Pra veganizar o Brasil…

Semana 28

O brasileiro médio quase não come carne. Mas o sonho do brasileiro médio é comer muita carne.

Somos um dos países mais desiguais do mundo pelo Índice de Gini (e o cenário ainda piorou em 2020).

Com isso, o brasileiro médio, que já comia pouca carne, está comendo cada vez menos. Mas isso se deve ao aumento da pobreza, não à uma escolha ética.

O brasileiro médio continua sonhando em voltar a comer carne. Ano passado, foi destaque uma fila para receber doação de ossos (para colocar na sopa). A cena foi recorrente, inclusive em Cuiabá, a capital de uma das regiões que mais produzem carne no país.

Mas já falaremos da indústria. Voltemos ao brasileiro médio. São muitos brasileiros médios. Em um país de 213 milhões de habitantes (o sexto maior do mundo), a renda de 50% das famílias não supera US$ 200,00 por mês. Essas famílias sonham em comer carne, mas vivem de embutidos, ovos e ossos. 

Nosso rebanho bovino tem quase o mesmo número de cabeças que nossa população, são 217 milhões. Mas falaremos da indústria depois.

O Brasil inteiro tem uma cultura muito forte de fazer churrasco com a família no final de semana (e a maioria dos brasileiros, que são mais pobres, também se esforçam para esse luxo dois ou três domingos por mês). Culturalmente, as famílias se reúnem aos domingos para conversar, tomar cerveja, ver futebol e comer churrasco a tarde inteira. O brasileiro médio sonha em poder fazer isso mais vezes. 

Comer carne todo dia é sinônimo de ascensão social no Brasil. Somos o país que inventou o rodízio de carne. Você senta em uma mesa, os espetos de carne chegam até você sem parar, até você não aguentar mais.

O brasileiro rico come carne no café da manhã, almoço e jantar. Falar para um brasileiro que ele deve reduzir seu consumo é enfrentar uma raiz cultural muito forte. Não adianta. Inclusive, em 2021, superamos o consumo de carne bovina da União Europeia, com mais de 7,73 milhões de toneladas aqui (indo principalmente para o brasileiro rico) contra 7,69 milhões de toneladas lá. 

Podemos dizer que o Brasil é o maior país “carnista” do mundo. Possuímos a maior indústria da carne do mundo e 25% do rebanho mundial, só perdemos para a Índia, que responde por 30%. Mas temos uma população muito menor.

 A cultura da carne está presente tanto do lado da demanda, quanto do lado da oferta. O consumo de carne no Brasil nunca vai cair sem muito esforço de convencimento e discussão sobre ética e sofrimento animal. A oferta também não vai reduzir. Então… Falemos então da oferta. 

Para começar, a maior indústria de carne do mundo é brasileira. A JBS Foods: “has more than 400 branches in 15 countries, and slaughters up to 75,000 cattle, 115,000 pigs, 14 million poultry birds and 16,000 lambs every day. Together, that adds up to over 210,000 tonnes of meat a month. Though the second biggest processor, the US giant Tyson Foods slaughters far less, it’s still a staggering number of animals: 22,000 cattle, 70,000 pigs and 7.8 million chickens a day.”

Somos um dos maiores produtores de plantas do mundo, mas o carro-chefe é a soja. Somos o 2o maior produtor de soja e também o 2o maior exportador (exportamos 70% da produção, com metade disso indo para a China). Para que tudo isso? Ração animal, claro. De todo o volume produzido e exportado, 80% é para a indústria da carne.

Muito número, né? O resumo da mensagem até agora é: comemos e produzimos muita carne e ração, mas também exportamos grande parte para outros países. E, com isso, o setor agropecuário ganha grande relevância no PIB (aprox. 8%). E, com isso, os setor ganha força política e de lobby para aumentar seus negócios. 

Um exemplo interessante de poucas semanas atrás. Um dos maiores bancos brasileiros (e um dos maiores do mundo) fez uma campanha para seus clientes calcularem sua pegada de carbono. E deu a dica de que eles experimentassem a campanha “Segunda sem Carne”, famosa no mundo inteiro. No mesmo dia, representantes da indústria protestaram. O banco imediatamente retirou a campanha do ar e se desculpou. Essa é a força do setor no país.

Concluindo, do lado da oferta, sem muito esforço institucional e internacional, o Brasil nunca vai reduzir seu consumo, muito menos virar vegano. Os negócios só tendem a aumentar, as projeções são otimistas. 

Mas grande parte dos negócios é para fora. Voltando ao brasileiro médio, tanto foco na exportação faz com que os preços da carne subam internamente no país. Com isso, o brasileiro médio come ainda menos carne, fica mais longe do seu sonho.

