colegas de Kremer fizeram um estudo seguinte com as crianças dez anos depois, aquelas que haviam sido desparasitadas estavam trabalhando 3,4 horas a mais e ganhando 20 por cento de renda a mais em comparação com aquelas que não haviam sido desparasitadas. De fato, a desparasitação era um programa tão poderoso que pagava por si mesmo através do aumento da receita tributária.

Quando o seu trabalho sobre desparasitação foi publicado, a nova abordagem revolucionária de Kremer ao desenvolvimento já havia gerado seguidores, com dezenas dos jovens economistas mais brilhantes fazendo centenas de estudos clínicos de diferentes programas de desenvolvimento. Enquanto isso, Glennerster havia largado o seu emprego para tornar-se a diretora executiva do recém fundado Poverty Action Lab no MIT, onde fazia uso do seu conhecimento de diretrizes políticas para garantir que as pesquisas que Kremer e seus colegas estavam fazendo tivessem um impacto no mundo real.

Em 2007, com base nessa pesquisa, Kremer e Glennerster cofundaram a organização sem fins lucrativos Deworm the World Initiative [Iniciativa Desparasite o Mundo], que fornece assistência técnica aos governos de países em desenvolvimento, possibilitando-lhes  lançar seus próprios programas de desparasitação. A organização já forneceu mais de quarenta milhões de tratamentos de desparasitação, e a avaliadora de instituições de caridade independente GiveWell a considera uma das melhores organizações em termos de custo-efetividade focadas no desenvolvimento.


Em matéria de ajudar os outros, sermos irrefletidos frequentemente significa sermos inefetivos.

O PlayPump é o exemplo perfeito. Trevor Field e todos que o apoiaram foram movidos pelas emoções — o apelo de ver crianças felizes provendo água potável às suas comunidades através do simples ato de brincar — ao invés dos fatos. A Case Foundation, Laura Bush e Bill Clinton apoiaram o PlayPump não porque havia boas evidências para crer que ele ajudaria as pessoas, mas porque ele dava a empolgação de uma tecnologia revolucionária. Até os críticos da campanha ficaram longe de acusar Field e os seus apoiadores de ter más intenções — sem dúvida eles queriam genuinamente ajudar as pessoas da África rural. Mas confiar somente em boas intenções para informar as nossas decisões é potencialmente desastroso.

Seria legal se o PlayPump fosse um exemplo isolado de altruísmo irrefletido, mas infelizmente é um exemplo extremo de uma tendência muito mais geral. Com muita frequência fracassamos na tarefa de pensar com tanto cuidado como poderíamos sobre ajudar os outros, crendo erroneamente que aplicar os dados e a racionalidade a um empreendimento de caridade tira a virtude do ato. E isso significa que deixamos passar oportunidades de fazer uma tremenda diferença.

Imagine, por exemplo, que você esteja andando por uma rua comercial na sua cidade natal. Uma jovem atraente  e assustadoramente entusiasmada quase ataca você a fim de que pare para falar com ela. Ela segura firme uma tabuleta e usa uma camisa que mostra as palavras Cosméticos Deslumbrantes. Você concorda em deixá-la falar, e ela explica que está representando uma empresa de produtos de beleza à procura de investimentos. Conta-lhe sobre como está grande o mercado para produtos de beleza, e como são maravilhosos os produtos que a empresa vende, e como, visto que a empresa gasta mais de 90 por cento do seu dinheiro com a fabricação dos produtos e menos de 10 por cento com pessoal, distribuição e comercialização, ela é extremamente eficiente e portanto capaz de gerar um impressionante rendimento aos investimentos. Você investiria?

Claro que não. Se quisesse investir numa empresa, você consultaria especialistas ou investigaria diferentes empresas e compararia o desempenho da Cosméticos Deslumbrantes com o resto delas. De um modo ou de outro, você daria uma olhada nas melhores evidências a fim de descobrir onde o seu dinheiro valerá mais. De fato, quase ninguém é tolo o bastante para investir numa empresa cuja proposta lhe apresentam no meio da rua — razão pela qual a situação imaginária que descrevi jamais ocorre. Não obstante, todo ano, centenas de milhares de pessoas doam para instituições de caridade das quais jamais ouviram falar simplesmente porque um angariador de fundos bom de lábia que elas nem conhecem lhes pediu. E normalmente elas não têm nenhum meio de saber o que aconteceu com o dinheiro que doaram.  

