Ontem (11/set), fez 1 ano da minha primeira tentativa de passar 1 mês 100% vegano. Então, aqui vai um flashback.
Na confraternização do último final de ano no trabalho, eu achava que seria difícil resistir às piadas e, óbvio, à infinidade de opções deliciosas de comidas com ingredientes de animais. Eu estava completando 4 meses de transição vegana, era o único na empresa seguindo esse caminho, mas criei coragem de colocar o assunto em pauta: pedi ao meu chefe para termos opções plant based na data comemorativa.
Por que eu senti que tinha essa liberdade se meu chefe nem é vegano? O que faz um colaborador se sentir confortável para conversar “sobre necessidades pessoais pouco comuns”?
Antes de responder, preciso deixar claro: este texto não é sobre comida, é sobre cultura e comportamentos. Acredito que, neste sistema ético sem crueldade, exista um conjunto de atributos inspiradores para nossas relações de trabalho.
Exercitando a Liderança Plant Based no dia a dia com as equipes, sua empresa pode deixar de ser um moedor de carne (trocadilho levemente intencional). Depois de alguns meses, talvez você nem sinta mais falta da sua antiga maneira de pensar. Vamos então aos 9 insights:
- A Liderança Plant Based… incentiva a diversidade, respeita todos os indivíduos como eles são, sem tratamento preferencial a alguns “mais amigos”. Quando pensamos nos indivíduos não-humanos, o costume cultural é criar uma divisão arbitrária. Por exemplo, cães e gatos, nossos amados pets, recebem um tratamento muito diferente dos demais. O veganismo expande esse círculo moral de afeto também para porcos, vacas, galinhas etc. Se é possível viver saudavelmente com alimentação 100% à base de plantas (inclusive para todas as etapas da vida, de acordo com a American Dietetic Association), por que não respeitar todos os animais? Por que tratar somente cães e gatos de maneira tão preferencial? Lição de casa: você prioriza alguns membros de sua equipe em detrimento de outros? Você trata todos de acordo com suas necessidades e especificidades?
- A Liderança Plant Based… não invade o espaço pessoal do outro (seja física ou psicologicamente). Ponto básico do veganismo: não é porque somos mais fortes que temos o direito de invadir a vida de outros indivíduos (humanos ou não humanos). O exemplo aqui fica melhor se extrapolarmos para uma “invasão física”. Os veganos não tomam leite, pois se trata de uma invasão desnecessária de outro corpo. A vaca só produz leite porque é mãe, porque foi engravidada forçadamente e deu à luz a seu bezerro. Dado que todos os nutrientes do leite também são encontrados em plantas ou bactérias, o veganismo retira esse consumo invasivo do cardápio. Lição de casa: você já “forçou/invadiu” temas pessoais que não dizem respeito ao ambiente corporativo?
- A Liderança Plant Based… entende que o mais difícil é mudar a si próprio: não podemos exigir dos outros o que não praticamos. Os veganos são conhecidos como “chatos” por buscar transformar o tratamento que a sociedade dá aos animais. Mas também entendem que é uma transição difícil, que vai de encontro a todos os costumes, gostos, afetos, rotinas criados ao longo da vida. Não se veem veganos tentando convencer outros sem darem o exemplo antes. Esse é o primeiro passo para qualquer mudança cultural: transformar-se a si mesmo. Lição de casa: você consegue citar casos recentes em que deu o exemplo do que pede a seus funcionários? Você é visto como referência nos comportamentos que exige das equipes?
- A Liderança Plant Based… não é superficial, pois conhece os processos críticos que lidera, aprofunda-se em cada tema relevante para o negócio. Quando alguém reflete sobre adotar o veganismo, passa a pesquisar e olhar todo o processo de produção que envolve os indivíduos não-humanos. Precisa se convencer de que aquela “ruptura” com a vida antiga é mesmo necessária. É sempre mais fácil se acomodar no status quo. Com isso, há uma grande etapa imersiva nos bastidores do que é feito com os animais na indústria (tanto alimentícia, quanto na moda ou no entretenimento). Eu, por exemplo, não imaginava que a produção de ovos fosse violenta. Ela joga pintinhos machos em “liquidificadores” para serem moídos vivos pouco depois do nascimento. Isso se dá porque apenas as fêmeas são rentáveis para se tornarem galinhas poedeiras. Os machos dessa genética não vão engordar, então o mais econômico é eliminá-los recém-nascidos. O documentário referência para conhecer esses bastidores se chama “Dominion”, foi produzido pelo Joaquin Phoenix (o Coringa do Batman) e está disponível gratuitamente no Youtube. Assista com cuidado: cenas fortes. Lição de casa (além de assistir Dominion, claro): quando foi a última vez que você revisou detalhadamente um processo crítico com sua equipe?
- A Liderança Plant Based… sabe que o seu prazer (ou seu sucesso) não pode vir à custa da dor alheia. Esse ponto pede pouca explicação. É difícil ver um vegano que não se deliciaria ao devorar um churrasco ou um pudim. Veganos apenas reconhecem que esse prazer nas papilas gustativas não justifica a crueldade com um animal indefeso (muito menos roubar sua vida). Lição de casa: quanto da sua remuneração você “abriria mão” para ter certeza de não estar prejudicando seus colegas? Quanto da sua remuneração atual pode ter vindo de “passar a perna” em alguém?
