Há diversos bons motivos para doar para a caridade e aumentar gastos com Ajuda ao Desenvolvimento, mas os mitos sobre a eficácia dessa ajuda persistem, deixando muitas pessoas preocupadas com destino e eficácia de doações. Vamos então separar fato de ficção nestes 11 mitos que selecionamos para serem desconstruídos:
Mito 1. “Já gastamos muito com ajuda externa”
A quantia que os países desenvolvidos gasta é pequena se comparada à sua riqueza. Em 2016, a assistência oficial ao desenvolvimento (Official Development Aid) dos países no Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE foi de US$ 142,6 bilhões. O auxílio total representava apenas 0,32% da renda nacional combinada desses países, em média, ou três dólares em cada mil.
Para citar um ponto de referência, um relatório da Brown University estimou que o custo da Guerra do Iraque em 2003, para os EUA, foi superior a US$ 2 trilhões.
As pessoas costumam ter a impressão de que muito mais é gasto em ajuda externa do que realmente é. O palpite médio das estimativas dos cidadãos americanos é que cerca de 31% do orçamento federal é gasto em ajuda ao desenvolvimento de outros países. De fato, os EUA gastam menos de 1% do orçamento federal em ajuda externa.
Mito 2. “O dinheiro que já gastamos teve pouco ou nenhum efeito”
A pobreza global é um problema enorme e a ajuda humanitária e ao desenvolvimento certamente ainda não a fez desaparecer. No entanto, como visto acima, o montante investido no auxílio internacional é menos do que se supõe.
Apesar disso, muito foi alcançado nos países em desenvolvimento:
- A varíola foi erradicada em todo o mundo em 1980, após uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde lançada em 1959. Uma doença altamente contagiosa, que foi particularmente devastadora no sul da Ásia, onde matou até metade das pessoas afetadas e deixou sobreviventes mutilados.
- A Dracunculíase, mais conhecida como doença do verme da Guiné, uma condição excruciante e debilitante, é extremamente provável de ser erradicada nos próximos anos, graças principalmente aos esforços do Carter Center, OMS e UNICEF: entre 1986 e 2016, o número de casos por ano caiu de 3,5 milhões para apenas 25.
- O Institute of Health Metrics and Evaluation estimou que, entre 2000 e 2014, os US$ 73,6 bilhões gastos em saúde infantil por doadores (incluindo privados e públicos) evitaram a morte de 14 milhões de bebês e crianças. Além dos US$ 133 bilhões gastos no mesmo período em saúde infantil por governos de países de baixa e média renda, estima-se que tenham evitado a morte de 20 milhões de crianças.
Apesar de gastar relativamente pouco, fizemos grandes avanços em termos de saúde. Basta pensar no que poderíamos alcançar se doássemos mais, e doássemos para os programas mais eficazes!
Mito 3. “O problema é tão grande que minhas doações não farão diferença”
Na verdade, você pode fazer mais diferença do que imagina. Por exemplo, se uma pessoa que ganha uma renda similar a renda típica americana doasse 10% de sua renda à Against Malaria Foundation, a cada ano poderia comprar pelo menos 2.000 mosquiteiros tratados com inseticida e, ao longo de sua vida profissional, pode comprar mais de 80.000 mosquiteiros. A AMF entrega as redes aos parceiros locais que as distribuem aos destinatários pretendidos.
Através dessas intervenções conjuntas, espera-se que 80.000 redes evitem a morte de mais de 25 crianças menores de 5 anos de idade, bem como inúmeros outros benefícios (como salvar crianças mais velhas ou prevenir doenças debilitantes, mas não fatais). Este é um resultado incrível.
Você pode não ser capaz de acabar com a pobreza por conta própria, mas todos os grandes movimentos são compostos de ações individuais. Se todos doássemos uma porcentagem de nossa renda às instituições de caridade mais eficazes, juntos poderíamos realmente acabar com a pobreza extrema durante nosso tempo de vida.
Mito 4. “Caridade começa em casa: devemos resolver nossos próprios problemas primeiro”
Também existem muitas pessoas em circunstâncias muito difíceis nos países desenvolvidos, que certamente não são menos merecedoras de ajuda do que aquelas no mundo em desenvolvimento. Mas a questão é, o que pode ser alcançado com a nossa doação?
No mundo desenvolvido, já se gasta dinheiro suficiente em saúde, saneamento e educação para garantir que, por exemplo, doenças facilmente preveníveis ou tratáveis sejam realmente prevenidas e tratadas. Surpreendentemente, os problemas que restam nos países desenvolvidos são aqueles que seriam relativamente caros de resolver. Por esse motivo, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido considera rentável gastar até £ 20.000 (cerca de US$ 25.000) por um único ano de vida saudável adicionado.
Por outro lado, devido à sua pobreza, muitos países em desenvolvimento ainda sofrem com doenças que custariam ao mundo desenvolvido quantias relativamente pequenas. Por exemplo, a GiveWell estima que o custo por vida infantil economizado por meio de uma distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida, financiada pela Against Malaria Foundation é de cerca de US $ 7.500. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido gastaria essa quantia para adicionar cerca de quatro meses de vida saudável a um paciente.
Mito 5. “A ajuda é inútil devido à corrupção nos governos que a recebem”
Ninguém nega que a corrupção nos países em desenvolvimento às vezes pode levar ao “sumiço” de dinheiro ou recursos destinados a filantropia ou ajuda ao desenvolvimento nestes países. Mas a solução não é doar menos, mas doar de forma inteligente.
Uma maneira de reduzir o risco de corrupção é doar para programas que não tratam de bens valiosos os quais funcionários e agentes públicos poderiam desviar. Outra é dar para instituições de caridade com controles rígidos de distribuição e avaliações de impacto robustas, garantindo que seu trabalho esteja realmente fazendo a diferença, em vez de simplesmente encher alguns bolsos. Por exemplo, a Against Malaria Foundation é particularmente cuidadosa em evitar e desencorajar a corrupção quando realiza suas distribuições.
Mito 6. “A ajuda apenas torna os países em desenvolvimento dependentes de ‘esmolas’ ”
É verdade que, por exemplo, doar grandes quantidades de alimentos pode tornar a agricultura local menos lucrativa. No entanto, muitos tipos de intervenção simplesmente não causam esse tipo de problema e têm efeitos extremamente positivos. Por exemplo:
- A distribuição de medicamentos para combater doenças tropicais negligenciadas não apenas melhora a saúde, mas leva a maiores níveis de educação e riqueza. A Schistosomiasis Control Initiative e a Deworm the World estabeleceram esses programas para serem assumidos pelos departamentos nacionais de saúde de maneira sustentável, levando à diminuição da dependência da ajuda ao longo do tempo.
- O projeto Healthy Children ajuda os governos a fortalecer alimentos básicos com micronutrientes. Depois que os padrões e processos de sua atuação são configurados, não há necessidade contínua de donativos.
Essa é uma questão que levamos em conta na avaliação das instituições de caridade, para garantir que as que recomendamos melhorem a vida de maneira sustentável e não exploradora.
Mito 7. “Por levar à superpopulação, a ajuda apenas aumenta os problemas”
Por que os países do mundo desenvolvido têm taxas de natalidade muito mais baixas do que o mundo em desenvolvimento? Parece haver várias razões:
- Taxas mais baixas de mortalidade infantil significam que as famílias não precisam ter tantos filhos para garantir que alguns sobreviverão.
- Ao mesmo tempo, o acesso à educação, tecnologia e outras melhorias na qualidade de vida tornam menos necessário ter muitos filhos trabalhando para sustentar suas famílias.
- Maior acesso à contracepção dá às famílias mais controle sobre a fertilidade.
Portanto, reduzindo as taxas de mortalidade infantil, melhorando a qualidade de vida e aumentando o acesso à contracepção, pode-se ajudar a provocar uma “transição demográfica” no mundo em desenvolvimento, reduzindo a taxa de natalidade e, ao mesmo tempo, combatendo a pobreza extrema.
Também existem muitas maneiras pelas quais a ajuda filantrópica pode melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas em áreas atingidas pela pobreza sem aumentar a taxa de natalidade. Por exemplo, pode curar pessoas com cegueira ou doenças tropicais negligenciadas, que causam dificuldades significativas, mas têm apenas um pequeno impacto na mortalidade.
Melhor ainda, tratamentos regulares através de campanhas de desparasitação demonstraram (embora com alguma controvérsia) que são capazes de diminuir a defasagem escolar e aumentar o rendimento na idade adulta, que são os tipos de melhorias que tendem a levar a taxas de fertilidade decrescentes.
Você pode ler mais sobre isso aqui.
Mito 8. “Não precisamos de caridade; precisamos de ação política”
Não estamos dizendo que doar é a única coisa que pode ser feita, concordamos que a ação social e política é incrivelmente importante. De fato, há casos em que a ação política é mais eficaz do que doações. Por exemplo, Will MacAksill, co-fundador da Giving What We Can, escreveu um artigo argumentando que, para ajudar os refugiados “Doações podem ser úteis, mas são insustentáveis nesse caso, enquanto ações políticas podem trazer mudanças reais”.
Em outros casos, no entanto, as doações podem ser uma maneira muito eficaz de provocar mudanças. Por exemplo, alguém poderia doar para apoiar intervenções que comprovadamente funcionam e que os governos gostariam de implementar, mas carecem de recursos para financiar. Além disso, às vezes leva muito tempo para mudar de atitude, o que significa que uma mudança geral levará um tempo para vir. Enquanto isso, existem vidas que podem ser salvas e doenças que podem ser curadas.
Por fim, vale ressaltar que existem organizações que trabalham com mudanças políticas e sistêmicas. Muitas dessas organizações poderiam usar recursos adicionais para estender ou melhorar suas operações. Se você acredita que essa é a maneira mais eficaz de fazer o bem, doar para essas organizações estaria bem alinhado com o que também acreditamos. Leia mais sobre mudanças sistêmicas aqui.
Em suma, não há razão para pensar em doações e ações políticas como alternativas: ambas podem ser formas de melhorar a vida de outras pessoas.
