Este livro classifica as 100 melhores soluções para a mudança climática. Os resultados são surpreendentes.

-Uma conversa com Paul Hawken sobre o seu ambicioso esforço para “mapear, medir e modelar” soluções para o aquecimento global.

Os perigos iminentes das mudanças climáticas são claros para qualquer pessoa que esteja atenta, eles são mostrados extensivamente tanto na literatura acadêmica como na imprensa popular.

Mas e as soluções?

Para todo o esforço dispendido na mudança climática ao longo dos anos, a discussão sobre as soluções permanece enigmaticamente anêmica e fraturada. Algumas abordagens que chamam muito a atenção, principalmente em torno de energia renovável e carros elétricos, dominam a discussão e a esquematização. Mas não houve um caminho prático para as pessoas comuns entenderem o que podem fazer e o impacto que isso pode ter. Não existe nenhum compêndio único, abrangente e confiável de soluções para a redução da pegada de carbono nos diversos setores.

Pelo menos até agora.

Parece que Paul Hawken cansou de esperar.

Hawken é uma lenda em círculos ambientalistas. Desde o início da década de 1980, ele iniciou empresas sustentáveis, escreveu livros sobre o comércio ecológico (o presidente Bill Clinton chamou o “Capitalismo Natural” de Hawken um dos cinco livros mais importantes do mundo), dando consultoria para empresas e governos, falando com grupos cívicos e colecionando doutorados honorários (seis até o momento).

Alguns anos atrás, ele se propôs a reunir a cuidadosa cobertura das soluções que há muito tempo estavam faltando. Com a ajuda de um financiamento, ele e uma equipe de várias dezenas de pesquisadores se propuseram a “mapear, medir e modelar” as 100 soluções mais substanciais para as mudanças climáticas, utilizando apenas pesquisa revisada por pares.

O resultado, lançado em abril de 2016, se chama “Drawdown: o plano mais abrangente já proposto para reverter o aquecimento global”.

Ao contrário da maioria dos livros populares sobre mudanças climáticas, este não é uma polêmica ou uma coleção de anedotas e exortações. Na verdade, com exceção de algumas divagações dispersas, é basicamente um livro de referência: uma lista de soluções, classificadas pelo impacto potencial de carbono, cada uma com estimativas de custo e uma breve descrição. Um conjunto de cenários mostra o potencial cumulativo.

É fascinante, um lembrete poderoso do quão restrito é o conjunto de soluções que domina a atenção do público. As alternativas variam desde irrigação de terras agrícolas, passando por bombas de calor até as caronas.

A solução número um, em termos de impacto potencial? Uma combinação de educar as meninas + planejamento familiar, que em conjunto poderiam reduzir 120 gigatoneladas de equivalente de CO2 em 2050 — mais do que a energia eólica on e offshore combinada (99 GT).

Também no topo da lista, com um impacto que anula qualquer fonte de energia única: gerenciamento de refrigeradores. (Você não ouve falar muito disso, não é mesmo?)

Tanto a redução do desperdício de comida quanto as dietas ricas em plantas, por si só, superam as fazendas solares e o telhado solar combinados.

(Nota importante: as comparações acima são verdadeiras no cenário central “provável” de Drawdown. Existem também cenários mais ambiciosos, nos quais cada solução é extrapolada para o seu potencial total. No cenário “otimizado”, o vento onshore supera todos os concorrentes , reduzindo 139 GT. Todos os cenários utilizam apenas tecnologias existentes e comercializadas, por isso devem ser considerados conservadores. Todas as soluções, dados e referências estão disponíveis em: drawdown.org.)

Falei com Hawken entre uma cerveja e outra quando ele passou por Seattle em sua turnê do livro. Ele me disse que o livro já está em sua terceira impressão, confirmando nosso senso mútuo de que o público está sedento por esse tipo de sabedoria prática. Uma transcrição editada de nossa conversa segue, com comentários editoriais ocasionais em [colchetes].

David Roberts
Pra deixar registrado, explique o termo “Drawdown”.

Paul Hawken
Drawdown é o momento em que as concentrações de gases de efeito estufa atingem um pico na atmosfera e começam a diminuir ano após ano.

[O cenário “Plausível” do livro Drawdown não atinge a redução. Já o segundo cenário, chamado então “Drawdown” o faz. O terceiro cenário “Ótimo”, que maximiza todas as tecnologias disponíveis, acelera a redução.]

David Roberts
Então, todos esses modelos que vemos na imprensa popular, aqueles que atingem, por exemplo, 80 por cento de redução de carbono até 2050 — nenhum desses realmente atinge o ponto de redução?

Paul Hawken
Nenhum.

