De todas as pessoas que já existiram, quem foi a que fez o maior bem para a humanidade? Essa é uma pergunta difícil.
Ao procurar por uma resposta, eu encontrei uma lista que a revista Esquire publicara chamada “As 75 Melhores Pessoas do Mundo”. Os autores sugerem que o primeiro lugar devia ir para… o Matt Damon.
Isso parece improvável.
Um bom competidor para o título de maior feito da humanidade é a erradicação da varíola. A varíola foi uma doença horrível. Só no século XX, a varíola matou mais de trezentas milhões de pessoas — mais que o número de mortos naquele período somando-se de todas as guerras, todos os genocídios, todos os atos terroristas e todas as fomes com causas políticas. Por volta de 30 por cento dos infectados morriam, às vezes de choque, porque a dor era insuportável. E mesmo aqueles que sobreviviam eram ficavam terrivelmente desfigurados. Ainda assim, em 1977, nós erradicamos a doença.
Se fôssemos procurar pela Melhor Pessoa de Todos os Tempos, poderíamos começar olhando para aqueles que ajudaram nesse esforço. Na verdade, muito da responsabilidade pela erradicação da varíola pode ser atribuída a apenas um homem.
Em 1966, um médico de 38 anos nascido em Ohio e chamado D. A. Henderson se tornou o chefe da Campanha Global pela Erradicação da Varíola da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar de ter tido apenas 10 anos de experiência clínica, e de que ele era 15 anos mais jovem que a maioria dos outros médicos do programa, Henderson fez um tremendo trabalho. Quando ele assumiu a liderança da campanha, ele propôs um objetivo ambicioso: eliminar completamente a varíola da face do planeta em dez anos.
Espantosamente, sua campanha foi bem-sucedida, e entre 1967 e 1971, o número de países onde a varíola era endêmica despencaram de trinta e um para cinco. Em 1977, o último caso de varíola a ocorrer naturalmente foi diagnosticado na Somália, tornando-a a primeira doença na história a ser erradicada.
O sucesso de Henderson resultou em uma onda de ovações. Ele ganhou mais que uma dúzia de prêmios importantes, incluindo a Medalha Bem-Estar Público, a Medalha Nacional da Ciência, e a Medalha Presidencial da Liberdade — o maior prêmio civil dos Estados Unidos. Ele recebeu títulos honoríficos de 17 universidades, e imediatamente antes do 11 de setembro, tornou-se o principal especialista do presidente George W. Bush em bioterrorismo. Ele até mesmo recebeu o título de cavaleiro do rei da Tailândia.
Mas D. A. Henderson não é quem eu estou nominando a Melhor Pessoa de Todo os Tempos.
Na hora que Henderson foi contratado, a vontade política de erradicar a varíola já existia. Havia uma vaga de trabalho aberta, e Henderson a preencheu; ele nem mesmo queria o emprego inicialmente. Isto não é para dizer que ele não encarou o desafio, ou que ele não foi um herói, mas se ele nunca tivesse aceitado o trabalho, outra pessoa o teria feito em seu lugar. Essa pessoa talvez não tivesse sido tão boa quanto Henderson, mas parece muito provável que a varíola teria sido erradicada do mesmo modo. Henderson atuou como um agente, e não como um diretor: ele estava executando as intenções de outra pessoa, e não criando a ideia ele mesmo.
Ao invés dele, devemos olhar para um herói muito mais improvável: Victor Jdánov, um virologista ucraniano que morreu em 1987. No momento em que escrevo, ele tem uma página de meros quatro parágrafos na Wikipédia em inglês, e há apenas algumas fotos embaçadas em preto e branco dele disponíveis online. Eu desconheço qualquer grande ovação pelo seu trabalho.
Em 1958, Jdánov era vice-ministro da saúde da União Soviética. Em maio daquele ano, no encontro da Décima-Primeira Assembleia Mundial da Saúde em Minneapolis, Minnesota, nos EUA, na primeira vez em que a União Soviética aparecia na assembleia depois de uma ausência de nove anos, Jdánov apresentou um longo relatório com um plano visionário para a erradicação da varíola. Naquele momento, nenhuma doença jamais havia sido erradicada. Ninguém sabia se isso poderia ser feito. E ninguém esperava que tal sugestão viesse da União Soviética; na verdade, Jdánov tivera que combater pressões de dentro da URSS para convencê-las de seus planos. Quando ele falou à assembleia da OMS, ele transmitiu sua mensagem com paixão, convicção e otimismo, corajosamente sugerindo que a doença pudesse ser erradicada dentro de dez anos.
Já que a varíola era uma doença exclusivamente humana, ele argumentou, seria mais fácil erradicá-la que infecções transmitidas por pernilongos, como a malária. Ele apontou o seu sucesso anterior em eliminar a varíola da União Soviética, apesar dos vastos territórios e das precárias redes de transporte. Ele fez referência à carta de Thomas Jefferson ao inventor da vacina contra a varíola, Edward Jenner: “Eu me aproveito desta ocasião para prestar-lhe uma homenagem de gratidão, devida a você de toda a família humana. A medicina nunca antes produziu uma única melhoria de tamanha utilidade… As nações futuras saberão apenas pela história que a odiosa varíola existiu, e por você foi extirpada”. Em nome da URSS, ele ofereceu 25 milhões de doses da vacina, e apoio logístico a muitos países mais pobres.
Por força de seus argumentos, Jdánov foi bem-sucedido. A OMS reverteu abruptamente sua posição, concordando em formar uma campanha para erradicar completamente a doença. A varíola ainda é a única doença a ter sido erradicada, e tentativas de erradicar a poliomielite e o verme-da-guiné só tiveram tal investimento graças ao sucesso contra a varíola. Se não fosse pelas ações de Jdánov, a varíola talvez não houvesse sido erradicada até hoje. Jdánov agiu como um diretor, não como um agente, e devido a seus esforços há milhões de pessoas vivas que, de maneira contrária, teriam sido mortas.
A lição para nós é que fazer a diferença demanda que se faça algo diferente.
Texto original escrito em inglês por William MacAskill em 30 de julho de 2015 e disponível em: https://boingboing.net/2015/07/30/the-best-person-who-ever-lived.html
William é cofundador do site 80,000 Hours (site em português: https://80000horas.org.br/), que aconselha pessoas em como elas podem usar seu tempo na terra para o maior impacto possível — “Achamos que pensar sobre o que teria acontecido sem suas ações é crucial para escolher um caminho de carreira que realmente faça a diferença.”
Traduzido por Bruno Gabellini em 15 de agosto de 2019.