Comer carne faz mais mal do que bem? Uma colaboração entre um comedor de carne e um vegetariano

[O seguinte é a tradução de uma “colaboração antagônica” aplicada ao tema da ética do consumo de animais, escrita por David G e Froolow, publicada originalmente no blog racionalista SlateStarCodex (SSC) do psiquiatra Scott Alexander.

Uma colaboração antagônica Scott define como sendo “quando duas pessoas com visões contrárias sobre uma questão controversa trabalham juntas para apresentar um resumo unificado das evidências e das suas implicações”. Basicamente, é como desfrutar do resultado final de um debate entre especialistas sem precisar passar por todo o debate, retórica e discordâncias.

Trata-se de um bom exemplo de que, embora difícil e rara, a convergência de ideias em questões importantes e polêmicas é ao menos possível, com a ajuda de evidências e boa vontade.]

Introdução

Muita gente mundo afora tem fortes convicções sobre o consumo de animais. Elas com frequência se baseiam em intuições vagas, o que resulta em trocas improdutivas de opiniões entre vegetarianos e comedores de carne. O objetivo desta colaboração é investigar todas as considerações relevantes a partir de um quadro de referência em comum.

Para ajudar a fundamentar esta discussão, produzimos um auxílio de decisão que explicita tudo que é discutido abaixo. Você pode baixá-lo aqui e encorajamos você a mexer nele.

A questão central é se as vidas dos animais da pecuária industrial vale a pena viver; a alternativa realista ao consumo de carne não é uma vida melhor para esses animais, mas eles nem existirem para começar.

Começamos investigando quais animais são conscientes. Então comparamos a literatura da felicidade com as condições em que os animais são criados industrialmente para descobrir se, da perspectiva deles, a inexistência é preferível. E finalmente, pesquisamos os impactos mais facilmente mensuráveis do consumo de carne sobre o meio ambiente, as finanças e a saúde.

1. Consciência

1.1. O que é consciência?

Este ensaio não se trata de uma teoria geral da consciência. Tentamos pesquisar isso e a principal coisa que tiramos disso é simplesmente que a consciência é algo realmente, realmente esquisito. Quando dizemos que uma coisa é “consciente” queremos dizer simplesmente que é “como algo ser essa coisa”, e que, se fôssemos essa coisa, nos importaríamos se coisas “boas” ou “ruins” nos acontecessem.

De particular relevância é a experiência consciente de dor e sofrimento, que consideramos moralmente indesejável quando ocorre em nós e nos outros. A maioria dos animais possui sensores de dano, mas engatilhá-los pode não resultar na experiência subjetiva de “sofrer” se o animal não for consciente ou se o estímulo for uma presença constante à qual ele se acostumou.

E este é o absoluto âmago desta investigação: se os animais sofrem nos padrões de criação atuais a ponto de preferirem a inexistência, então há um ônus moral sobre os comedores de carne de justificar comê-los.

Para resolver isto, procuramos em diferentes animais dois tipos de evidência para a consciência.

  1. Uma arquitetura cerebral similar à humana resultante do mesmo processo evolutivo.
  2. Comportamentos que são difíceis de explicar exceto com referência à posse de experiências.

1.2. Que partes do cérebro são “responsáveis” pela consciência?

Você pode presumir que a consciência é simplesmente causada “pelo cérebro”, porque sem ele como poderíamos pensar (ou fazer) qualquer coisa? No entanto, uma enorme parte do processamento de informação inteligente acontece em nosso cérebro sem dar à luz a experiência consciente.

Tente perceber o que acontece quando você lê a frase “Grupo de garis para de trabalhar para receber aumento”. Perceba que a palavra “para” apareceu duas vezes, mas na primeira você não só a interpretou como a ouviu na sua mente como um verbo; na segunda vez, como uma preposição. Antes que as palavras aparecessem na sua mente consciente, como imagem na tela, como som na sua cabeça, como um sentimento de entender a frase, o seu cérebro já tinha feito toda a parte difícil de descobrir o que elas significam subconscientemente, sem você ter experiência de nada.

Se você separasse a medula espinhal, o bilhão de células nervosas na coluna vertebral que conectam o seu cérebro aos seus membros, você perderia completamente a sensação abaixo do pescoço, mas continuaria a ter pensamentos e ricas experiências. Ou considere o cerebelo, os 69 bilhões (80%+) de neurônios que são responsáveis pelo controle motor. Se você cortar fora partes dele, pode ser que perca a habilidade mecânica de executar certos movimentos como tocar piano ou andar, mas permanecerá completamente consciente com um senso de si mesmo, uma memória e a habilidade de planejar para o futuro.

O que é comum entre a medula espinhal e o cerebelo? Os circuitos neurais operam em paralelo com centenas de portões lógicos de input/output e se ativam todos do mesmo modo, em vez de formarem um circuito multimodal interconectado. Uma condição necessária para a consciência (nas pessoas) são dois neurônios “conversarem” um com o outro, em vez de simplesmente passarem informação com modificações determinísticas para cima na cadeia de comando.

Onde a consciência parece ser gerada é no córtex cerebral posterior, a superfície externa no cérebro composta de duas folhas com várias dobras. Estimule-o eletromagneticamente, e é como qualquer outra viagem de ácido. A estrutura física cheia de dobras parece extremamente importante para gerar a consciência porque maximiza a exposição de área de superfície dos neurônios entre si. Muitas partes do seu cérebro podem ser removidas sem grandes mudanças na sua personalidade e inteligência, mas ainda que pequenas partes do córtex posterior estejam faltando, pacientes cirúrgicos perdem classes inteiras de conteúdo consciente: consciência de movimento, espaço, sons, etc.

É importante reconhecer que a consciência não é simplesmente “causada por qualquer coisa que aconteça no cérebro”. É uma coisa específica e frágil com características distintas que diferem de outras atividades neurais que se associam com a inteligência — portanto, a relativa inteligência dos animais em comparação com os humanos não necessariamente corresponde intimamente com seu grau de consciência.

1.3. Indicadores neurais da consciência

Todo mamífero tem um córtex cerebral. Camundongos e ratos têm um liso; gatos e cachorros o têm com algumas dobras; e humanos/golfinhos/elefantes têm córtices altamente expandidos e com muitas dobras. Portanto, todo mamífero provavelmente é consciente, embora com grandes diferenças em vividez e complexidade.

Pássaros e répteis são um caso mais difícil porque a evolução cerebral deles divergiu muito mais cedo. Eles têm, por outro lado, um aglomerado de neurônios com marcadores químicos associados a camadas diferenciadas do neocórtex, mas sem o formato cheio de dobras que maximiza a conectividade.

Por contraste, os peixes não têm qualquer arquitetura neural única com respeito às partes do cérebro relacionadas à consciência e provavelmente são incapazes de sentir medo ou dor do modo como um ser humano sentiria — encorajamos você fortemente a ler este artigo por inteiro para se convencer desta afirmação. Embora os peixes demonstrem respostas semelhantes à dor a estímulos danosos e o façam menos dados analgésicos, isso é verdade mesmo quando o telencéfalo inteiro (que inclui o prosencéfalo) é removido, de modo que, no cômputo geral, é improvável que eles estejam tendo uma experiência qualitativa para acompanhar a resposta.

1.4. Indicadores comportamentais da consciência

O comportamento parece um óbvio lugar para procurar evidência para a consciência. No entanto, qualquer comportamento pode ser explicado pela inteligência pura e simplesmente, ou até por “codificação rígida” subinteligente oriunda da evolução. Se você espantar uma mosca, ela vai fazer barulhos altos de “zangada” e ir embora. O seu irmãozinho reagiria da mesma forma. Se você não soubesse nada da arquitetura neural das moscas, você poderia concluir que moscas são tão conscientes e capazes de sofrer quanto gente.

Um jeito de contornar isso seria se pudéssemos projetar testes que procuram estados mentais indiretamente, como o teste do espelho (se um animal consegue reconhecer o seu reflexo). Mas elefantes (definitivamente conscientes) rotineiramente falham e pelo menos um peixe passou nele, de modo que estamos cautelosos sobre colocar muito peso nesses testes.

Outro jeito é procurar comportamentos que se associam a estados emocionais extremamente complexos que observamos nos humanos. Se há uma grande diferença de inteligência, mas grande semelhança de comportamento, podemos inferir que o animal está tendo experiências conscientes semelhantes.

Começando pelo simples: se você brinca com um cachorro ele vai agir das maneiras altamente específicas como você agiria se você estivesse sentindo “alegria”. De uma perspectiva de hormônios e inteligência, o estresse e a excitação positiva são estados muito semelhantes, e em criaturas não conscientes não teríamos razão nenhuma para esperar, por exemplo, que uma criatura buscasse um estressor como um brinquedo de morder a não ser que tivesse algum sentimento positivo por ele. O fato de podermos dizer tão claramente como um cachorro está-se sentindo é, para nós, evidência altamente persuasiva de consciência.

Cachorros também exibem algo bastante análogo a uma teoria da mente; por exemplo, eles confortam o seu dono quando ele está triste (mas talvez isso seja comportamento aprendido).

É improvável que cachorros sejam um caso especial; outros animais de inteligência variada também exibem comportamentos complexos indicativos de consciência.

  • Chimpanzés que veem outro chimpanzé perder uma briga direcionam mais comportamento de asseio ao perdedor, mas não se eles não virem esse chimpanzé perder a briga. [Linkcobertura popular]
  • Corvídeos que escondem uma guloseima ao serem observados voltam sorrateiramente depois e escondem novamente a guloseima num outro lugar, indicando (talvez) uma teoria da mente e (certamente) “viagem temporal mental” de imaginar a si mesmos em vários estados futuros. [Linkcobertura popular]
  • Golfinhos, testados para discriminar entre X e Y por uma recompensa, mas incluindo a opção de “desistir” do teste em troca de uma recompensa menor, desistem mais frequentemente em testes mais difíceis, indicando uma metacognição (que diríamos que é adjacente a — se não a mesma coisa que — uma teoria da mente). [Linkcobertura popular]

Passar um tempo com animais (animais superiores, especialmente) torna extremamente difícil imaginar que eles sejam qualquer coisa além de conscientes, mas reconhecemos que qualquer comportamento poderia ser explicado como uma expressão da inteligência sem pressupor experiência consciente. No entanto, estamos razoavelmente confiantes de que:

  1. A gama e complexidade de comportamentos exibidos por animais se correlacionam intimamente com a arquitetura do cérebro que cremos que causa a consciência – quanto mais complexa é a arquitetura do cérebro, mais como se fosse consciente é o comportamento. Isso seria uma coincidência substancial se de fato os animais não fossem conscientes.
  2. Animais que intuímos que são conscientes são menos dados a exibir comportamento de “pane” indicativos de serem um autômato seguidor de regras não consciente. Há muitos exemplos de “panes” no comportamento de insetos (como vórtices da morte em formigas, comportamentos repetitivos de vespas cavadoras [embora talvez não ] e mariposas não percebendo que estão voando em círculos em torno de uma vela), enquanto há muito poucos exemplos de “panes” no comportamento de mamíferos. Um exemplo divertido de uma pane no comportamento de pássaros pode ser encontrado em vídeos do YouTube [Link , Link] em que o “mecanismo de imprinting” de patinhos os confundiu a ponto de pensarem que um cachorro é a sua mãe.

1.5. Que animais são conscientes?

É justo refletir sobre a incerteza do que foi discutido acima, mas estaríamos confortáveis em atribuir consciência com base em arquitetura neural e comportamento da seguinte forma:

Há boas razões para crer que animais terrestres usados como alimento (vacas, porcos, ovelhas, cabras) são altamente conscientes. Por outro lado, achamos que podemos estar razoavelmente confiantes de que peixes não sofrem de um jeito moralmente relevante. Não estamos seguros sobre frangos. Encorajamos você a ler esta visão geral sobre o comportamento deles por completo para se convencer de que a inteligência cognitiva e emocional deles os agrupariam com animais simples se tivessem a mesma arquitetura neural.

No entanto, como na maioria das partes do cérebro humano“inteligência” não corresponde a “consciência”, e porque cérebros de frangos são um amontoado de neurônios com uma história evolutiva diferente e que carecem da estrutura cheia de camadas e dobras distintiva do telencéfalo, no modelo presumimos que a sua probabilidade de consciência é de 75%.

Uma parte crucial deste post é quantificar sentimentos vagos acerca da consciência animal. Isso é semelhante ao que Scott fez com uma amostra de respondentes do Tumblr aqui e o leitor do SSC Tibbar fez com uma amostra do Mturk aqui. Os seus resultados são expressos em termos de “valor” de um animal relativo a um humano em termos de porcentagem.

No entanto, é importante fazer a distinção entre “valor da experiência” e “valor do sofrimento” pois, embora possamos preferir ser um humano a um frango num dia bom, sentir dor poderia ser igualmente desagradável em qualquer corpo. Abaixo estão os nossos melhores palpites para uma estimativa “universal” (isto é, até um comedor de carne deveria concordar que elas são plausíveis) — pessoas que dão bastante importância à experiência animal, como muitos vegetarianos, provavelmente classificariam experiências animais mais alto:

O que queremos dizer com o supracitado é que, por exemplo, se a unidade de sofrimento fosse “ser fervido vivo” com base no nosso entendimento de quão vívidos seus dados sensoriais seriam presumindo a consciência, ficaríamos grosso modo indiferentes entre sermos fervidos uma vez enquanto qualquer humano, chimpanzé ou elefante, 10 vezes enquanto um frango, ou 1000 vezes enquanto uma lagosta. No entanto, ficaríamos indiferentes entre vivermos (presumindo nenhuma escassez ou predadores) por um ano enquanto um humano, 2 enquanto um chimpanzé, 4 enquanto um porco, ou 100 enquanto um frango.

No modelo, o impacto moral de um animal industrializado é a sua probabilidade de ter consciência vezes o peso moral do seu sofrimento se a sua vida for, com base na informação das próximas seções, “pior do que a inexistência”, ou, se não, o peso moral da sua existência.

2. Quantos animais são criados e em que condições?

2.1. Animais consumidos per capita

A OCDE registra o peso exato de carne consumida por ano, e assim dividindo isso pelo peso da carcaça, temos o consumo de animais per capita por ano . Isto é consistente com outras estimativas na web.

As condições em que a maioria dos animais são criados podem surpreender você. Como umas poucas grandes fazendas industriais dão conta da maioria dos animais criados, a fazenda típica pode muito bem ser uma pequena produção da Dona Maria & Seu Zé, mas o típico animal para consumo é produzido numa escala industrial. Além disso, leis “ag gag limitam a chegada de fatos sobre as condições dos animais à consciência pública e pode-se dizer que são feitas explicitamente para permitir que as companhias ludibriem os consumidores acerca das condições em que a maioria dos animais são criados.

Organizações de direitos dos animais geralmente citam um estudo do Sentience Institute de que mais de 99% dos animais consumidos nos EUA são de pecuária industrial. Embora seja uma fonte enviesada, ela é consistente com outras estimativas do governo e temos resultados semelhantes quando replicamos a sua metodologia com números do Departamento de Agricultura dos EUA. O que realmente leva a essas estatísticas é que, como visto acima, frangos formam a vasta maioria do contingente de animais na pecuária industrial e são quase exclusivamente criados dessa forma.

Comparar entre países é difícil, mas parece que os EUA são levemente mais industrializados do que a UE. Minha melhor estimativa é que a diferença não é significante o bastante para fazer uma diferença moral. Se você come carne e não consegue explicitamente traçar a fonte, a maior probabilidade é que você esteja comendo carne vinda da pecuária industrial.

2.2. Como é ser produzido industrialmente?

O traço definitivo da pecuária industrial é que incentivos do mercado levam a uma situação de maximizador de clipes de papel, em que produzir tantos animais quanto possível tem precedência sobre preocupações acerca do bem-estar animal. Consequentemente, a “experiência” de ser criado industrialmente é melhor entendida como uma forma particular de escravidão em que a crueldade é um efeito colateral de um sistema projetado para maximizar o output econômico.

2.2.1. Frangos

Frangos podem ser criados de duas maneiras: em gaiolas ou num galpão. Frangos criados em gaiolas são típicos em economias em desenvolvimento como a China, mas no Ocidente gaiolas são usadas apenas para galinhas poedeiras. Em vez disso, frangos de corte no Ocidente são criados em grandes galpões cobertos de dejetos.

Falando de modo geral, frangos enjaulados não possuem nenhum análogo humano em termos do quanto eles sofrem. Vivem num estado de dor e ansiedade constantes, mal conseguem se movimentar. A única misericórdia é que não sofrem por muito tempo. Nesta análise focamos no consumo de carne no contexto Ocidental. Assim, modelamos 100% dos frangos como sendo frangos de corte industrializados.

Um frango de corte de pecuária industrial vive por aproximadamente 47 dias, e durante esse tempo cresce até um peso de 2,6 kg (42 dias e 2,5 kg na UE). Isso é análogo a um bebê humano recém-nascido atingir o peso adulto pela altura do primeiro aniversário. Para atingir esse rápido ganho de peso, uma combinação de alimentação forçada, drogas e comida de alta energia é utilizada. Mas o pior responsável por esse resultado é a procriação seletiva. Num estudo de Kestin, entre 2% e 30% dos frangos de corte, dependendo da raça, tiveram uma pontuação de andadura entre 3 e 5 numa escala de 5 pontos (1: nenhum problema, 3: óbvio defeito no andar, 5: absolutamente incapaz de se movimentar). Mas 100% de um grupo de controle procriado aleatoriamente e daí criado nas mesmas condições tiveram ou problema nenhum ou poucos problemas de mobilidade. A seleção para o crescimento rápido em vez de para a aptidão no meio selvagem leva a altas taxas de ataques cardíacos e outras falências de órgãos. Nas semanas finais de vida, os frangos frequentemente deixam para trás a capacidade das suas pernas de apoiá-los, tornando-se endêmicas pernas quebradas ou defeituosas em outros sentidos na indústria.

Fotos desses sistemas de criação (imagens fortes): Link 1-gaiolas , Link 2-galpão

Porque é mais barato apenas retirar os dejetos entre a troca de lotes, eles são uma grande fonte de infecções bacterianas e especialmente dermatite de contato (brotoejas e lesões nas patas e na parte inferior do corpo dos frangos). É prática comum na UE (não nos EUA) remover uma porção do lote uma semana antes da hora do abate para criar espaço suficiente para as aves remanescentes atingirem o seu peso de abate usual, sugerindo que não há muito espaço livre para eles. Aves cujas pernas falham frequentemente se desidratam até a morte. Não queremos exagerar isso — uma ave morto é uma ave improdutivo, e apenas cerca de 33% do lote morrem durante o crescimento por qualquer razão — , mas lembre-se que isso é uma chance de 3,3% de morrer em apenas seis ou sete semanas.

A debicagem é comum em frangos de corte (universal em galinhas poedeiras). Uma razão para a debicagem é reduzir o canibalismo que ocorre porque as aves ficam tão estressadas — galinhas de estimação bicam umas às outras para estabelecer uma hierarquia de dominância, mas não matam umas às outras. Bicos são ferramentas sensoriais e manipulatórias para frangos, de modo que isso é análogo a cortar fora os dedos de prisioneiros sem anestesia para diminuir a probabilidade de fuga.

Fotos de debicagem, (imagens fortes): Link 1

Frangos de galpão passam um bocadinho melhor. Têm uma pequena quantidade de mobilidade, podem fazer algumas atividades naturais como socializarem e cavarem na terra com as patas (mas não geralmente com o bico) e têm um pouco de luz natural das janelas do armazém. Por outro lado, frangos só canibalizam uns aos outros quando muito estressados e a pressão nos seus sistemas vinda do enorme crescimento pelo qual são forçados a passar causa uma dor considerável.

Pensamos que é razoável dizer que frangos de corte existem num estado pior do que a morte — no modelo, presumimos que dias de frango são equivalentes a -2 dias de humano (você preferiria que sua vida fosse 2 dias mais curta a ter de vivenciar um dia de vida de frango), mas as suas intuições podem diferir substancialmente.

2.2.2. Porcos

Porcos são os próximos animais para consumo mais comumente produzidos. Há duas principais fontes de crueldade na produção de porcos: o desenvolvimento dos próprios porcos para consumo e a criação de novos porcos para consumo a partir de porcos reprodutores.

Porcas reprodutoras são confinadas em uma cela “de gestação” durante a maior parte das suas vidas. Essas celas são apenas levemente maiores do que os seus corpos, tornando impossível virarem-se ou sequer deitarem-se. Geralmente, os pisos são feitos de degraus de ripa ou ferro para permitir a queda do esterco. Essas ripas podem machucar as patas sensíveis dos porcos, e o fato de que são confinados diretamente acima do seu próprio esterco significa que são expostos à toxicidade da amônia, que leva a condições respiratórias comuns em porcas confinadas (e presumivelmente cheira penosamente mal). Porcos são altamente inteligentes, e o confinamento sem estímulos significa que os porcos se envolvem em comportamentos de estresse repetitivos como morder as barras de metal da sua gaiola — isso pode causar danos a mais como feridas bucais.

Pouco antes do parto, a porca prenha é levada a uma “cela parideira” — ainda mais restritiva do que a cela de gestação. Ela é feita para separar a mãe do leitão para que ele possa ser amamentado sem ser esmagado (leitões serem esmagados pode acontecer no meio selvagem, mas é raro — isso é um problema quase inteiramente causado pelas condições de confinamento em que a porca é mantida). A cela é tão apertada que a mãe não pode sequer enxergar o seu bebê uma vez parido, e o bebê é então levado embora após cerca de 17–20 dias. O leitão é então preparado para ser engordado para o abate, e a mãe ou é emprenhada novamente, ou é levada de volta para a cela de gestação, ou é ela própria abatida se não tiver chance de sobreviver a outra gravidez.