E não só isso, eles são sobre energia — são todos modelos de energia. Há uma suposição de que, se você conseguir 100% de energia renovável, basicamente você tem uma passagem para o século 22. Isso simplesmente não é verdade. É um disparate científico. É extremamente importante que nós obtenhamos 100 por cento de renováveis, mas apostar tudo em energia …

[O livro Drawdown tem sete categorias de soluções: energia, alimentos, mulheres e meninas, edifícios e cidades, uso do solo, transporte e materiais. Há também uma categoria de “atrações futuras” de tecnologias ainda não comercializadas, mas elas não estão incluídas nos cenários.]

David Roberts
Como o livro começou?

Paul Hawken
Eu não tinha pensado muito em soluções até ver as lacunas.

[Em 2001, cientistas da Iniciativa de Mitigação de Carbono de Princeton ficaram famosos por propor um conjunto de “cunhas de estabilização climática” — eficiência, energia eólica, solar, etc. — para reduzir as emissões sob metas globais.]

Eu olhei para aquilo e disse “whoa, whoa, whoa.” Duas coisas estão faltando.

A primeira é acessibilidade e agência. Essas ações não poderiam ser feitas por você e eu, exceto dirigir menos, talvez colocar um painel solar no nosso telhado.

A segunda é que 11 das 15 ações só poderiam ser feitas por grandes corporações — principalmente empresas de energia e automóveis — mas eram tão profundamente problemáticas financeiramente que não iria acontecer. Isso poderia acontecer agora, mas naquela época não era viável.

Então … fiquei deprimido. [risos] A ciência era clara, mas as soluções dramaticamente não eram.

E então, quando o trabalho de Bill [McKibben] saiu em 2012, “A Terrível Nova Matemática do Aquecimento Global”, que é baseado no trabalho de Mark Campanale no Carbon Tracker, eu tinha amigos dizendo “game over”.

Aí eu finalmente decidi fazer Drawdown: nomear o alvo e depois mapear, medir e modelar, verificar se era algo atingível. E lá fomos, por quase três anos, com 70 pesquisadores de 22 países e seis continentes.

Nós estávamos muito confiantes sobre quais seriam as melhores soluções. Só que estávamos errados — o que é algo bem válido, de certa forma. Temos uma metodologia que nos previne contra vieses.

David Roberts
Uma coisa que se destaca é o quão diferente essa lista é daquilo que mais se discute na mídia — vento, energia solar, CCS(Carbon capture and storage -Captura e sequestro de carbono). Você estava esperando que a sua lista se parecesse mais com a sabedoria convencional?

Paul Hawken
Pensávamos que pelo menos o topo da lista seria: energia solar, vento, vento, energia solar. Porque é o que você ouve de Charles Ferguson, Al Gore, [Jeffrey] Sachs ou Christiana Figueres. Todos estão dizendo a mesma coisa.

É algo compreensível: 62 por cento das moléculas de gases de efeito estufa vieram da combustão de combustíveis fósseis, então você simplesmente inverte, certo? Faz sentido. Só que simplesmente não funciona assim.

Se você pegar a energia solar, que é a oitava e a décima [na lista], e o vento, que é o segundo e vigésimo segundo, e você os combina, eles estão definitivamente perto do topo. Mas você não pode criar um modelo de energia eólica on e offshore do mesmo jeito, porque a economia é muito diferente. E você não pode juntar telhado solar e fazendas solares no mesmo modelo. Então, em alguns casos, nós esmiuçamos as coisas que normalmente as pessoas pensam como agrupadas.

Mas mesmo assim, a solução número um é educar as meninas e o planejamento familiar.

David Roberts
Como você coloca números nisso?

Paul Hawken
Pegamos os números de outras agências — do Banco Mundial, OMS, IPCC. O que eles são é a variação entre as medianas de projeções populacionais altas da ONU em 2050 e essa redução por si só. Existem tantos benefícios e impactos auxiliares de 1,1 bilhões de pessoas a menos.

David Roberts
Mas são esses 1,1 bilhões a menos de pessoas que estão fazendo o trabalho de redução de carbono?

Paul Hawken
Sim, absolutamente.

David Roberts
Existem outras formas benignas de influenciar o crescimento da população que você considerou?

Paul Hawken
Há uma lacuna de ciência original.

Todos números de carbono [no livro] são dados revisados ​​por pares. Não usamos dados anedóticos, nem “pensamos”, nem “achamos”. Tudo é revisado por pares. Se não houver dados revisados ​​por pares, não podemos modelá-lo. E na parte econômica, que é mais difícil e desafiador, não existe isso de dados revisados ​​por pares na maioria dos casos.

Nós criamos comentários, revisões tecnológicas — temos algumas milhares de notas e três mil referências para o conteúdo.

Tivemos um cara que está apresentando Drawdown para a Sexta Avaliação do [IPCC], o terceiro grupo de trabalho. Um dos cientistas deu uma cutucada sobre a agricultura regenerativa e disse: “Bem, essa é apenas a agricultura inteligente para o clima (CSA), já sabemos disso.” Eu escrevi de volta e disse: “Apresente-me o modelo”.
É uma generalidade. Isso não significa nada. Agrofloresta multiestratos, fantástico, mostre-me um modelo. Silvopastagem? Mostre-me a ciência. No processo de pesquisa do uso do solo, tivemos que identificar o que realmente havia sido estudado. Então, temos 22 soluções de uso da terra. Nós somos talhadores, para obter dados precisos.