Mito 9. “O crescimento econômico vai tirar as pessoas da pobreza. Devemos focar nele.”
É verdade que o desenvolvimento econômico contribuiu substancialmente para a redução da pobreza em anos anteriores. No entanto, mesmo sob projeções de crescimento muito otimistas, levaria décadas para finalmente tirar todos no mundo desta extrema pobreza por meio do desenvolvimento econômico — algo que achamos inaceitável. Escrevemos sobre isso em detalhes aqui. Além disso, muitas instituições de caridade altamente eficazes capacitam as pessoas não apenas criando benefícios sociais, mas também econômicos.
Mito 10. “Deveríamos apoiar o fortalecimento dos sistemas de saúde em vez de apoiar intervenções ‘verticais’ que podem não ser sustentáveis”
Em países com sistemas de saúde muito fracos, pensamos que devemos nos concentrar primeiro em intervenções verticais de relativo baixo custo e impacto eficaz, como por exemplo no tratamento e profilaxia de doenças facilmente evitáveis, a fim, inclusive, de aliviar o sistema de saúde. Considere, por exemplo, o gráfico a seguir, que mostra um modelo da Organização Mundial da Saúde para o quanto é exigido do sistema de saúde devido a Malária, que é uma doença evitável:
Neste gráfico é mostrada a relação entre o número de casos de febre (derivada da Malária) encontrados em instalações pertencentes ao sistema público de saúde em países na África em 2015, e a aplicação de redes tratadas com inseticida (procedimento efetuado por organizações como a Against Malaria Foundation). Neste gráfico, podemos ver como uma intervenção vertical simples pode impactar o sistema de saúde. O número de pacientes com febre nas instalações do sistema de saúde dos países africanos diminui a medida que aplicação de mosquiteiros se torna mais comum, assim também ajudando a desafogar os sistemas de saúde.
Mito 11. “Parar a evasão fiscal por empresas multinacionais fechará a lacuna no financiamento para o desenvolvimento”
Ainda que melhorar a captação de impostos possa ser uma maneira de ajudar no desenvolvimento, não é uma solução definitiva e o assunto é complexo. O Centro para o Desenvolvimento Global e o Centro Internacional de Impostos e Desenvolvimento são boas fontes para obter mais informações sobre isso.
Eles escrevem: “Descobrimos que o potencial dos governos de aumentar receitas adicionais tributando empresas multinacionais é limitado pelos níveis reais de lucro gerados pelo investimento direto estrangeiro em cada país; alterações nas alíquotas efetivas também podem ter impacto nas perspectivas de investimento. As estimativas de sonegação de impostos corporativos são frequentemente apresentadas, equivocadas ou reajustadas de uma maneira que exagera impactos potenciais […] Afirmações recorrentes, como ‘países em desenvolvimento perdem três vezes mais em paraísos fiscais do que recebem ajuda externa todos os anos’ e ‘60% do comércio global ocorre dentro de multinacionais’ ou ‘Zâmbia poderia ter dobrado seu PIB’, não se sustentam.”
12.Eu tenho uma questão/objeção/comentário que não foi abordada aqui
Participe do grupo no Facebook do Altruísmo Eficaz para debatermos e pesquisarmos juntos!
Resumo
Muitas das razões pelas quais as pessoas preferem não apoiar a ajuda externa e instituições filantrópicas são, na verdade, mitos. Os fatos são bem diferentes:
- Estamos gastando menos em ajuda externa do que pensamos, e na verdade menos do que de fato achamos que deveríamos.
- A Ajuda ao Desenvolvimento e a filantropia tiveram efeitos positivos na saúde global e poderiam alcançar mais se doássemos mais e doássemos de maneira mais eficaz.
- Ao doar mais, e de maneira cada vez mais eficaz, cada um de nós pode fazer uma grande diferença.
- Podemos conseguir mais direcionando doações para países em desenvolvimento do que para países desenvolvidos.
- A corrupção apenas torna mais importante doar para as melhores instituições de caridade.
- Podemos ajudar as pessoas nos países em desenvolvimento a se ajudarem, ao invés de mantê-los em dependência de assistência.
- Apoiar a ação política é incrivelmente importante, mas não há razão para pensar nisso em oposição à doação.
A melhor maneira de evitar as possíveis armadilhas desses auxílios é considerar cuidadosamente a que organização doar. Temos algumas sugestões de como abordar essa consideração aqui.
Veja também aqui o que você consegue alcançar ao tentar lidar eficazmente com causas que afligem o mundo.
Está convencido e pronto para doar para organizações altamente eficazes no combate a pobreza global?
Considere doar para as organizações de impacto comprovado, baseado em estudos e evidências. A GiveWell é uma organização dedicada exclusivamente a esse tipo de avaliação. Você pode doar diretamente pelo site deles ou então via doebem, site que realiza aqui no Brasil o trabalho de divulgação desta filosofia de doação (Site, Facebook).
Traduzido, com adaptações, de: https://www.givingwhatwecan.org/get-involved/myths-about-aid/
Tradução: Luna Praun, Caio Freire