Fotos de celas de gestação e celas parideiras (surpreendentemente não são imagens fortes): Link

Leitões no preparo para o abate são castrados e suas caudas são cortadas, frequentemente sem anestesia. Diferentemente de bicos de frangos, caudas de porco realmente não parecem servir nenhum propósito, mas porcos mostram comportamento de dor para com seus cotocos, sugerindo que ficam bem sensíveis após o corte. As caudas são cortadas para prevenir que outros porcos mordam, causando infecção — novamente, um comportamento que é infimamente raro no meio selvagem e, portanto, parece ser uma resposta de estresse às condições em que são mantidos. Pode ser também que os dentes dos leitões sejam cortados para prevenir que mordam, mas não conseguimos achar números sobre quão comum isso é. Porcos preparados para o abate são mantidos em “celas de terminação” que parecem variar de qualquer ponto entre uma cela de gestação levemente maior (maior apenas no sentido de maior tamanho — porcos na terminação são muito maiores, de modo que não têm maior espaço para se virarem ou expressarem comportamentos naturais) e algo um tantinho mais semelhante a um chiqueiro de fazenda, só que interno — seis ou sete porcos confinados a um pequeno chiqueiro onde têm apenas o espaço suficiente para andarem se quiserem.

Fotos de celas de terminação (as imagens não são fortes): Link

Porcos são animais altamente inteligentes e quando não confinados em estábulos passam horas brincando e grunhindo na lama. Os porcos consumidos como alimento estão em constante dor de nível baixo e porcas usadas para procriação estão em estado de dor bem intensa constantemente. É difícil imaginar um evento mais angustiante que levarem o seu filhote para longe de você ou ser levado para longe da sua mãe, e poderíamos imaginar que a constante falta de estímulo para porcos tanto de consumo como de reprodução cause considerável tédio e tristeza.

É uma tarefa mais difícil saber se porcos existem em condições piores que a morte. Minha intuição é que porcos para consumo estão bem na margem, e porcos reprodutores fortemente prefeririam não viver. No modelo presumimos que um dia de porco vale -1 dia humano.

2.2.3. Vacas

Vacas são o único animal rotineiramente criado em condições que se aproximam da maneira que as pessoas na sua cabeça imaginam que seja a pecuária — isto é, num campo onde têm espaço o suficiente para se movimentarem e socializarem. Vacas de pecuária industrial passam seis a doze meses sendo criadas ao ar livre em campos (o tipo de vacas que a gente vê dispersas na zona rural), e são daí transportadas para “currais de engorda” para os seus últimos meses, onde são alimentadas com uma dieta artificial de milho e soja que faz bastante mal para os seus corpos e pode causar doenças como úlceras. Perceba que quase toda carne de vaca pode ser rotulada de “alimentada com capim”, porque a maioria das vacas passa o seu primeiro ano em campos comendo capim: isso não quer dizer que é daí que vem a maior parte do seu peso de abate! De modo muito semelhante a porcos, vacas têm hierarquias sociais complexas e ser colocada num curral com milhares de outras vacas é deprimente.

Imagens de curral de engorda (as imagens não são fortes): Link

Gado de corte pode passar por eventos individuais dolorosos como castração, marcação e descorna (frequentemente sem anestesia) e transporte em celas apertadas por longos períodos de tempo. Não é claro como incorporar o impacto desses eventos na qualidade geral da vida do animal. Sugeriríamos que animais criados num campo têm a mesma qualidade de vida que um animal criado tradicionalmente numa fazenda e que animais criados num curral de engorda têm uma qualidade de vida moderadamente pior do que a de um típico humano idoso. Indiscutivelmente, vacas parecem estar na melhor condição entre todos os animais na pecuária industrial e têm vidas que claramente vale a pena viver.

Achamos que ficaríamos bastante contentes em viver enquanto uma vaca no campo, mas vacas em currais de engorda parecem ter vidas próximas às de porcos para consumo. Arredondando isso de modo aproximado pelo tempo de vida de uma vaca, modelamos 1 dia de humano como igual a 10 dias de vaca. Não podemos achar boa informação sobre como ovelhas são criadas em escala industrial, de modo que presumimos que são apenas vacas cobertas de lã em prol de estimar a sua qualidade de vida.

2.2.4. O valor da vida animal

Quantificar e comparar experiências subjetivas de animais de pecuária industrial é difícil porque não há nenhuma “unidade natural” de sofrimento ou experiência. Procedemos, em vez disso, perguntando “em que fator estamos dispostos a trocar dias da minha vida para viver enquanto um animal particular em condições de pecuária industrial” conforme descritas acima. Vidas de vacas de pecuária industrial parecem imensamente preferíveis à inexistência, porcos passam a maior parte do seu tempo vivenciando alguma forma de sofrimento crônico ou agudo, e frangos têm vidas genuinamente horrendas do nascimento até o abate.

O próprio abate pode ser uma parte moralmente relevante na valoração da vida de um animal. Em princípio, animais são atordoados antes do abate de modo que o processo seja indolor (e evidências sugerem que animais não são sofrem ao assistir a outros animais serem atordoados). No entanto, na prática, os animais com frequência não ficam insensíveis à dor quando são esfolados ou cortados, seja por conta de mau treinamento (link para o Washington Post com paywall), crenças religiosas em torno da maneira como a carne deve ser preparada (linkmais números) ou simplesmente por conta de uma cultura de permissividade e crueldade (link de conteúdo INTENSAMENTE forte de animais sendo maltratados por trabalhadores de abatedouros, relatório um tanto forte em PDF da investigação). Leis “Ag gag” e outros esforços de fazendeiros para evitar imprensa negativa impedem investigações acadêmicas sérias da extensão do problema, mas a investigação em câmera escondida do AnimalAid, (link no PDF acima), descobriu evidências de tratamento criminosamente cruel em um de três abatedouros observados e evidências de maus tratos em outros.

Além disso, algumas pessoas creem numa obrigação ética específica de não matar criaturas conscientes que não querem estar mortas, de modo que o abate até de animais atordoados humanamente é imoral. Em vez disso, tomamos uma perspectiva consequencialista de que há um valor simétrico na efetivação da existência de criaturas conscientes que querem estar vivas (novamente, a alternativa prática de um animal de pecuária industrial é a inexistência).

No modelo, presumimos que, na consciência de nível humano, a experiência de um típico dia de vida humana vale a experiência em pecuária industrial de 10 dias de vaca, -1 dia de porco, -0,5 dia de frango. Valorizamos um ano de saúde perfeita em US$ 50.000 em linha com o típico estabelecimento de prioridades de cuidado médico típico nos EUA (é muito menor no Reino Unido e na Europa — mais perto de £ 30.000), em que um ano de vida ocidental típico é cerca de 86% disso (US$ 43.000). O abate não está incluído, como o mais cruel abate imaginável seria QALY-negligenciável se arredondado por todo o tempo de vida de um animal.

3. Quais vidas vale a pena viver?

Falando livremente, a evolução não liga para o quanto a sua vida é feliz contanto que você a) exista e b) passe seus genes adiante, e assim bolou inúmeros “remendos” para o sistema de recompensa consciente assegurar que os animais nunca fiquem satisfeitos demais para pararem de competir para procriar, porém jamais fiquem tão dessatisfeitos a ponto de preferirem a morte. Antes, o que temos é grosso modo uma configuração basal de felicidade da qual desviamos quando coisas boas e ruins nos acontecem, mas à qual quase sempre retornamos. Se isso também é verdade com respeito aos animais, então não importa que percebamos como intoleráveis as suas vidas conforme descritas acima; se realmente fôssemos forçados a viver como eles, nos observaríamos na esperança de não morrermos de modo indolor ao dormirmos. Como não podemos perguntar aos animais diretamente se eles consideram que as suas vidas vale a pena viver, olhamos então nas condições em que as pessoas reportam mudanças em felicidade ou cometem suicídio, e as comparamos à vivência dos animais de pecuária industrial.

