Semana 7
Voltamos no outro dia. Peguei uma cerveja e ofereci a Jesus. Ele agradeceu, mas pediu só um copo de água. E transformou em vinho.
Retomamos o filme do minuto 20, quando se inicia a descrição da produção de ovos.
As galinhas poedeiras são separadas dos machos (estes são enviados vivos a um triturador, que é considerada a forma mais humana). As fêmeas são levadas amontoadas em caixas para uma máquina que corta seu bico (para evitar que uma machuque a outra ao longo da vida).
Com os bicos sangrando, sem saber por quê, desesperadas, são levadas para galpões, onde viverão (sic) 4 meses até começar a botar ovos. Na Austrália, 2/3 das galinhas ficam em gaiolas apertadas com até 20 outras. Cada uma vive num espaço menor que uma folha A4. Não conseguem estender as asas, nem se movimentar ou ter algum tipo de comportamento normal (ciscar, interagir, brincar na areia etc.)
Dada a histórica modificação genética, conseguem botar 330 ovos por ano, quase 1 ovo por dia. Imagina a destruição no corpo delas que esse ritmo não natural traz: uma galinha selvagem põe apenas 5 ovos em 1 ano.
Depois de 18 meses nesse ritmo, esgotadas, são levadas para o abate (uma vida que normalmente chegaria a 10 anos). Com tanta galinha amontoada, é normal conviverem com cadáveres empilhados nas gaiolas, ficarem feridas, perderem penas e asas, brigarem entre si sem grande atenção dos produtores.
São levadas para o abate com as patas quebradas, puxadas de qualquer jeito e amontoadas em caixas de transporte, sem força alguma para reagir. Até 2016, não havia regulamentação clara para definir o que seria ovo caipira (livre de gaiolas). Agora é definido que, em vez de uma folha A4, uma galinha precisa ter 1 metro quadrado só para ela. Vidão.
No abatedouro, são penduradas vivas pelas patas, de ponta cabeça, em uma espécie de varal. O varal as afoga em um tanque de atordoamento (água eletrocutada) e depois na sequência as leva para uma lâmina que corta seus pescoços. Muitas escapam do afogamento e chegam conscientes para o corte no pescoço. Algumas continuam vivas agonizando e, por fim, são mergulhadas em água fervente para terminar o serviço.
Aos 32min começa a vida (?) dos frangos de corte.
Os pintinhos são levados em bandeja amontoados e jogados de qualquer jeito, uns sobre os outros, no galpão. Muitos quebram as patas, morrem soterrados, ficam agonizando enquanto os demais correm para a comida.
Em torno de 50 mil ficam amontoados em cada galpão. Nessa primeira semana, morrem aproximadamente 10% deles, sem cuidado algum. Em 3 semanas, os pintinhos já ficam com porte de frango. Mesmo sendo criados fora de gaiolas (como as galinhas poedeiras), nessa altura já quase não tem espaço para se movimentarem muito.
Com 6 semanas, estão gordos e ainda mais amontoados, o galpão parece um vagão de metrô lotado. Os frangos não desenvolvem força nas patas, dada a pouca movimentação, ficam cheios de ferimentos, e muitos já estão sem penas (com corpo ralado em carne viva mesmo).
Pela iluminação artificial e uso intenso de antibióticos, seus corpos também ficam queimados pela amônia da própria urina. Os produtores aproveitam a noite para separar os frangos que serão abatidos (sem tanto desespero dos demais) e os colocam amontoados em bandejas, cinco, dez por vez, de qualquer jeito. As bandejas vão de um caminhão até o abatedouro, onde seguirão o mesmo processo de assassinato descrito antes.
Minuto 44, chega a vez das vacas leiteiras. Olho para Jesus, ele pede mais água.
Os bezerros são levados embora poucas horas após o parto. As mães tentam acompanhar, correm atrás do sequestrador em vão, e choram por dias. Os bezerros ficam alguns dias isolados também chorando pelas mães, então são levados ao abatedouro. Levam uma pistola ou atordoamento elétrico, que muitas vezes erra, e ficam se debatendo. Alguns são criados por mais algumas semanas para serem vendidos como vitela.
As mães, sem os filhos raptados e assassinados, agora cheias de leite para ninguém, são ordenhadas 2 a 3 vezes ao dia. Uma vida que chegaria a 20 anos dura no máximo 8 nessa tortura. Quando estão muito esgotadas e feridas (após anos produzindo mais de 10 vezes o leite que normalmente produziriam), são levadas para o abate. Tiro na testa. As cenas mostram que várias continuam conscientes e se debatendo à medida que levam facadas na garganta.
Passamos para o gado de corte. Sofrem diversos tipos de mutilações sem cuidado nem anestesia (chifres cortados, marcação em brasa, corte de orelhas, mutilação genital).
Possuem vida um pouco melhor que aquele inferno dos porcos (maior espaço de movimentação e alguns ao ar livre), mas levam os mesmos choques e espancamentos para acelerarem o passo de um lado pro outro.
Após 18 meses, já vão para o abate. Mesma dinâmica: entram em corredores para o abate, sentem o cheiro e veem a morte dos semelhantes, tentam fugir, retroceder, choram. O filme mostra outros produtos derivados da criação de gado: couro, sangue para indústria farmacêutica, rodeios (tem um bloco só sobre entretenimento violento com animais).
Passamos para as ovelhas. Embora com criação e abate parecidos, ainda sofrem ao longo da vida com a hiper violência para tirar seus pelos (a “indústria” precisa ser rápida e manipula as ovelhas de qualquer jeito).
O filme migra para outros: cabras (Austrália é a maior exportadora desse animal), peixes (animais marinhos merecem uma coluna totalmente separada), coelhos (além de carne e indústria farmacêutica, têm todo seu pelo arrancado a cada 3 meses para indústria da moda, sim, pelo arrancado à mão tem mais valor, os coelhos berram alucinadamente de dor).
Quando param de produzir pelos, os coelhos têm sua pele inteira tirada, muitas vezes enquanto ainda estão vivos: 12 coelhos são mortos para produção de apenas 1 chapéu famoso (akubra), mais de 1 bilhão de coelhos são mortos globalmente todo ano para uso do couro.
O documentário depois mostra a criação e vida em cativeiro de visons (martas), raposas (segundo animal mais criado apenas para uso do seu pelo, também têm seu couro retirado enquanto estão vivas, para acelerar o processo), cães (foco na criação para venda de filhotes e também para couro; filme não mostrou a criação para carne), cavalos e cães de corrida, camelos, ratos (principalmente para testes científicos, muitos sem nem anestesia), animais exóticos, focas e golfinhos para entretenimento, animais em zoológicos…
Ufa, chegamos ao final. Vivos por fora, mortos por dentro. O documentário termina com uma citação de Gandhi: “a grandeza e o progresso moral de uma nação podem ser avaliados pela maneira como ela trata seus animais”.
Em toda história da humanidade, estima-se que 620 milhões de seres humanos morreram em guerras. Esse é o número de abates de animais (só os terrestres) realizados a cada 3 dias no mundo.
Olhei para o lado, para pegar algum comentário de Jesus. Ele não estava mais lá. Nem seu copo de vinho.
Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. Seus últimos livros são “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon).