Extremismo

Descobrimos que as pessoas com crenças políticas radicais têm uma metacognição pior do que aquelas que com pontos de vista mais moderados. Muitas vezes, elas têm uma certeza errônea e resistem a mudar suas crenças diante da evidência.

Metacognição pode ser entendida como a capacidade de incorporar novas evidências depois de uma decisão, o que permite reverter escolhas incorretas.

Adaptado do artigo “Os extremistas têm problemas para perceber que estão errados”, publicado no El País

Temos publicado e compartilhado análises e criticas ao extremismo como fenômeno mais visível e potencialmente mais influente (especialmente quando unido a tribalismo identitário).

Nosso objetivo nem é tanto visando algo como um debate sobre a caracterização de nossos tempos — este tipo de debate, por mais que tenha seu mérito, não faz parte de nossa proposta — Mas muito mais porque a visibilidade e influência de posturas identitárias menos moderadas tem dificultado que decisões políticas sejam feitas tendo em vista evidências científicas. Possíveis avanços são retardados pela força de visões enevoadas, e mesmo o foco de toda a sociedade é deslocado para questões menos relevantes.

Estudos como os exemplificados na reportagem do “El País”são importantes pois nos mostram a origem desse enviesamento específico, que parece ser tão poderoso. É importante sabermos que o extremismo não reside exclusivamente num sistema de ideias, mas reside antes no indivíduo, e de certo modo até faz parte da condição humana. Mas isto responde somente apenas parte das questões. O contexto no qual estes indivíduos conseguem juntar influência e visibilidade varia. Sendo assim, sob quais condições se dá essa variação?

O artigo citado fornece uma resposta possível, ao identificar períodos de incerteza e instabilidade como períodos onde aqueles que se mostram confiantes e apresentam respostas prontas são mais ouvidos (e até mais procurados).

Mesmo sociedades modernas relativamente bem sucedidas, onde haja bom nível educacional, maior segurança material e bom trânsito de ideias e de pessoas não estão imunes, podendo vir a ser influenciadas por identitarismo e radicalismo, principalmente nos períodos de incerteza.

Pode parecer contra-intuitivo e mesmo preocupante que um país como por exemplo o Reino Unido possa ter as decisões sobre seu futuro em parte decididas por tribalismo, como no caso do “Brexit”.

Como que em sociedades democráticas, abertas e desenvolvidas ainda persiste a influência de um pensamento que poderíamos taxar de anacrônico, dado o mundo cada vez mais interligado?

Essa aparente contradição nos lembra da complexidade que nossa espécie alcançou, complexidade que pode ser facilmente confundida com contradição.

Não haveria como evitar sermos vítima da força do viés extremista?

Ao longo das semanas, compartilhamos publicações, no Blog e no Facebook, que fornecem algumas pistas interessantes: sabemos que o ser humano evoluiu para ser compassivo; mostramos como o identitarismo se espalha rápido, e até mesmo é inerente a formação de diferentes grupos. Também compartilhamos um post onde se afirma que tomamos decisões melhor em grupo que individualmente, e que o radicalismo pode ser dissolvido naturalmente dentro de um grupo em deliberação.

Somos seres compassivos, mas nossa compaixão pode ser completamente destinada aos “nossos”, aqueles com quem nos identificamos. Evoluímos como uma espécie em grupos pequenos, mas nossa inventividade, nosso desenvolvimento foi capaz de driblar uma tendência (talvez biológica) a valorização a pertença a pequenos grupos, e nos organizamos em sociedades cada vez maiores e mais complexas, e nossos desejos por pertença identitária foram mantidos “domesticados” dentro de nossas amplas sociedades.

Do mesmo modo, decisões coletivas, quando formadas a partir de deliberação e variedade de opiniões, são capazes de minimizar a influência de vieses e de diluir a voz dos extremistas.

Porém, a diluição de opiniões radicais é dificultada quando a dinâmica de deliberação coletiva é enviesada (ou quando ela não existe). Ademais, indivíduos com “firmeza” de opiniões, quando não devidamente confrontados, são capazes de sobrepor sua visão as propostas mais moderadas e não dogmáticas, mas com menor potencial para inspirar certeza.

A complexidade com que nos organizamos levou a um desenvolvimento impressionante, certamente intensificado nas últimas décadas, mas também trouxe questões que podem parecer ou anacrônicas, ou parecer pertencer a nosso momento, estranhamente parecem caracterizar nossa realidade. Na verdade, a questão do extremismo e identitarismo não são nem anacrônicas e nem são o problema “da moda”. Lidar com isto parece uma tarefa constante, recorrente, não devemos deixar que vozes extremistas sejam as vozes mais altas, e muito menos que sejam a única voz que se escute. O extremismo nasce a partir de certa alienação, e também gera certa alienação ao promover dogmatismo, rigidez e até certa censura, tudo o que nos impede de tomar boas decisões como sociedade. O maior perigo do extremismo por enquanto não é um cenário apocalíptico, mas uma série de más decisões que retardam o desenvolvimento de nossas sociedades.

Caio Freire.

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