3.1. Habituação e setpoints de felicidade

Habituação é uma “diminuição de resposta a um estímulo após apresentações repetidas”. Sendo a forma mais simples de aprendizagem, ela é causada por processadores neurais que regulam a responsividade a diferentes estímulos. Quando um sinal nos é enviado repetidamente, especialmente se for altamente frequente e não tiver sido modificado recentemente em intensidade e duração, nós o vivenciamos conscientemente de modo menos agudo. Isso faz sentido. Se a consciência se trata de reflexão consciente, após termos já processado um sinal e determinado uma resposta, se alguma houver, a resposta se torna subconscientemente automática.

No entanto, não nos habituamos somente a sensações físicas locais, como o tiquetaque do relógio ou a pressão de uma blusa sobre pele da gente. Habituamo-nos à dor e ao sofrimento também, até a choques fortes ao sistema. Na literatura isso é conhecido como o paradoxo da deficiência, pelo qual a maioria das pessoas com deficiências severas reportam ter uma boa ou decente qualidade de vida, mesmo quando a observadores externos parece uma vida que não vale a pena viver (embora essa história seja nuançada, e parte da melhora se relacione à capacidade de humanos inteligentes de se adaptarem pela mudança do estilo de vida).

Não obstante, o consenso na pesquisa da felicidade é que as pessoas têm um nível geral de felicidade basal bastante estável a que retornam após certas grandes modificações. Num famoso estudo de Brickman (1978), paraplégicos e ganhadores da loteria reportaram níveis semelhantes de felicidade antes e depois do que a gente poderia presumir que fosse um acontecimento de mudar a vida, seja extremamente negativo, seja extremamente positivo. Em um estudo por Lykken e Tellegen com vários milhares de gêmeos descobriu-se que cerca de 50% da variação na escala de Bem-Estar do Questionário de Personalidade Multidimensional estão associados à variação genética, e menos de 3% (!) da variância pode ser explicada por qualquer status socioeconômico, realização educacional, renda familiar, estado civil ou comprometimento religioso.

3.2. Lições do suicídio

Às vezes, humanos decidem que as suas vidas são intoleráveis e cometem suicídio. O interessante é que basicamente nunca observamos isso em outros animais. As únicas alegações anedóticastalvez críveis, são sobre golfinhos, que são altamente inteligentes e podem cometer suicídio ao não respirarem (respirar para golfinhos provavelmente é uma escolha ativa, em vez de um processo automático conforme regulado em humanos pela amígdala.)

Isso não quer dizer que podemos concluir que animais industrializados preferem viver, porque os animais podem carecer de uma teoria da mente ou de inteligência para agir com base na sua preferência de deixar de existir. No entanto, se humanos em condições extremamente ruins majoritariamente não escolhem o suicídio, podemos inferir que as vidas de animais de qualidade grosso modo semelhante talvez também valham a pena viver. Duas áreas bem estudadas em que humanos são colocados em condições extremamente ruins são a escravidão e a doença terminal.

3.2.1. Escravidão

consenso histórico é que, embora a escravidão tenha causado estresses e sofrimento extremos, a taxa de suicídio de escravos negros era bem baixa. Segundo o senso dos EUA em 1850, os escravos tinham uma taxa de suicídio de 0,72 por 100.000, enquanto os brancos tinham uma taxa de 2,37 e escravos libertos, uma taxa de 1,15. Do Narrativas de Escravos do Projeto Federal dos Escritores, que documentava incidências de resistência, apenas 1,2% foram atos de suicídio. Além disso, quando escravos recorriam ao suicídio, era geralmente em resposta à deterioração das suas circunstâncias ou a expectativas não satisfeitas, em vez de ser explicado por viverem nas mais brutais condições — isso é consistente com uma teoria do “setpoint de felicidade”.

Para esclarecer, não estamos dizendo que, porque africanos escravizados cometiam suicídio em taxas mais baixas que brancos, a escravidão não era “tão ruim assim”. Há uma literatura acadêmica substancial explicando as razões culturais para a diferença. A observação é simplesmente que o principal fator para explicar se um escravo pensava valer a pena viver não era quão ruim a sua vida objetivamente era.

3.2.2. Pacientes terminais

Numa revisão do perfil psicológico de pacientes em cuidado paliativo de 18.000 pacientes de câncer terminal, dos quais um pequeno número cometeu suicídio, descobriu-se que alguns dos que cometeram suicídio:

(…) apresentavam debilitações funcionais e físicas, dor descontrolada, ciência de estar em estágio terminal e uma depressão de leve a moderada (…) no entanto, a perda de, e o medo de perder, sua autonomia e independência, e ser um fardo sobre os outros, foram os fatores mais relevantes.

A presença de considerável dor e até depressão (o que também poderíamos chamar de “sofrimento objetivo”) não foram fatores significativos na predição do suicídio: a melhor preferência revelada que temos para saber se a vida é considerada como valendo ser vivida pelo ator moralmente relevante vivenciando-a.

3.3. O que isso significa?

A preferência por viver é um processo que fortemente reverte à média. Tanto a literatura científica quanto exemplos históricos da escravidão e da doença terminal sugerem que humanos se habituarão a quase qualquer coisa que lhes fizerem. No nosso ambiente ancestral a vida era realmente, realmente dura. Brutalmente dura. E faz sentido que até em ambientes que gente moderna instantaneamente rotularia de “muito pior que a inexistência”, a evolução tenha-se certificado de que continuássemos a ter a força de vontade de não só sobreviver, mas de querer sobreviver.

Até onde vai isso? Quer dizer que animais, não importa quanto sofrimento eles vivenciem, preferem viver? Pessoas razoáveis podem discordar. Conforme detalhado acima, animais de pecuária industrial — especialmente frangos — não existem em nada que se assemelhe remotamente a um “ambiente ancestral”. Estressores crônicos são mais dados a causar mudanças permanentes na felicidade do que mudanças agudas. Até mesmo o “nível de habituação” impressionante que observamos em humanos (explicado acima) pode não ser o bastante para alcançar a marca do que “vale a pena viver” em situações observadas no ambiente da pecuária industrial. Isso é o que parecemos observar nos casos de frangos que cometem canibalismo mesmo sem escassez de alimento.

No modelo, levamos a sério a literatura da habituação, estimando por quanto os desvios do setpoint de longo prazo da qualidade de vida média (0,86) são neutralizados pela habituação. Com base nas seções anteriores e em quão piores as condições da pecuária industrial são em comparação com o “ambiente ancestral” em que a habituação seria calibrada, estimamos que os humanos se habituam por 80%, vacas por 70%, porcos por 60% e frangos por 50%. Embora tenhamos presumido que preferiríamos a inexistência a ser um porco industrializado, e que nos desagradaria ser um frango duas vezes mais, quando a habituação é levada em conta vidas de porco são levemente melhores do que a inexistência, e as vidas de frango são muito ruins, porém têm um peso moral (negativo) não muito maior do que o peso positivo das vacas. No entanto, como consumimos tanto frango, no fim das contas eles dominam a análise.

4. Considerações Sobre A Saúde

4.1. Nutrição

Fontes de proteína animal como carne, peixe, ovos e laticínios contêm um bom balanceamento dos 20 aminoácidos de que precisamos para quase todos os processos metabólicos do corpo, enquanto que plantas particulares são geralmente deficientes em termos de mistura e concentração. O mesmo se aplica a micronutrientes: fontes de proteína animal são muito mais altas em vitamina B12, vitamina D, o ácido graxo ômega 3 DHA, ferro heme e zinco.