Uma diferença entre investir numa empresa e doar para a caridade é que o mundo da caridade frequentemente carece dos mecanismos de feedback adequados. Invista numa empresa ruim, e você perderá dinheiro; mas dê dinheiro a uma organização ruim, e provavelmente você não ouvirá falar dos seus fracassos. Compre uma camisa que se anuncia como de seda quando é de poliéster, e você se dará conta disso bem rápido; mas compre café que tem um selo de Comércio Justo, e você jamais se dará conta de se fazê-lo ajudou os outros, os prejudicou ou nada fez. Não fosse por investigações independentes da UNICEF e do SKAT, a PlayPumps International teria parecido um enorme sucesso àqueles que a apoiaram. Visto que não temos feedback útil quando tentamos ajudar os outros, não conseguimos ter uma noção substancial sobre se estamos realmente fazendo a diferença.

Kremer e Glennerster tiveram sucesso em parte porque não presumiram que sabiam qual era o meio mais eficaz de ajudar os outros. Em vez disso, eles testaram as suas ideias antes de colocá-las em ação. Estavam dispostos a revisar as suas crenças sobre o que funciona à luz das evidências que recebiam e daí puseram-se a fazer o que as evidências sugeriam que deveriam fazer. Em contraste com o  PlayPump, o mais eficaz dos programas acabou sendo extraordinariamente tedioso: Grace Hollister, agora diretora da Deworm the World Initiative, me disse que “a desparasitação deve ser o programa de desenvolvimento menos excitante que existe”. Mas focando no que era eficaz em vez do que era emocionalmente apelativo, eles produziram resultados impressionantes, melhorando significativamente as vidas de milhões de pessoas.

Kremer e Glennerster exemplificam um modo de pensar que chamo de altruísmo eficaz. O altruísmo eficaz trata de perguntar “Como podemos fazer a maior diferença que podemos?” e usar evidências e raciocínio cuidadoso para tentar encontrar uma resposta. Ele adota uma abordagem científica a fazer o bem. Assim como a ciência consiste na tentativa honesta e imparcial de descobrir o que é verdade, e um compromisso em acreditar na verdade seja lá o que acabar sendo, o altruísmo eficaz consiste na tentativa honesta e imparcial de descobrir o que é melhor para o mundo, e um compromisso em fazer o que é melhor, seja lá o que acabar sendo.

Como a expressão sugere, o altruísmo eficaz tem duas partes, e quero deixar claro o que significa cada parte. Conforme uso o termo, altruísmo significa simplesmente melhorar as vidas dos outros. Muita gente crê que altruísmo devia denotar sacrifício, mas, se você pode ser bom enquanto mantém uma vida confortável para si mesmo, isso é um bônus, e fico muito satisfeito em chamar isso de altruísmo. A segunda parte é a efetividade, pela qual quero dizer fazer o máximo com quais forem os recursos que tivermos. O importante é que o altruísmo eficaz não se trata apenas de fazer a diferença, ou de fazer alguma quantidade de bem; trata-se de tentar fazer a maior diferença que pudermos. Determinar se algo é eficaz significa reconhecer que alguns meios de fazer o bem são melhores que outros. O propósito disso não é atribuir culpa, ou afirmar que alguns meios de fazer o bem são “indignos”. Em vez disso, é simplesmente descobrir quais meios de fazer o bem são os melhores, e executá-los primeiro. Esse projeto é crucial porque, como discutiremos, os melhores meios de fazer o bem, são de fato, muito bons.