Focamos muito na carne bovina para facilitar a explicação, mas os números são exorbitantes também para produção de porcos, galinhas, peixes etc. Temos uma das maiores costas marítimas do mundo e estamos entre os 10 maiores produtores (tanto de água doce quanto salgada). 

Apenas uma última observação em relação à indústria. Grande parte da nossa produção de bovinos é extensiva (95% são criados livres no pasto). E isso tem incentivado a derrubada de florestas. Só na Amazônia, 75% do desmatamento é causado para a aumentar a criação de gado.

Recapitulando de novo: produzimos e exportamos muito, e, com isso, desmatamos o país também. Com nossa desigualdade entre as maiores do mundo, os ricos comem carne todo dia, a maior parte dos brasileiros come só aos domingos no churrasco e cerveja com a família. Mas o sonho de todos é produzir e comer mais. Culturalmente e economicamente, o Brasil está sequestrado pela visão “carnista” e não vai mudar tão cedo.

Para terminar, o que temos visto de positivo? As redes sociais estão começando a criar um maior engajamento com fotos e vídeos da crueldade animal. Influencers veganos têm criado cada vez mais barulho também, inclusive com ações nas ruas. 

Mesmo com um baixíssimo número de veganos (nem temos dados confiáveis), temos 14% de vegetarianos declarados no país. Como nossa população é gigante, isso significa uma contribuição de aproximadamente 30 milhões de vegetarianos no mundo! Cada vez mais, as empresas estrangeiras de produtos veganos tem olhado o Brasil com carinho, o potencial de negócios aqui é grande, então, nos últimos anos, estamos vendo surgir diversas opções no supermercado. Muitos desses industrializados ainda estão caros para o brasileiro médio, mas estamos otimistas.

Uma nova plataforma de investimentos focada apenas em empresas veganas (Veganbusiness) acabou de surgir no Brasil e já fez uma primeira captação de sucesso. A curiosidade tem aumentado tanto para os investidores quanto para empresas estabelecidas. As grandes indústrias da carne, para evitar a entrada de estrangeiras, também estão timidamente criando suas opções veganas.

Ainda não temos opções nas maiores cadeias de fast food como McDonalds, KFC e Burger King por aqui, mas a Subway tem sido um grande exemplo, já há 1 ano com uma opção deliciosa de sanduíche 100% vegano.

Por fim, o que parece “movimentar” tanto a indústria quanto alguns consumidores por aqui não é tanto a questão ética, mas a sustentabilidade ambiental. Os brasileiros veem a Amazônia como um símbolo nacional e têm cada vez mais entendido que o consumo de carne é a principal causa do seu desmatamento. A pressão internacional contra a emissão de gases do efeito estufa também ajuda nesse sentido. 

Para veganizar o Brasil, a melhor estratégia mesmo é pressionar o tema da sustentabilidade e atrair indústrias veganas de fora, que veem os 30 milhões de vegetarianos brasileiros como um ótimo mercado para expandir negócios. Em paralelo, nós, ativistas veganos, vamos “comendo pelas beiradas” levantando a bandeira da ética em relação ao sofrimento animal e fazendo algum barulho, buscando ações pontuais.

Como afirma Robert B. Cialdini, no livro As Armas da Persuasão: “dado que 95% das pessoas são ‘imitadoras’ e apenas 5% são ‘iniciadoras’, as pessoas são mais convencidas pelas ações dos outros do que por seus discursos”

Uma das campanhas que talvez mais tenha movimentado veganos (e até não veganos) recentemente, e que temos esperança de conseguir em breve, é contra a crueldade de exportar animais vivos. Pessoas não veganas também têm se mostrado sensíveis ao que os animais passam nos navios pelo Oceano Atlântico. Outra grande comoção recente foi o caso das mil búfalas de Brotas, que estavam abandonadas sem comida (mais de 200 já mortas por inanição) até serem finalmente resgatadas por ativistas.

Em um país com um cenário tão ruim para a redução do sofrimento animal, esse pode ser um pequeno passo de esperança. Sabemos que é pouco, mas é o que temos. O Brasil tem muitos problemas extremos. Não podemos dizer que o sofrimento animal seja o mais importante deles, mas é o mais urgente para ser colocado em pauta.

Para quase todos os outros problemas no Brasil, temos consenso, apoio, organização e visibilidade (alguns mais na imprensa, outros mais na política, outros na população em geral). A voz dos animais, porém, ainda não entrou nesse coro. Eles continuam abandonados e torturados do Oiapoque ao Chuí. E quase ninguém está ligando pra isso.

Leandro Franz é economista, escritor e wannabe vegano. É autor dos livros “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “120 dias de Corona” (Ed. Letramento) – este último lançado agora em 2022.

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