Produtos animais oferecem a maior parte do zinco nas dietas americanas, e carne bovina, carne de aves e peixe oferecem ferro na altamente biodisponível forma heme. O painel que estabeleceu a nova Referência de Ingestão Diária recomenda uma ingestão diária de ferro 80% mais alta para vegetarianos.

Já foi também expressa preocupação com a dificuldade que as crianças têm em obter a energia e ingestão de nutrientes adequadas a partir dietas pesadas de plantas. Bebês holandeses consumindo dietas veganas tiveram um status nutricional pior e foram mais dados a ter raquitismo e deficiências em vitamina b-12 e ferro, e a Organização Mundial de Saúde fortemente recomenda produtos animais para crianças a fim de assegurar o cálcio, ferro e zinco suficientes.

Se uma dieta baseada em plantas é ou não viável de uma perspectiva nutricional depende, em grande parte, de se você tem os meios econômicos de consumir uma ampla variedade de fontes de alimentos, e pode ser mais arriscada para crianças pequenas ou para pessoas cuja ancestralidade provém de regiões onde o consumo de carne era prevalecente.

4.2. Efeitos de longo prazo à saúde

Estimar os efeitos de longo prazo que comer certas coisas tem à saúde é difícil porque a comida está altamente ligada à cultura em que vivemos, e a cultura se correlaciona com quase todo efeito à saúde que a gente poderia imaginar. Menos conveniente ainda, a ciência da nutrição é altamente anti-indutiva; se um grupo de alimentos é identificado como saudável, as pessoas com um interesse em ser saudáveis irão em bando para aquele grupo de alimentos, e pessoas com um interesse em ser saudáveis são dadas a ser saudáveis por um monte de razões, independentemente de dieta.

Eis então um belo resultado de manchete: vegetarianos têm menos doenças cardíacas e, provavelmente, menos doenças cardiovasculares e câncer também. A maioria dos estudos em meta-análises leva em conta as coisas bem óbvias (raça, renda, etc.), mas nem todo estudo leva em conta todo tipo de confundidor, e deveríamos ser cautelosos ao confiar em estudos que “levam em conta os confundidores”. Se você ignorar os confundidores, então a resposta é clara: uma dieta vegetariana faz bem à saúde, qualquer que seja a régua que usemos para medir (incluindo, possivelmente, a circulação de testosterona, desafiando estereótipos sobre comedores de carne!).

Caso se interesse pelos confundidores: há um punhado de experimentos naturais legais, apanhando grupos que têm razões para comer certo tipo de comida, mas que não se dão ao trabalho de ter o estilo de vida saudável associado, que são o mais próximo que podemos chegar de um verdadeiro experimento nesta área. Em particular, os Estudos de Saúde dos Adventistas Americanos são basicamente o estado da arte no campo, pelo que sabemos. Adventistas têm hábitos alimentares bem singulares, por conta de proibições religiosas sobre certos alimentos, que algumas igrejas adventistas seguem e outras não. Em consequência, se você é adventista, está funcionalmente “randomizado” em diferentes condições de consumo de alimento dependendo da sua igreja, e essa randomização pode ser explorada pelos pesquisadores.

Com base no Estudo de Saúde dos Adventistas, uma dieta vegetariana aumenta a expectativa de vida em cerca de 3,6 anos. Quanto menos carne você come, mais saudável é o seu IMC e menos é provável que você tenha diabetes.

No geral, poderíamos esperar que lacto-ovo-vegetarianos tenham uma qualidade de vida em termos de saúde em torno de 10% melhor do que um comedor de carne, sendo a maioria dos benefícios aparentes 20 anos após fazer-se a mudança para uma dieta vegetariana.

Você poderia complicar esse quadro bastante (especialmente introduzindo o desconto do futuro), mas achamos que está bem demonstrado pelos dados o princípio geral de que, se você dá valor aos anos finais da sua vida, provavelmente deveria virar vegetariano:

Uma última coisa sobre como a carne pode afetar a sua longevidade: há uma consciência crescente do fato de que carne produzida industrialmente é um terreno fértil para doenças zoonóticas, e que essas doenças podem sofrer mutações e infectar humanos muito rapidamente. Pandemias anteriores como a do H1N1 (“gripe suína”) e H5N1 (“gripe aviária”) podem ter-se originado com animais de pecuária e foram alastradas rapidamente pelo contato próximo de animais mal de saúde e por conta da natureza global da cadeia de suprimento de carne. Em termos de contribuição adicional, comer carne provavelmente aumenta a probabilidade de uma pandemia global, mas não há boas evidências sobre como o seu consumo individual afeta as coisas adicionalmente falando.

No modelo, consideramos confiável o resultado do estudo adventista, estimando que uma dieta vegetariana aumentará sua longevidade em 3 anos e incluímos custos baixos constantes devidos a uma possível deficiência nutricional e benefícios moderados à saúde que aparecem mais tarde na vida.

5. Impacto ambiental

O impacto ambiental do consumo de carne é difícil de medir e agregar, pois os números são sensíveis ao tipo de criação de animais utilizado e à localização, e qualquer tentativa séria de medição requer uma enorme agregação de diferentes fontes de dados. A melhor que pudemos encontrar foi a do departamento de zoologia de Oxford, que combinou dados de 570 estudos, os quais tinham o ano mediano de referência de 2010 e cobriam 40.000 fazendas e 1.600 processadores agrícolas, tipos de embalagem e varejistas, em 119 países, de 40 produtos representantes de aproximadamente 90% do uso global de proteína e calorias. O estudo se concentrava em cinco indicadores de impacto ambiental: o uso do solo, a retirada de água doce pesada por meio da escassez local, gases do efeito estufa, emissões de substâncias acidificantes e emissões de substâncias eutrofizantes.

No geral, a cadeia de suprimentos alimentícios atual cria aproximadamente 13,8 bilhões de toneladas métricas de CO2 equivalentes, que é cerca de 26% das emissões causadas por humanos. Também causa 32% da acidificação global do solo e 78% da eutrofização. Também consome bastantes recursos, pois cobre cerca de 40% da terra livre de deserto e gelo, e provoca mais ou menos 90% do uso de água pesado por meio da escassez, porque a irrigação devolve menos água aos rios e águas subterrâneas do que usos industriais e municipais, sendo predominante em áreas e épocas do ano com escassez de água.

Por conta de diferentes tecnologias e outras variáveis ambientais, o impacto ambiental de qualquer produto alimentício pode variar amplamente. Por exemplo, o 90º percentil das emissões de gases do efeito estufa provenientes de bovinos é 105 kg de CO2 equivalentes por 100 g de proteína, e o uso da terra (área multiplicada pelos anos ocupados) é de 370m2 por ano. Esses valores são de 12 e 50 vezes maiores do que os impactos de laticínios bovinos no seu 10º percentil.

No entanto, como você pode ver abaixo, o impacto ambiental da carne sobrepuja o de qualquer outro recurso nutricional:

No total, carne, aquacultura, ovos e laticínios fazem uso de ~83% da terra agrícola do mundo e contribuem com 56–58% das diferentes emissões provenientes de alimentos, embora forneçam 37% da nossa proteína e 18% das nossas calorias.

Por conta de efeitos de substituição e exigências nutricionais, não é claro quanto desses recursos seria liberado se parássemos de comer carne. Num modelo simples em que presumimos que “proteína é proteína e calorias são calorias” e em que a terra então disponível apenas removeria carbono através da vegetação natural e do carbono acumulado no solo, “trocar as dietas atuais por uma dieta que exclui produtos animais resultaria na redução do uso do solo para produção de alimentos por 3,1 (2,8–3,3) bilhões de hectares (uma redução de 76%), incluindo uma redução de 19% na terra arável; de emissões de gases do efeito estufa provenientes de alimentos por 6,6 (5,5–7,4) bilhões de toneladas métricas de CO2 equivalentes (uma redução de 49%); da acidificação por 50% (45–54%); da eutroficação por 49% (37–56%); e de retiradas de água doce pesadas por meio da escassez por 19% (5- 32%), tendo por referência o ano de 2010.”

É difícil traduzir esses trade-offs em “um número” que capturasse o impacto ambiental do consumo de carne. É mais provável que a terra que atualmente suporta a pecuária seja menos suscetível à agricultura e a habitações urbanas, e é difícil de medir os custos das mudanças climáticas, do valor da diversidade de espécies e da futura escassez de água doce. Um modo (muito aproximado) de fazê-lo é presumir que a raça humana está poluindo o planeta tanto quanto sustentavelmente pode (com as tecnologias atuais, é bastante pior, mas somos otimistas sobre a ciência), e que o impacto de longo prazo de uma redução na poluição seria uma mudança no equilíbrio populacional humano proporcionalmente inversa.

Escassez de água, eutroficação e acidificação são preocupações ambientais sérias, mas podem ser administradas. Solo e emissões de gases do efeito estufa parecem ser as limitações mais importantes. Combinando as estatísticas do impacto de recursos total absoluto da cadeia de suprimentos alimentícios com o relativo impacto de parar de comer carne, o resultado é que se o planeta virasse vegetariano reduziríamos as emissões por 12,5% e liberaríamos 30% das terras hoje livres de deserto e gelo no mundo (das quais a maioria não poderia ser bem utilizada de imediato). Achamos razoável que a redução total na “poluição humana e uso de recursos” seria de cerca de 10%. Como recursos brutos e acesso a um ambiente limpo não são os únicos fatores limitantes sobre o tamanho populacional, esse resultado deveria ser ajustado para um valor inferior por um fator razoável.

No modelo, presumimos que sem o cultivo de carne haveria cerca de 12% mais de capacidade para população ou qualidade de vida, dos quais (só um palpite sem fundamento) 30% se realizariam como mais vidas e 70% se realizariam como vidas melhores (e contariam com um peso de 1/5, devido à habituação).

6. O Custo da Troca de Dieta

Uma boa razão para não mudar para uma dieta vegetariana seria se fazê-lo fosse proibitivo, ou por conta do custo financeiro, ou por conta da satisfação de comer.

6.1. Custo por refeição

Num sentido trivial, o vegetarianismo claramente é mais barato. Leva mais tempo e energia para cultivar plantas com que alimentamos animais e então comer os animais do que leva para simplesmente comer as próprias plantas. Isso é corroborado pelas pesquisas sobre o custo por caloria de vários produtos alimentícios. É claro que humanos não comem exatamente a mesma comida que animais comem, e vegetarianos por alguma razão não estão dispostos a viver apenas de beber 2.000 calorias de óleo de canola todo santo dia.

O custo de vários tipos de dieta parece ser pouco estudado (ou talvez deixado de lado pela literatura sobre tentar fazer as pessoas pararem de comer porcaria). Mas uma fonte acadêmica que encontrei parece ter qualidade bastante alta. Aqui está o artigo e aqui está uma boa postagem relacionada de um blog.

Comedores de carne de todos os níveis de renda gastam cerca de US$ 20 por semana a mais que vegetarianos genuínos (~US$ 1.000 /ano). Levar em conta todos os controles (incluindo política e peso corporal, que podem ser afetados pelo vegetarianismo) reduz esse número a uma economia de US$ 11 /semana, que é o que usamos no modelo.

6.2. O custo psicológico

No entanto, um custo da mudança que pode não ser trivial é a importância psicológica de ter carne na sua dieta.

A maioria dos vegetarianos gosta de comida vegetariana tanto quanto gosta de carne (incerto se isso não passa de viés da sobrevivência), mas a experiência anedótica de todo o mundo que conheço que virou vegetariano diz que realmente há um período horrível de ajuste de pelo menos uns dois anos em que você quer comer carne e não pode.

Um medida razoável da dor psicológica é ver quanto as pessoas se disporiam a pagar para evitá-la, o que convenientemente foi estudado:

Obs.: os valores representam dólares/semana

Essa tabela é o output de uma regressão estatística que perguntava a consumidores americanos quanto eles pagariam para evitar uma diminuição de 1 por cento em cada categoria de alimento. Um dólar de 1993 é aproximadamente metade de um dólar de 2019 (1,78), de modo que os consumidores estão dizendo que pagariam 15 dólares por ano para evitar uma redução de 1 por cento no seu consumo de carne. É altamente improvável que as pessoas aceitariam cem vezes este valor (US$ 1500 dólares por ano) para abrir mão da carne completamente — é fácil abrir mão dos primeiros pequenos pontos percentuais de carne (simplesmente coma porções menores), mas fica mais difícil conforme você é forçado a fazer mudanças fundamentais na sua dieta.

Para aqueles inclinados a parar de comer carne, não pensaríamos demais esse parâmetro. Se a literatura sobre habituação lhe convenceu de que seria capaz de ser tão feliz numa cadeira de rodas quanto sendo um ganhador da loteria, então no longo prazo você não deve ligar de comer mais tofu.

No modelo, duplicamos a perda em preferência de carne de US$ 1500 /ano, implicada pelas preferências marginais, para US$ 3000 /ano a fim de dar conta dos custos sociais e da elasticidade de demanda, e presumimos que isso cai para 0 por 10%/ano conforme nos acostumamos com o novo estilo de vida.

7. Conclusão

No geral, a defesa da redução do consumo de carne é forte. O vegetarianismo é mais barato, melhor para a saúde (se você tem condições de ter uma dieta variada e não é um bebê) e causa menos impacto ao meio ambiente. Também tem um custo moral significativo em termos de sofrimento animal.

No início da colaboração, o vegetariano tinha certeza que as vidas dos animais de pecuária são tão horrendas que o status quo é um completo desastre moral; o comedor de carne estava aberto a essa conclusão, mas também conseguia imaginar ser persuadido a gastar toda a sua renda disponível comprando carne e jogando-a fora por esse ser o único jeito eficiente de causar a existência de criaturas sencientes que fortemente preferem existir. Se você representasse conclusões razoáveis sobre o consumo de carne numa escala de -10 a 10, poderia dizer que começamos com um confiante -5 e um altamente incerto 2, e terminamos concordando em um bem confiante -3.

Com base na pesquisa acima, produzimos um “caso base” para lhe auxiliar na tomada de decisão. Ele tende fortemente às crenças do comedor de carne na colaboração, como a questão envolve o que uma pessoa “típica” poderia pensar e comedores de carne são mais “típicos” do que vegetarianos. Mas, com certeza, encorajamos você a mexer na planilha por si próprio, já que algumas decisões são bem pessoais. Você pode baixá-la aqui.

Do modelo concluímos que o impacto total do consumo de carne por consumidor ocidental típico é grosso modo US$ -9.500 — isto é, a “sociedade de seres conscientes” estaria melhor em cerca de 9.500 dólares por ano se qualquer indivíduo humano comedor de carne mudasse para uma dieta de plantas. Colocando isso em outras unidades, se 5 pessoas virassem vegetarianas por um ano, seria tão bom quanto se a medicina estendesse a vida de uma pessoa por um ano.

Cada valor na tabela abaixo representa o impacto anual de uma decisão de comer carne versus consumir uma dieta exclusivamente vegetariana. Os números mais à direita tentam expressar tudo nas mesmas unidades (US$) com base numa disposição a pagar por um ano de perfeita vida humana de US$ 50.000 e um ano da SUA PRÓPRIA vida de US$ 100.000 (para refletir o fato de que as pessoas geralmente ligam mais para o seu próprio bem-estar, mas se você for um utilitarista perfeito sinta-se livre para configurar ambos em US$ 50 mil!). Com base no modelo, descobrimos que, embora vacas, ovelhas e (muito fracamente) porcos prefiram a pecuária à inexistência, o número de frangos consumidos e as condições em que são criados dominam as considerações éticas. Em termos de outros danos, os impactos na sua saúde e no ambiente são moderados, e o impacto financeiro de mudar para uma dieta vegetariana é pequeno, porém negativo — ou seja, o típico consumidor de carne preferirá no longo prazo comer carne a gastar as economias do vegetarianismo com outra coisa.

De modo geral, o impacto que uma pessoa típica causa ao comer carne é, provavelmente, substancialmente negativo. Deixar de apenas comer frango limita o impacto negativo sobre os próprios animais. Até há um bem moral que você causa ao criar animais que são felizes em termos adicionais (o que não é o caso dos frangos, mas é o caso dos demais animais). Contudo, mesmo para esses animais, quando considerado o dano causado à sua própria saúde e ao ambiente, faz sentido não comer nenhum animal.

7.1. Sensibilidade estatística

A planilha para auxílio de decisão permite a você especificar incerteza sobre qualquer uma das suas estimativas, o que fizemos em qualquer lugar em que ainda estamos incertos sobre o valor do parâmetro. Essa análise é mostrada no gráfico abaixo. Para qualquer distribuição plausível de parâmetros, comer carne é prejudicial a você pessoalmente, primeiramente por razões de saúde; e comer carne geralmente causa dano a outras criaturas conscientes por causa do impacto ao meio ambiente e o alto sofrimento dos frangos. No entanto, há incerteza significativa sobres esse valor; num pequeno número de casos, comer carne na realidade produz benefício à sociedade criando mais vidas que os animais prefeririam viver, em última análise.

Nuvem de danos da carne com base em valores que você acha incertos. Eixo X: Dano a outros seres conscientes por ano. Eixo Y: Dano a você pessoalmente por ano

Outro jeito de explorar a incerteza do modelo é a análise de cenário. Calculamos diversos cenários que cobrem prováveis áreas de desacordo.

Eixo X: Dano a outros seres conscientes por ano, equivalente a US$. Eixo Y: Dano a você pessoalmente por ano, equivalente a US$. Casos por ordem esquerda-direita: Ausência de pecuária industrial, Frangos não são conscientes, Caso base, Pior caso ambiental, Ausência de habituação, Ausência de especismo, Ausência de carne causa depressão (abaixo).

Na ordem de menos a mais prejudicial a outros seres conscientes, os cenários são:

  • A ausência de pecuária industrial por pouco dá resultados que favorecem o consumo de carne, como todo animal preferiria estar vivo a não estar. O efeito não é maior porque há ainda implicações ambientais e de saúde no consumo de carne.
  • Frangos não são conscientes: o caso base atribui uma chance de 75% de que frangos sejam conscientes, e essa é uma grande pressuposição à qual o modelo é altamente sensível. Presumir que frangos não são conscientes dá resultados que por pouco favorecem ser vegetariano, como a importância moral de criar vidas de vacas, porcos e ovelhas que vale a pena viver é contrabalanceada pelos outros danos do consumo de carne.
  • Caso base: conforme descrito no documento.
  • A ausência de carne causa depressão: neste cenário não comer carne lhe causa uma doença significativa porém não fatal — no modelo representamos isto como se você tivesse um caso leve de depressão (0,62 de utilidade). Esse cenário é muito interessante, porque prediz que comer carne seria bom PARA VOCÊ, mas prejudicaria os outros, e portanto se você deveria ou não comer carne depende de quanto você dá valor à sua própria felicidade versus a felicidade dos outros (lembre-se de que o modelo já valoriza os seus QALYs mais altamente do que os dos outros, com base no pressuposto de que você não é um maximizador de utilidade perfeito E que você é compensado pela infelicidade que a carne causa).
  • Pior caso ambiental: os recursos usados para criar carne estão no limite superior da gama plausível (10%) e todos esses recursos criarão novas pessoas. Quanto mais convincente você achar o argumento ambiental, mais provável é que você deva virar vegetariano.
  • • Ausência de habituação: neste cenário, absolutamente nenhuma criatura (incluindo humanos) se habitua, o que significa que são expostos a toda a “ruindade” das condições de criação. Quanto menos você se convence da literatura da habituação, mais provável é que você deva ser vegetariano; esse é um resultado bem forte.
  • Ausência de especismo: neste cenário o valor das experiências conscientes de animais tem tanto peso quanto a experiência consciente de um humano. Esse é o cenário que resulta no mais forte argumento contra o consumo de carne e poderia talvez ser a intuição que move o estado amargo das discussões entre comedores de carne e vegetarianos.
  • Não mostrada nesta análise está uma análise “Vegetariana Sem Freios”, em que o colaborador vegetariano pode introduzir as suas próprias pressuposições no modelo sem nenhuma inspeção do parceiro comedor de carne na colaboração. Isso é porque o que o vegetariano considera pressupostos altamente plausíveis (frangos são conscientes, um peso muito maior é colocado sobre a experiência/sofrimento animal e muito menos habituação ocorre) resulta em valores que caem na extremidade direita do gráfico — um valor de cerca de US$ 250.000 de danos aos outros por ano.

Nossa conclusão-chave é que, até nos cenários mais extremos que poderíamos pensar, ainda é muito provável que comer carne seja um dano líquido tanto a você como à sociedade em geral. Perceba também que até em cenários em que você não está prejudicando tanto a si mesmo quanto à sociedade, você com certeza está machucando bastante algum deles.

7.2. O impacto sobre o estilo de vida do colaborador

O colaborador comedor de carne ficou impressionado com o impacto ambiental da carne bovina e com o custo moral dos frangos da pecuária industrial. Por ora, ele reduziu significativamente o consumo de ambos, compensando em parte com salmão porque peixes têm um impacto ambiental menor e muito provavelmente não são conscientes.

O vegetariano ficou surpreso com como a defesa do vegetarianismo é marginal quando uma perspectiva “típica” é considerada. Parte disso é porque ele ainda é bastante cético sobre se os animais realmente se habituariam às condições em que os criamos, dado que a literatura da habituação realmente não cobre condições tão cruéis quanto a pecuária industrial. Outra parte poderia ser que esta colaboração não se concentrou em eventos traumáticos pontuais — especialmente o abate — que provavelmente não afetam muito a utilidade do tempo de vida, mas poderiam ser considerados tão autoevidentemente uma “maldade” que o modo como pensamos sobre o problema como um equilíbrio de bem vs dano seja incorreto. Dito isso, embora os danos reais do consumo de carne sejam menores que o esperado, a certeza de esses danos ocorrerem em qualquer plausível distribuição de crenças (o fato de que até uma pessoa “típica” provavelmente consideraria prejudicial comer carne, tudo considerado) provavelmente tornará o vegetariano mais militante sobre o seu vegetarianismo. Foi mal!

Dito isso, ambos os colaboradores concordam que não há como substituir a sua própria avaliação pessoal das evidências. Só podemos ter a esperança de que você tenha achado a nossa análise uma referência útil.

Tradução: Luan Rafael Marques

Revisão: Fernando Moreno

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