David Roberts
Se você tivesse que adivinhar, qual o maior contribuinte potencial que você teve que deixar de fora por falta de dados?

Paul Hawken
A guerra.

David Roberts
Por que reduz a população?

Paul Hawken
Não, não, não — apenas a pegada de carbono da manutenção de exércitos e militares em todo o mundo. Deve ser extraordinário.

David Roberts
Oh, o benefício de carbono de …

Paul Hawken
Da paz. Sim. Há um.

David Roberts
Quão grande é o papel da captura e sequestro de carbono (CCS) no seu esquema?

Paul Hawken
Nenhum. Não é acessível. Não funciona. Ele tem que funcionar primeiro, e então tem que ser acessível. Usar a captura de carbono em Saskatchewan para poços de petróleo empobrecidos não é exatamente uma solução, especialmente quando é apenas 40% de captura e a empresa depende da província para subsidiá-la. Há melhores resultados vindo do Texas. Estamos observando isso.

Você não consegue atingir o drawdown a menos que você sequestre [carbono], mas no momento a única maneira que conhecemos de fazê-lo de maneira confiável é a fotossíntese. Quero dizer, há experimentos científicos sendo feitos acerca disso, mas não é comercial e não é prático.

A propósito, estamos fazendo o D2 — Drawdown 2. E nele estão todos os modelos que não estavam em D1 — mais 60 deles, coisas que estão nascentes, no horizonte ou logo abaixo do horizonte. Eles são divisores de água, muitos deles. Alguns deles vão falhar. Mas é difícil dizer quais.

David Roberts
Me dê um exemplo.

Paul Hawken
Captação de água direto do ar — em ambientes de baixa umidade, não alta. Você obtém captura de carbono na vida vegetal, onde você não poderia antes. Poderia ser agricultura, poderia ser perene, poderia ser arborização, poderia ser uma combinação.

Você tem esse efeito de umidade atravessando todas as paisagens ocidentais do mundo, e geralmente o ignoramos. O que você poderia fazer com aquela água?

David Roberts
Você tem três cenários. O principal você chama de “cenário plausível”.

Paul Hawken
Nós modelamos as soluções, as escalamos de forma rigorosa, mas razoável, já que estão ampliando tudo agora, usando outra literatura para prever. Esse é o primeiro cenário — achamos que ele está acontecendo. Mas não atinge o drawdown.

David Roberts
Isso é baseado apenas no que está acontecendo atualmente, no entanto?

Paul Hawken
E nenhuma nova tecnologia. Nenhuminha. É por isso que temos os modelos futuros; Não é realista pensar que este é nosso portfólio nos próximos 30 anos. Não é verdade. É por isso que o próximo livro é importante — uma em cada cinco ou seis destas [soluções futuras] realmente vai fazer a diferença.

David Roberts
Eu acho que o que me deixa confuso é que o cenário que você está chamando de “plausível” envolve reduções de carbono que a maioria dos modelos caracterizariam como extremamente ambiciosas.

Paul Hawken
Nossos modelos incluem muitas coisas que foram excluídas de outros modelos. Um deles é o uso do solo. É dada uma referência passageira, mas o IPCC não deu muita credibilidade.

Eles não incluem, por exemplo, restauração de terras agrícolas — mais de um bilhão de hectares de terras abandonadas em todo o mundo. Sabemos como regenerar isso, usando animais, usando cobertura, sem plantio direto. Existe um custo de transição? Sim. Mas vale à pena.

David Roberts
É senso comum que não temos nenhuma esperança sobre as mudanças climáticas, a menos que levemos isso a sério. Parece algo difícil de se fazer sem o governo federal dos EUA.

Paul Hawken
Em primeiro lugar, vamos ser honestos: os EUA nunca lideraram nessa área. Nunca. Quando eles tentaram em um nível executivo, nunca foram apoiados pelo Congresso. Os Estados lideraram, as cidades lideraram, mas nunca o governo federal.

Agora, o governo federal é o que é. Quando [Trump] foi eleito, revisei cada uma [das soluções Drawdown]. E disse: “O que o governo federal [dos EUA] pode fazer?” E realmente não é muita coisa.

Eu não quero, de modo algum, silenciar o cemitério dos enormes prejuízos e danos que o presidente Trump pode fazer, em termos de segurança, guerra e sofrimento. É só que as pessoas nos Estados Unidos pensam que são líderes nesta área. Elas não são. É a Alemanha, China, França, Dinamarca.

Tradução por Ana Carolina

Artigo originalmente publicado pelo Vox: https://www.vox.com/energy-and-environment/2017/5/10/15589038/top-100-solutions-climate-change-ranked

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