- A Liderança Plant Based… enfrenta resistências à mudança, não aceita justificativas de que “as coisas sempre foram assim”. Os veganos entendem que o mundo sempre usou sofrimento e comeu carne de indivíduos não-humanos (e até de humanos!). Foi como nos desenvolvemos, certo? Mas, hoje, com tanta tecnologia e conhecimento científico, não há mais esta necessidade de continuar com esta crueldade. Já abandonamos outras antes. Este é só mais um passo para um mundo com menos violência. Lição de casa: converse com sua equipe sobre o que é benéfico e correto de manter e o que deveria ser ajustado com prioridade para o próximo ciclo.
- A Liderança Plant Based… reconhece os impactos sistêmicos de suas atividades. No último post, falamos do importantíssimo tema de ESG nas empresas aqui. Gostaria de indicar este TED, onde John Doerr resume o plano de 10 OKRs que colocou em seu livro para impedir a crise climática. O que me chamou atenção foi o objetivo número 3: “fix food”. Nele, o resultado-chave para 2050 é a redução em 50% do consumo global de carne e leite. Os produtos derivados de animais impactam dramaticamente a sustentabilidade do planeta. Quando identificamos impactos ruins do que fazemos, é preciso reconhecer, mapear e agir para corrigir a rota o quanto antes (seja em relação às nossas atividades no mundo, seja em nossos processos corporativos). Negar não é uma opção. Lição de casa: assista ao TED do John Doerr e avalie o que você (e seu negócio) pode fazer para combater a crise climática.
- A Liderança Plant Based… reconhece que ninguém é melhor do que ninguém como um indivíduo, mas que é possível ranquear comportamentos. Há muita crítica de que os veganos “se acham superiores”, mas isso é uma generalização infantil. Como indivíduo, ninguém vale mais do que ninguém. Mas em algumas atividades específicas, sim, pode-se avaliar comportamentos melhores que outros. Por exemplo, quem joga lixo no chão é pior, nesse tema, do que quem guarda até encontrar uma lixeira, certo? Agora, um exemplo vegano: alguém que se recusa a comprar ingresso para ver uma tourada tem um comportamento melhor, nesse tema, do que quem quer ver um touro sendo esquartejado vivo por puro entretenimento. Da mesma maneira, quem promove rodeios ou rinhas de cães possui comportamentos piores, nesse tema, do que quem boicota essas “atividades culturais”. Seguindo esse raciocínio, sim, os veganos não são pessoas melhores, mas possuem comportamentos melhores em casos que envolvem vítimas e sofrimento animal (principalmente no entretenimento, na moda e na alimentação). Lição de casa: quais comportamentos você analisa em sua equipe? Eles estão conectados com a cultura que você deseja para o negócio?
- A Liderança Plant Based… entende que estamos em um sistema, e que a mudança individual também precisa ser acompanhada da mudança sistêmica. Fomos criados em um ambiente culturalmente hostil nas corporações (e no mundo) e lutamos para transformá-las. Mas, antes de mudar, é preciso reconhecer essa violência, o que nem sempre é fácil. A psicóloga americana Melanie Joy ficou conhecida ao criar o termo “carnismo” para descrever nosso mundo. O carnismo seria “a ideologia que faz com que, todos os dias, nos comportemos de uma maneira que é totalmente contrária ao que gostaríamos, sem nem mesmo percebermos que temos opções, participando do sofrimento de animais. (…) O carnismo usa mecanismos de defesa que distorcem nossa percepção e nossos sentimentos, nos desconecta da nossa empatia natural pelos bichos, de modo que agimos contra nossos valores morais sem perceber”. Ninguém é a favor da violência com animais, mas fomos criados para não ver os bastidores da indústria (lembre-se de assistir “Dominion”!) e, mais importante, fomos condicionados sistematicamente a não nos importarmos. Lição de casa: a cultura da sua empresa está adaptada para os desafios do seu negócio e os impactos positivos necessários para o mundo?
É provável que muitas violências (físicas e psicológicas) continuarão ocorrendo nas empresas. São necessárias ações individuais e também ações sistêmicas para corrigir a rota. E, óbvio, não precisamos nos tornar veganos para aproveitar os insights da mentalidade plant based. Esses 9 insights ficam aqui para quem achar relevante não se acomodar com o status quo.
No fim, a confraternização de final de ano teve dois empadões deliciosos e veganos. Foi um sucesso, muitos nem perceberam que eram 100% de plantas. Quem sabe ali pode ter sido uma sementinha plantada para uma mudança cultural.
Sabemos que será um longo caminho até transformarmos as lideranças, fomos criados assim por anos de competição (na escola e no trabalho). É quase impossível transformar uma cultura em poucos anos, mas mais difícil ainda é não tentar.
Um bom primeiro passo pode ser por meio da Liderança Plant Based. Considere fazer essa transição.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. É autor dos livros “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “120 dias de Corona” (Ed. Letramento) – este último lançado agora em 2022.