Ajudei a desenvolver a ideia do altruísmo eficaz enquanto era graduando na Universidade de Oxford. Havia começado a doar para a caridade e queria garantir que minhas doações fizessem tanto quanto possível para ajudar os outros. Ao lado de Toby Ord, pesquisador de pós-doutorado em Oxford, comecei a investigar a custo-efetividade de organizações dedicadas ao combate da pobreza no mundo em desenvolvimento. Os resultados foram extraordinários. Descobrimos que as melhores organizações eram centenas de vezes mais eficazes em melhorar vidas do que as organizações pura e simplesmente “boas”. Em 2009, Toby e eu cofundamos a Giving What We Can [Doando O Que Podemos], organização que encoraja as pessoas a doar pelo menos 10 por cento da sua renda a essas organizações mais positivas em termos de custo-efetividade. Por volta da mesma época, dois analistas de fundos de cobertura de Nova York, Holden Karnofsky e Elie Hassenfeld, largaram seus empregos para dar início à GiveWell [DoeBem], organização que faz pesquisas aprofundadas extraordinárias para descobrir quais organizações mais bem fazem com cada dólar que recebem.

Dali, desenvolveu-se uma comunidade. Demo-nos conta de que o altruísmo eficaz poderia ser aplicado a todas as áreas das nossas vidas — escolher uma instituição de caridade, com certeza, mas também escolher uma carreira, voluntariar-se e escolher o que comprar e o que não comprar. Com base nisso, em 2011, cofundei a 80,000 Hours [80.000 Horas] (nome que se refere ao número de horas que você tipicamente trabalha na sua vida), a qual oferece aconselhamento e treinamento sobre como escolher uma carreira que lhe permitirá fazer a maior diferença.  

Neste livro, apresentarei com mais profundidade a abordagem do altruísmo eficaz a fazer a diferença. O que espero comunicar não é uma série de fatos, mas um novo modo de pensar sobre ajudar os outros, que você pode levar consigo e aplicar na sua própria vida. A primeira parte delineia o modo de pensar do altruísmo eficaz, possibilitando-nos, no segundo capítulo, aplicar esse modo de pensar a questões específicas.

Na primeira parte, dedico cada capítulo a explorar uma das cinco questões centrais do altruísmo eficaz:

  1. Quantas pessoas se beneficiam, e quanto elas se beneficiam?
  2. Esta é a coisa mais eficaz que você pode fazer?
  3. Esta área é negligenciada?
  4. O que teria acontecido caso contrário?
  5. Quais são as chances de sucesso, e quão bom o sucesso seria?

Fazer essas cinco perguntas pode nos ajudar a evitar armadilhas comuns ao pensarmos sobre fazer o bem. A primeira pergunta nos ajuda a pensar concretamente sobre como diferentes ações melhoram as vidas das pessoas, de modo que não esbanjemos o nosso tempo e dinheiro em atividades que, em última análise, não deixam as pessoas numa condição melhor. A segunda pergunta garante que tentemos aplicar nossos esforços não em atividades “pura e simplesmente boas”, mas nas melhores das atividades. A terceira pergunta nos orienta a focar naquelas áreas que comparativamente pouca atenção recebem, e para as quais os outros não aproveitaram as oportunidades excepcionais de fazer a diferença. A quarta pergunta nos ajuda a evitar fazer boas obras que aconteceriam com ou sem o nosso envolvimento. A quinta pergunta nos ajuda a pensar corretamente sobre a incerteza, de modo que possamos saber quando perseguir atividades que têm baixa probabilidade de sucesso, porém grandes recompensas potenciais ao invés de atividades com benefícios menores garantidos.

Tomadas em conjunto, essas cinco questões nos ajudam a responder a questão-guia do altruísmo eficaz: “Como posso fazer o maior bem?” Elas formam o âmago da abordagem do altruísmo eficaz a fazer a diferença.

Na segunda parte deste livro, aplico essas questões a áreas específicas: como posso descobrir quais organizações farão o maior bem com as minhas doações? Como posso escolher uma oportunidade de carreira ou voluntariado com o maior impacto? Quanta diferença posso fazer através do consumo ético? Dos vários problemas no mundo, como posso decidir em quais focar? Em cada caso, forneço uma estrutura para pensar na temática, uma checklist de questões para ajudar a garantir que você pondere todas as mais importantes considerações. Espero mostrar como o altruísmo nos pode ajudar a ter o maior impacto em todos os aspectos das nossas vidas. Para facilitar a referência, as estruturas e as cinco questões centrais estão todas no apêndice relacionado. 

Antes de começarmos, deixe-me enfatizar por que essas considerações são tão importantes. No próximo capítulo, explicarei por que cada um de nós tem o poder de, se assim escolhermos, fazer coisas extraordinárias. 

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