O que fazer para nunca mais acontecer? Laboratórios de alto risco devem estar em locais seguros

Laboratórios que envolvem alto risco não podem ser construídos em grandes cidades, devendo também os existentes serem realocados. O local da instalação é apenas um exemplo dos problemas de segurança destes locais. Por exemplo, ainda que existam protocolos com recomendações de segurança para laboratórios que manipulam agente biológicos altamente perigosos, nenhum tratado internacional garante o cumprimento e a execução desses.

“Escapou do laboratório” não significa “criado em laboratório”

Vamos iniciar este texto destacando que o consenso científico atual é de que o COVID-19 tem uma origem natural, ou seja, não foram encontradas evidências de que o vírus tenha sido produzido em laboratório ou manipulado de qualquer outra forma.

Ao que sejam pertinentes os debates e precauções quanto a engenharia de agentes patogênicos (conforme debatemos nesta outra proposta) queremos reforçar neste nosso texto que, quando se diz que um vírus pode ter escapado de um laboratório isso não significa que o tal vírus foi criado ou modificado neste laboratório.

Laboratórios e Protocolos

Em todo tipo de laboratório há protocolos de segurança, que costumam ser tão rígidos quanto mais graves são os riscos aos quais os pesquisadores e a comunidade se submetem com as atividades lá desempenhadas.

Entretanto, regras frequentemente são relaxadas e padrões sanitários e de segurança podem ser ignorados. Somando a tais fatos a possibilidade de falha humana, não é impossível ocorrerem acidentes nos quais algum vírus escape do controle laboratorial. Há diversos precedentes históricos, inclusive.

Se conhecemos qualquer coisa sobre os vírus é porque eles são estudados por pesquisadores humanos, e é na verdade muito fácil que esse pesquisador humano seja acidentalmente infectado e transmita o vírus para indivíduos que jamais o frequentaram. Além disso, pode haver não apenas infecção acidental, mas contaminação de materiais e de dejetos sanitários contendo carga viral que “escapam” conforme são removidos das dependências do laboratório.

Não há padrões internacionais para laboratórios de virologia, nem sequer uma grande agência internacional que os regule. Não existe um análogo biológico ao da Agência Internacional de Energia Atômica que, devido a acordos internacionais, exerce grande poder normativo e de fiscalização sobre usinas nucleares em todo o planeta.

Mesmo com manuais desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com recomendações de segurança para laboratórios que manipulam agente biológicos altamente perigosos, nenhum tratado internacional garante o cumprimento e a execução desses protocolos. Portanto, torna-se crucial desenvolver mecanismos de controle e acompanhamento internacionais que padronizem e monitorem medidas de segurança e mitigação de riscos em laboratórios de agentes biológicos.

Talvez o mais próximo de protocolos “universais” atualmente são os padrões de biossegurança do Centers for Disease Control and Prevention — CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Apesar de frequentemente seus protocolos servirem de modelo para laboratórios ao redor do mundo, se trata de um órgão americano e não internacional.

O BSL-4 é o padrão de biossegurança mais restrito do CDC, sendo frequentemente adotado como modelo ao redor do mundo. Laboratórios de virologia, em especial daqueles que pesquisam vírus previamente conhecidos ou por sua elevada transmissividade ou por sua letalidade, são normalmente projetados para atender os padrões BSL-3 ou BSL-4. Laboratórios que estudam vírus selvagens ou mantém repositórios e biotérios são frequentemente projetados para atender o padrão BSL-4: pois não se sabe o que será encontrado por aí.

Apenas para ilustrar a falta de padronização: a Rússia, por exemplo, classifica seus laboratórios de contenção mais altos como 1 e os laboratórios de contenção mais baixos como 4, portanto, exatamente o oposto do padrão americano, ainda que as práticas reais e os requisitos de infraestrutura sejam bastante semelhantes.

Onde instalar um laboratório de alto risco? Dica: longe de cidades

É prudente que tais laboratórios de virologia de alto nível de segurança não sejam instalados em regiões densamente povoadas. Uma coisa é suprimir contágio acidental em um vilarejo ou pequena cidade, mas em uma metrópole de vários milhões de habitantes a tarefa fica muito mais difícil. A própria divulgação do endereço exato destes laboratórios constitui falha de segurança, por razões óbvias: é por esta razão que o National Institute of Allergy and Infectious Diseases — NIAID (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas) não é preciso acerca da localização de seus laboratórios de virologia BSL-3 e BSL4.

Este site apresenta uma lista de laboratórios de virologia alegadamente compatíveis com o padrão BSL-4 do CDC. Após algum esforço e paciência vasculhando os meandros do site do NIAID, é possível saber que existe um laboratório nas cercanias de Hamilton, Montana, um vilarejo com menos de 5.000 habitantes. Um próximo a um parque ecológico na periferia de Bethesda, Maryland, que conta com 70.000 habitantes. Há outro em Lawrenceville, Geórgia, uma área rural de 30.000 habitantes. O repositório viral do CDC, provavelmente o mais bem restrito do mundo, fica em uma área de acesso restrito controlada pelos militares na periferia de Atlanta, uma “grande cidade” com pouco menos de 500 mil habitantes. A própria Geórgia tem cerca de 10,8 milhões de habitantes.

Na Alemanha, por sua vez, a precaução foi tamanha que um destes laboratórios foi instalado na ilha de Riems. O único caminho para a ilha é através de uma barragem, que pode ser fechada a qualquer momento, caso necessário.

O laboratório em Wuhan, na China

Wuhan é uma enorme metrópole com cerca de 20 milhões de habitantes. Apesar disso, conta com dois laboratórios de virologia que, em tese, são de alto nível de biossegurança. O mais importante dele dista menos de 300 metros de seu já famoso “mercado molhado” (wet market) que, supõe-se, deu origem ao contágio. Preocupações e críticas acerca da localização de tais laboratórios e das condições inadequadas de segurança já haviam sido previamente expressas, em especial por cientistas americanos.

Um destes laboratórios em Wuhan é profícuo em publicações, contando com a contribuição de pesquisadores importantes, como a pesquisadora Shi Zheng-Li, conhecida também pelo seu apelido de “mulher-morcego”, que era especialista em buscar linhagens selvagens de vírus, em especial Coronavírus, dos mamíferos alados da província de Yunnan. Publicações resultantes de pesquisas sobre a SARS original também existem e muitas delas contaram com pesquisadores deste laboratório, que certamente contava com um biotério.

Xiao Bo Tao, um pesquisador chinês de biotecnologia, havia publicado um estudo acerca da possível origem da linha de contágio do SARS-CoV-2, cruzando com uma cronologia de incidentes ocorridos em um dos laboratórios de virologia que distava cerca de apenas 280 metros do mercado de Wuhan.

Apesar de haver crescente desconfiança internacional de que as condições sanitárias inadequadas dos laboratórios em Wuhan sejam a origem da linha de contágio deste Coronavírus, a China nega a hipótese e dificulta ao máximo sua investigação (Sobre a China atrapalhando as investigações acerca da origem do vírus: Fonte1Fonte 2). Não deixe também de ler nossa crítica mais abrangente ao governo chinês no capítulo “Ditaduras e Pandemias”.

Atualmente, a hipótese mais bem aceita ainda é que a origem do vírus tenha sido no mercado de Wuhan e há também uma série de excelentes razões em apoio a essa hipótese, conforme discutimos detalhadamente aqui.

Também não podemos deixar de mencionar o ganho político que o governo Trump teria caso a hipótese de escape do laboratório se confirme. Isso torna tal tópico sujeito a rapidamente se tornar assunto apaixonado e polarizado pelo tribalismo político: isso dificilmente ajudará no debate objetivo de quais medidas devem ser tomadas, que é o propósito deste texto e também dos demais que compõem essa série.

Independente da real origem do vírus nada justifica que laboratórios de tamanha periculosidade não atendam aos mais rigorosos padrões de segurança nem que sejam instalados em uma metrópole como Wuhan.

Caso deseje se aprofundar neste debate, seguem outras fontes que discutem sobre a possível origem do vírus ter se dado em laboratório:

Vídeo em português apresentando a tese de que o vírus, obtido de morcegos selvagens em Yunnan, teria escapado do laboratório de virologia de Wuhan

Grandes sites de notícia investigando a razoabilidade de o vírus ter escapado acidentalmente de um repositório de laboratório em uma metrópole (todos em inglês): ForbesWSJDailymailBBCSouth China Morning PostWashington Post.

Project Evidence, que compila e apresenta evidências de que a possível origem deste Coronavírus tenha sido o laboratório de virologia de Wuhan.

Contraponto: Por que esses cientistas ainda duvidam que o coronavírus vazou de um laboratório chinês.

O que deve ser feito?

A comunidade internacional deveria ter tratado o assunto com o interesse e rigor que se fazem necessários. Existe urgência em estabelecer padrões internacionais homogêneos para laboratórios que manipulam patógenos como também a criação de mecanismos de fiscalização destes.

O modelo aqui é o da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que tem atuação normativa e fiscalizadora. Certamente seria uma medida que, tomada hoje, poderia contribuir para evitar uma futura pandemia.

O que você pode fazer? Se você considera que essa é a proposta mais relevante que debatemos, considere apoiar o programa de biosegurança da Nuclear Threat InitiativeCompartilhe este texto se você o achou informativo ou toda nossa série, ajudando essas informações chegarem ao maior número de pessoas interessadas possível.

Este artigo faz parte da série: “Coronavírus: o que fazer para nunca mais acontecer”.

Autores: Leandro Cardoso Bellato e Fernando Moreno

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